ECONOMIA
Trinta anos depois, Plano Real ainda é o último grande marco da economia brasileira, diz ex-BC
Três décadas após sua implementação, o Plano Real permanece como o marco mais significativo na transformação estrutural da economia brasileira. Lançado em 1º de julho de 1994, o real consolidou-se como a moeda nacional e proporcionou a tão almejada estabilidade monetária após décadas de hiperinflação, volatilidade dos preços e corrosão salarial.
Durante os anos 1980 e início dos anos 1990, o Brasil enfrentou uma inflação galopante. Em 1984, a inflação anual foi de 215,27%, e em 1993, atingiu impressionantes 2.477,15%. Essa situação levou a um sentimento generalizado de insatisfação, pois os preços subiam de forma descontrolada, impactando severamente o poder de compra da população.
O Plano Real foi concebido em um cenário de fracassos anteriores. Entre 1986 e 1993, seis planos de estabilização foram tentados, todos sem sucesso. Em 1986, o Plano Cruzado tentou controlar a inflação com uma nova moeda e congelamento de preços, mas resultou em desabastecimento e um aumento da inflação após alguns meses. Seguiram-se o Plano Cruzado II, o Plano Bresser, o Plano Verão e os Planos Collor I e II, todos falhando em estabilizar a economia.
Foi nesse contexto que, em 1993, o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, juntamente com uma equipe de economistas renomados, incluindo Pérsio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco, André Lara Resende e Pedro Malan, elaborou o Plano Real. O plano foi implementado em etapas, começando em março de 1994 com a introdução da Unidade Real de Valor (URV), uma moeda virtual que ajudou a preparar a economia para a nova moeda. Em 1º de julho de 1994, o real substituiu o cruzeiro real, marcando o início de uma nova era para a economia brasileira.
A introdução do real teve efeitos imediatos e profundos. Nos primeiros meses, a inflação caiu drasticamente, de 47% em junho de 1994 para 1,86% em agosto do mesmo ano. Esta estabilização permitiu que o Brasil finalmente começasse a planejar o desenvolvimento econômico de longo prazo sem a constante ameaça da hiperinflação.
Gustavo Loyola, que assumiu a presidência do Banco Central em 1995, destacou a importância do Plano Real: “Foi um marco importantíssimo na economia brasileira, talvez o mais importante no último século. Ele fez terminar o processo hiperinflacionário que o Brasil tinha, abrindo espaço para a modernização das instituições econômicas no país, trouxe estabilidade, deram às empresas um horizonte maior para planejar seus investimentos, seus gastos.”
Além da estabilidade de preços, o Plano Real criou um ambiente propício para a realização de outras reformas importantes. Entre elas, destacam-se a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), o sistema de metas de inflação (1999) e o tripé macroeconômico (1999). Estas medidas ajudaram a consolidar a estabilidade econômica e a garantir a disciplina fiscal.
Apesar dos sucessos alcançados, a estabilidade econômica exige vigilância constante. A prudência fiscal e o controle da inflação continuam sendo prioridades para o Banco Central e os formuladores de políticas econômicas. Recentemente, sinalizações de aumento de gastos públicos pelo Governo Federal reacenderam debates sobre a necessidade de manter a disciplina fiscal para evitar descontrole inflacionário.
Edmar Bacha, um dos arquitetos do Plano Real, alertou para os desafios permanentes que a moeda enfrenta: “Como se dizia antigamente, ‘o preço da liberdade é a eterna vigilância’. O preço da estabilidade também é a eterna vigilância. A tentação de governos de gastarem mais do que podem é permanente. Esse país com todas as carências que tem é um prato cheio para o populismo tanto de esquerda quanto de direita. Portanto, é preciso de instituições fortes, que protejam a estabilidade da moeda.”
O Plano Real, 30 anos após sua implementação, continua sendo um exemplo de como políticas bem planejadas e executadas pode transformar a economia de um país. Ele não só estabilizou a moeda e controlou a inflação, mas também lançou as bases para um crescimento econômico sustentável e uma maior confiança nas instituições econômicas brasileiras. Como destacou Pérsio Arida, a estabilidade monetária conquistada pelo Plano Real se tornou um bem público essencial, enraizado no funcionamento democrático do Brasil. A vigilância e a prudência permanecem essenciais para garantir que esses ganhos sejam preservados e ampliados no futuro.