ECONOMIA
STF julga caso avaliado em R$ 120 bilhões pelo governo, sobre indenização a usinas de álcool
Disputa é referente a tabelamento de preços em usinas no final dos anos 80
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal marcou para julgar nesta terça-feira (11) o recurso que pode gerar uma dívida de até R$ 120 bilhões para os cofres públicos nos próximos anos, segundo as contas do governo. A sessão revisita uma disputa antiga sobre o tabelamento de preços no setor sucroalcooleiro na década de 1980.
A queda de braço entre a União e os usineiros (donos de usinas de açúcar e álcool) já dura décadas, com diversas vitórias para os usineiros, em decisões transitadas em julgado em diferentes instâncias da Justiça. O debate desta terça é tratado como um assunto delicado pela classe.
Não há um consenso em relação ao valor dos precatórios, ou seja, o valor realmente devido. As projeções do governo federal apontam que perder o processo pode comprometer até R$ 120 bilhões das contas públicas, enquanto os usineiros, baseados em cálculos do economista José Roberto Afonso, falam em quase metade desse valor: R$ 63 bilhões.
Recurso poderia comprometer contas do Governo
A maior preocupação no momento em alas do Governo Federal é o rombo que o pagamento pode gerar nas contas públicas. Recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU) preparou uma equipe voltada exclusivamente para cuidar do assunto.
A sessão que se inicia nesta terça acontece 35 anos depois de um acordo celebrado entre o governo e o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), para que o governo levasse em consideração os preços baseados em estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV) e não por técnicos do Ministério da Fazenda, o que cessaria as ondas de ações judiciais.
O ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, responsável por assinar o acordo entre as partes em 1989, acredita que as empresas que se sentiram prejudicadas estão corretas em pleitear reparações financeiras.
“Quando eu estava no Ministério da Fazenda, as ações começaram a chegar, e como as empresas tinham razão, os acordos começaram a ser costurados. Em tese, elas desistiriam dos processos e a Fazenda ouviria o IAA, mas o acordo foi descumprido em março de 1990”, afirmou Nóbrega, ao Monitor do Mercado.
“Reverter processo seria surpreendente”
Um dos casos que estarão em pauta na discussão da 2ª Turma do STF envolve a empresa Jalles Machado (#JALL3), que teve precatórios fixados em 2012 no valor de R$ 74 milhões, que, corrigidos pela inflação, chegam a R$ 99 milhões.
O valor representa menos de 8% do teto que a União prevê de até R$ 120 bilhões. Um dos motivos para esta diferença nos valores é a tentativa constante da União de rever essas indenizações − fator que pode aumentar as despesas operacionais do processo.
Na visão do advogado Daniel Szelbracikowski, especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Dias de Souza, que representa algumas empresas do segmento sucroalcooleiro, esses processos estão correlacionados com “o respeito que um país democrático tem sobre decisões com trânsito em julgado”.
“Seria surpreendente do ponto de vista técnico que essa ação fosse revertida pelo Supremo, pois criaria precedentes judiciais. Mas as usinas prejudicadas na época têm feito novas perícias, à medida que a União não desiste de reverter os casos”, explica Szelbracikowski.
Nos últimos anos, a União sofreu alguns reveses, perdendo casos em 1ª e 2ª instância, e em recurso extraordinário na Primeira Corte do STF em 2020, quando discutia indenizações de R$ 72,4 bilhões. Agora, o julgamento na 2ª Turma do STF seria a última instância a recorrer.
Abalo na confiança de investidores e insegurança jurídica
Para o ex-ministro Maílson da Nóbrega, um cenário de mudança de entendimento no STF traria uma insegurança para investidores que possuem títulos públicos, pois os precatórios foram usados como lastro para a emissão de debêntures.
Além disso, uma decisão que reverta julgamentos já transitados está indo de encontro à segurança jurídica. O recurso em questão, aliás, é um Embargo de Declaração, que, legalmente, deve servir para esclarecer algum ponto da sentença e não mudar o entendimento.
Duas das principais empresas sucroalcooleiras presentes na bolsa de valores brasileira, São Martinho (SMTO3) e Raízen (RAIZ4) abriram o pregão desta terça em direções opostas em meio ao início do julgamento no STF. Às 11h20, a São Martinho recua 2,17%, enquanto a Raízen avança 2,21%.