Internacional
Guerra do Kosovo deixou cicatrizes na Europa, 25 anos atrás
Conflito na ex-Iugoslávia terminou em 1999, depois de intervenção militar da Otan, em sua primeira missão sem mandato da ONU. Ação militar controversa abalou a Europa e foi quebra de tabu para a Alemanha
A guerra do Kosovo chegou ao fim em 10 de junho de 1999, quando o Conselho de Segurança da ONU provou a Resolução 1.244, que encerrou formalmente os combates. Um cessar-fogo se estabelecera desde a véspera.
Dois meses e meio antes, na noite de 24 de março de 1999, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) havia começado o primeiro bombardeio de alvos no restante da Iugoslávia (composta pela Sérvia e Montenegro).
Como primeira missão de combate da aliança de defesa do Atlântico Norte sem consultar a ONU e a primeira com a participação de soldados alemães essa foi uma quebra de tabu para a Otan e para o povo alemão, que súbito se via envolvido numa guerra. O objetivo da Otan era forçar o exército iugoslavo a se retirar de Kosovo para evitar expulsões e violações de direitos humanos contra os albaneses que viviam na província.
O porquê do conflito
O desmembramento da Iugoslávia começou em 1991 com as declarações de independência da Eslovênia, Croácia e Macedônia. A Bósnia veio em seguida, em 1992. A Sérvia travou ou iniciou guerras contra a Eslovênia, Croácia e Bósnia; só a Macedônia foi poupada.
Houvera prenúncios da escalada no Kosovo: o presidente da Liga Comunista Sérvia, Slobodan Milosevic, já havia cancelado a autonomia da província de Kosovo em 1989. A expulsão dos albaneses da administração do Estado e do setor público (saúde e educação) em Kosovo já havia começado e foi ampliada com o cancelamento da autonomia. Durante muito tempo, houve resistência não violenta por parte dos albaneses do Kosovo, liderados pelo escritor Ibrahim Rugova, que mais tarde se tornou o fundador e o primeiro presidente de Kosovo.
A partir de meados da década de 1990, os partidários da resistência violenta contra a Sérvia tornaram-se cada vez mais populares. Eles se organizaram no Exército de Libertação do Kosovo (ELK). Inicialmente pequeno, transformou-se rapidamente em um exército regular na segunda metade da década de 1990.
Belgrado respondeu aos ataques terroristas a delegacias de polícia sérvias com força desproporcional. O conflito armado culminou em 1998-1999 na guerra do Kosovo, inicialmente dentro da Iugoslávia. A intervenção da Otan foi desencadeada pela descoberta de 40 albaneses de Kosovo mortos no vilarejo de Racak, em janeiro de 1999. Na época, observadores internacionais se referiram a assassinatos em massa, o que os detentores do poder em Belgrado negaram.
Rambouillet e o fim da diplomacia
Em 6 de fevereiro de 1999, começou no Castelo de Rambouillet, perto de Paris, uma conferência de paz com representantes dos kosovares (entre eles cinco membros do grupo separatista armado UCK), dos governos sérvio e iugoslavo e o então presidente francês, Jacques Chirac. Foi a última tentativa diplomática dos europeus e dos EUA para forçar os albaneses e sérvios de Kosovo a um cessar-fogo.
Mas as negociações fracassaram, assim como a tentativa do enviado especial dos EUA em Belgrado, Richard Holbrooke, de persuadir Milosevic, o homem forte da Sérvia, a ceder.
Polêmica sobre a falta de um mandato da ONU
No período que antecedeu os ataques aéreos da Otan, os políticos ocidentais, em particular o presidente dos EUA, Bill Clinton, acusaram repetidamente a Sérvia de planejar um genocídio no Kosovo.
A Otan não buscou um mandato nem consultou a ONU, pois sua ação teria sido vetada pela Rússia e a China no Conselho de Segurança da ONU. Para a coalizão governamental da Alemanha, formada por social-democratas e verdes, participar da guerra com vários aviões de combate foi uma decisão difícil. Pacifistas e apoiadores da intervenção se chocaram.
O suposto Plano Potkova (“ferradura”) de Belgrado foi para Berlim a justificativa para se envolver na guerra do Kosovo. O objetivo dos sérvios seria empurrar a população etnicamente albanesa da província através da fronteira sul até a Albânia. Nunca foi confirmado se esse plano realmente existiu: fato é que centenas de milhares de albaneses fugiram ou foram expulsos do Kosovo.
Milosevic cede: pressão de Moscou?
Hoje em dia, a maioria dos especialistas concorda que a guerra da Otan só durou mais de 11 semanas devido a erros de cálculo de ambos os lados. A Otan estava convencida de que Milosevic enviaria sinais de negociação após alguns dias de bombardeio. Por outro lado, havia especulações em Belgrado de que a Otan cederia em algum momento e tentaria estabelecer um consenso.
No fim das contas, Milosevic cedeu, provavelmente sob pressão de Moscou. O ex-representante especial da UE para o Kosovo, o austríaco Wolfgang Petritsch, tem certeza de que a Rússia, que estava em péssimas condições econômicas na época, precisava da cooperação do Ocidente.
O fim da guerra foi regulamentado por dois atos jurídicos internacionais. O acordo militar de Kumanovo, em 9 de junho de 1999, uma cidade no que hoje pertence a Macedônia do Norte, ordenou a retirada do exército iugoslavo e da polícia sérvia de Kosovo. A responsabilidade pela segurança da região foi para as mãos da Otan. O acordo também previa o desarmamento do ELK.
Kosovo independente
Um dia depois, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1.244, também conhecida como Resolução do Kosovo, que formou a base da lei internacional para uma solução da crise, estipulando que o Kosovo continuaria integrando a República Federal da Iugoslávia, embora com uma autonomia de longo alcance.
As Nações Unidas enviaram a missão de administração interina UNMIK para estabelecer um governo civil., assim como a força internacional KFOR para garantir a segurança no Kosovo. Entretanto a situação final da província permanecia aberta.
Após 78 dias, cerca de 2.300 ataques aéreos e 3.500 mortos, a intervenção da Otan chegava ao fim, e com ela a guerra do Kosovo, iniciada um ano e meio antes. Nove anos depois, em 17 de fevereiro de 2008, o Kosovo declarou sua independência e agora é reconhecido por 115 dos 192 países membros da ONU, incluindo a Alemanha.
A Rússia, a China, bem como cinco países da União Europeia (Grécia, Romênia, Espanha, Eslováquia e Chipre) não estão entre eles. E a Sérvia rejeita a condição de Estado do Kosovo até hoje.