Esporte
As origens do Jiu-Jítsu – Parte 3
A Influência do Sumô e do Kumiuchi no Jiu-Jítsu
O Sumô, hoje, é um esporte de combate ritualizado e muito diferente do que conhecemos como Jiu-Jítsu. Suas raízes estão profundamente ligadas a rituais religiosos e à agricultura. E o Sumô foi sendo moldado, ao longo de séculos, por influências culturais, religiosas e militares.
Muitos estudiosos o consideram uma das artes marciais e tradições culturais mais antigas do Japão. Sua origem remonta a mais de 2.000 anos, com registros de combates que datam do período Yayoi (300 a.C. – 300 d.C.).
Suas origens mitológicas são ainda mais antigas. Segundo uma das lendas escritas no “Kojiki” ou o “Registros de Assuntos Antigos” (712 d.C. – clã Yamate), o Sumô foi usado para decidir o controle das terras japonesas em um combate entre dois deuses: Takemikazuchi No Kami e Takeminakata No Kami.
Nesse combate, Takemikazuchi venceu a luta, simbolizando a vitória do clã dos deuses sobre os humanos, garantindo o controle do Japão.
Essa história reforça a ideia de que o Sumô estava intimamente ligado ao destino do país e à sua ordem social, contribuindo para a tradição de respeito, honra e hierarquia, características comuns às artes marciais japonesas.
Desenvolvimento no Período Nara e Heian (séculos VIII a XII)
Durante os períodos Nara (710 – 794) e Heian (794 – 1185), o Sumô começou a ganhar mais popularidade entre a corte imperial.
Ele foi formalizado como entretenimento para a nobreza e para as famílias imperiais. Durante festivais ou eventos importantes, competições de Sumô eram organizadas. Essas lutas ainda tinham elementos cerimoniais, porém o aspecto competitivo começava a emergir.
Nessa época, também surgiram registros formais de lutas e regras que moldariam o Sumô como um esporte.
As técnicas usadas nas lutas eram simples (abandonando o aspecto brutal usado anteriormente), baseadas em empurrões, pegadas e quedas, mas sem as regras complexas que vemos atualmente.
Mesmo assim, às vezes, as lutas eram violentas, como a que foi vista pelo Imperador Suinin em 23 a.C., na qual Nomi No Sukune matou Tayma No Kuehara.
Influência Militar e Evolução no Período Kamakura e Edo (séculos XII a XIX)
Com o advento do período feudal, o Sumô se tornou uma forma de treinamento para os samurais. Durante o período Kamakura (1185 – 1333), quando o Japão estava sob o domínio militar dos xoguns (ditadura militar japonesa), o Sumô foi usado para preparar os guerreiros para o combate corpo a corpo nos campos de batalha.
Nesse contexto, ele se aproximou das artes marciais, com técnicas de projeção e imobilização, que seriam incorporadas na formatação do Kumiuchi, do Jiu-Jítsu e de outras artes marciais.
O Kumiuchi (luta agarrada) começou a ser formatado no período Kamakura (1185 – 1333), durante as guerras frequentes entre os clãs samurais, enquanto o Sumô seguiu sua própria evolução.
Nesse período, as batalhas eram muitas vezes travadas com armaduras pesadas – espadas, lanças e outras armas –, mas, quando a luta se aproximava, as armas de longo alcance se tornavam inúteis, e os guerreiros precisavam recorrer ao combate corpo a corpo.
Por causa das armaduras que os samurais usavam, os golpes diretos com punhos ou pés eram menos eficazes, daí a necessidade da luta agarrada (Kumiuchi), que se concentrava em técnicas de arremesso, controle de membros e imobilizações que poderiam neutralizar o oponente ou criar uma oportunidade para usar uma adaga curta para um golpe final.
Após a batalha de Sekigahara (1.600 d.C.), o Japão foi unificado sob o xogunato de Tokugawa Ieyasu, dando origem ao período Edo (1603 – 1868), um intervalo de alguns séculos de relativa paz.
Como durante esse período praticamente as batalhas entre os clãs acabaram, não fazia mais sentido treinar o Kumiuchi (com armaduras) e, por isso, essa técnica ou arte (Jítsu), passou a ser mais flexível, adaptável ou suave (Jiu), e o treinamento começou a ser feito com as roupas normais da época, visando à defesa pessoal.
Nasciam assim, os estilos (ryu), que ficariam conhecidos como Jiu-Jítsu.
CARLOS LIBERI – Mestre de Jiu-Jítsu, faixa-coral (sétimo grau); membro do Conselho Diretor da Gracie Barra Flórida, instrutor-chefe da GB Sanford e da GB Campinas. Especialista em história e filosofia das artes marciais pelas Faculdades Integradas de Santo André (FEFISA).