Judiciário
Ministério da Justiça contraria governo Lula e classifica Hamas como grupo terrorista
Em um movimento surpreendente e gerador de desconforto, o Ministério da Justiça classificou o Hamas como um grupo terrorista em documentos oficiais, contrariando a orientação do governo federal. A denominação aparece em textos da Divisão de Estudos e Pareceres e também em um relatório da Polícia Federal, gerando um clima de tensão no Planalto e no Itamaraty.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva adota o entendimento da Organização das Nações Unidas (ONU), que não considera o Hamas um grupo terrorista. Essa postura visa alinhar o Brasil com as diretrizes internacionais da ONU e evitar implicações diplomáticas delicadas.
No entanto, relatórios recentes do Ministério da Justiça e da Polícia Federal desafiaram essa posição. O desconforto no Planalto e no Itamaraty é evidente, com fontes qualificando os pareceres como “inadequados” e “sensíveis”, dado o caráter diplomático e político da classificação do Hamas.
A manifestação que causou esse atrito foi anexada pela Advocacia-Geral da União (AGU) no último sábado (13), em um mandado de segurança relacionado à repatriação do palestino Muslim Abuumar. Em junho, Abuumar foi impedido de entrar no Brasil sob suspeita de integrar o alto escalão do Hamas, estando acompanhado de sua esposa grávida, seu filho de seis anos e sua sogra.
A avaliação de membros da área diplomática sugere que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal poderiam ter se limitado a justificar a repatriação de Abuumar com base em atividades suspeitas, sem rotular o Hamas como uma organização terrorista. Isso teria evitado o desconforto diplomático agora presente.
A nota técnica da Divisão de Estudos e Pareceres do Ministério da Justiça, datada de 8 de julho, detalha a classificação do Hamas:
> “A Polícia Federal, no uso da sua função de polícia aeroportuária (art. 38 da Lei de Migração), indicou que a repatriação foi motivada pela existência do nome de um dos impetrantes na base de dados do Terrorist Screening Center (TSC), a qual a autoridade policial possui acesso por força de acordo assinado com o FBI em 2016, e que demonstra o seu envolvimento com organização terrorista (grupo Hamas). Destaca-se que a Constituição Federal elenca o repúdio ao terrorismo entre os princípios que regem as relações internacionais”.
O relatório da Polícia Federal, de 3 de julho, explica que o Brasil adota um “conceito de lista aberta” e um “modelo flexível” que permite a inclusão de novos grupos na classificação terrorista com base em evidências. Este relatório foi assinado pelo delegado Leopoldo Soares Lacerda, chefe substituto do Departamento de Enfrentamento ao Terrorismo da Polícia Federal.
Após os ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro do ano passado, o governo Lula enfrentou críticas por não classificar o grupo palestino como terrorista. Essas críticas forçaram o Itamaraty a emitir uma nota explicando que o Brasil segue as diretrizes da ONU.
Questionado sobre os pareceres divergentes, o Itamaraty reafirmou:
> “No tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão encarregado de velar pela paz e pela segurança internacionais, nos termos do Artigo 24 da Carta da ONU.”
O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que a análise do caso ocorreu sob sigilo na Polícia Federal, enquanto a Polícia Federal destacou que a legislação antiterrorista brasileira não exige a classificação prévia de grupos como terroristas para serem considerados como tal, desde que pratiquem atos de violência ou ameaças com motivações específicas.
A discordância entre o Ministério da Justiça e o governo Lula sobre a classificação do Hamas sublinha uma questão complexa e sensível na política externa e de segurança do Brasil. A controvérsia destaca a necessidade de uma coordenação mais estreita entre as várias esferas do governo para evitar conflitos que possam afetar a imagem e as relações internacionais do país.