Judiciário
STF julga constitucional flexibilização de regime de contratação de servidores
A partir de agora, servidores podem ser contratados fora do regime único. Regra, que estava suspensa desde 2007, volta a produzir efeitos
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgaram nesta quarta-feira (6/11) constitucional trecho da Reforma Administrativa de 1998 – Emenda Constitucional 19/1998 –, que flexibiliza o regime jurídico único (RJU) dos servidores públicos, e possibilita a contratação por outras formas, como a CLT. O trecho, agora considerado constitucional, estava suspenso por decisão liminar do STF desde agosto de 2007.
O caso foi decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, que ficou vencida no julgamento. Prevaleceu a posição divergente do ministro Gilmar Mendes, acompanhado por Nunes Marques, Flávio Dino, André Mendonça, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Luiz Fux e Edson Fachin acompanharam a relatora.
A ação foi proposta pelo PT, PCdoB, PSB e pelo PDT, que questionavam a tramitação da Emenda na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Segundo alegam os partidos, o dispositivo foi promulgado sem a aprovação das duas Casas em dois turnos e que as alterações tendem a abolir direitos e garantias individuais.
A maioria dos ministros decidiu que não houve vício na tramitação do texto, o que torna a Emenda Constitucional válida. Dessa forma, servidores públicos podem ser contratados por CLT, sem necessariamente ter a mesma estabilidade de cargo dos servidores que têm RJU.
O resultado ficou da seguinte forma:
“O tribunal por maioria julgou improcedente o pedido formulado nesta ação tendo em vista o largo lapso temporal desde o deferimento da medida cautelar nestes autos. Entendeu-se que o mais prudente por razões de segurança jurídica e relevante interesse social é atribuir eficácia ex nunc (válida a partir deste momento) na presente decisão. Fica esclarecido ainda, na linha pelo proposto pelo ministro Flávio Dino, ser vedada a transmutação de regime dos atuais servidores como medida de evitar tumultos administrativos e previdenciários”.
O Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) e a ministra Esther Dweck apoiavam a manutenção da liminar que impedia a flexibilização das formas de contratação e demissão no serviço público.
Em nota após a decisão do STF, o MGI afirmou que “tomou conhecimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve válidos os termos da Emenda Constitucional 19 de 1998 que permite que um ente adote mais de um regime jurídico de pessoal. A decisão não tem consequências para os atuais servidores. Seus impactos para o serviço público serão avaliados pelo Ministério”.
Em artigo publicado, em setembro, o secretário de Gestão de Pessoas do MGI, José Celso Cardoso Junior, e o ex-diretor de Carreiras e Desenvolvimento, Douglas Andrade da Silva, afirmam que “reverter ou relativizar agora esse estatuto jurídico significará introduzir elementos de instabilidade e insegurança num campo de atuação do próprio Estado que já está pacificado e normatizado, há mais de três décadas”.
“A convivência entre regimes jurídicos distintos de contratação (em termos de direitos e deveres) sempre foi – e continuaria sendo – prejudicial para as relações de trabalho entre servidores e entre estes e o próprio ente público, o Estado. Não obstante, é claro que se deveria pensar e caminhar para uma situação na qual atividades ligadas a necessidades temporárias e específicas, bem como atividades de apoio administrativo auxiliar, pudessem ser contratadas diretamente pelo regime celetista, mas jamais as atividades ligadas à preservação e valorização das funções públicas estratégicas setoriais de cada órgão ou ministério, tampouco aquelas responsáveis pela organização, governança e funcionamento das funções consideradas estruturantes aos macroprocessos administrativos”.
Debate sobre modernização do Estado
Vera Monteiro, professora da FGV Direito SP e integrante do Movimento Pessoas à Frente, afirma que a decisão do STF sobre o fim do Regime Jurídico Único confirma a tendência de convivência de mais de um regime na contratação pública de pessoal na administração direta e autárquica. “Essa decisão não encerra o debate e sim abre a inadiável discussão sobre a necessidade de modernização administrativa da gestão pública brasileira”, diz a professora.
“O debate que se desenha a partir do fim do RJU deve ter a efetividade do Estado como pilar fundamental, isto é, o reforço das capacidades estatais para a entrega de resultados, somada a elementos essenciais como o combate às desigualdades dentro do próprio serviço público, o fim das promoções e progressões automáticas, a correção das distorções remuneratórias, a extinção de carreiras obsoletas, a modernização dos concursos públicos, a efetiva avaliação de desempenho de todos os servidores, a promoção de uma burocracia representativa, a transparência de dados, e outros que se combinem em uma leitura estratégica, integrada, baseada nas melhores evidências de gestão de pessoas no serviço público”, afirma Monteiro.
Para a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), a decisão do STF abre possibilidades infinitas do debate sobre modelo de Estado no Brasil, “algo que gera preocupações dada as constantes pressões existentes para aprovação de uma reforma Administrativa”.
“Dessa forma, todo o debate que envolveu a PEC 32/20 e seus graves problemas é retomado e deve acender o alerta para que servidores estejam mobilizados e preparados para provocar o debate uma vez que o modelo de Estado não deve passar por decisões monocráticas e unilaterais de governos e sim é um debate que deve envolver toda a sociedade”, afirmou a entidade.
Segundo a advogada Camilla Cândido, da LBS Advogadas e Advogados, que representa a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a decisão reintroduz uma pluralidade de regimes que pode comprometer a coerência e a estabilidade do serviço público.
Ao JOTA, disse que a opção por regimes variados, conforme o ente federativo ou tipo de vínculo, tende a dificultar a uniformização dos critérios de controle e de transparência administrativa, essenciais para a eficiência da administração pública.
“A experiência histórica demonstra que a coexistência de múltiplos regimes no passado gerou problemas de isonomia e criou barreiras para o desenvolvimento profissional estável de diversas carreiras. Além disso, a flexibilização nas formas de contratação pode intensificar a terceirização e abrir espaço para disparidades no tratamento de servidores em funções similares, o que demanda cautela para evitar potenciais distorções na estrutura do serviço público e impactos negativos na qualidade da prestação estatal”, afirmou Camila Cândido.