Judiciário
O valor jurídico do abandono paternal à luz do princípio da afetividade
O abandono afetivo paternal é uma violação de direitos fundamentais, passível de responsabilidade civil, à luz da dignidade da pessoa humana e do princípio da afetividade.
Resumo: O novo “direito das famílias”, permeado pela valorização do afeto nos laços familiares, representado por recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, fez surgir uma nova modalidade de indenização decorrente da ausência de afeto paternal, reconhecendo que o abandono afetivo possui valor jurídico, constituindo uma violação do direito fundamental ao afeto agasalhado pela Constituição Federal. Isso porque, até muito pouco tempo atrás, o ordenamento jurídico nunca havia se preocupado em oferecer uma resposta aos filhos abandonados afetivamente pelos pais, mas agora, após anos e anos de omissão, o Judiciário, enfim, retira as vendas de seus olhos, consagrando a família como ninho de afeto e seio de solidariedade entre seus membros. O fato é que o abandono afetivo não tem preço e nunca terá, pois o dinheiro jamais poderá apagar das lembranças dos filhos rejeitados as ausências injustificadas dos pais em momentos que jamais voltarão. Contudo, por mais que essas situações fossem comuns, o Poder Judiciário somente agora se despertou para elas. Esse novo entendimento, fruto do neoconstitucionalismo e da irradiação de suas normas sobre a família, avançou a passos largos na despatrimonialização dos laços familiares ao reconhecer que o afeto é imprescindível na concretização da dignidade da pessoa humana, rompendo com uma doutrina tradicionalista que apenas enxergava na obrigação do pai o único dever de pagar alimentos, restando desonerado de todo e qualquer dever outro com relação ao filho. O ordenamento jurídico não poderia forçar o pai a amar seu filho, mas fez o que estava ao seu alcance, reconhecendo que a maior contribuição que um pai pode ofertar ao seu filho é o afeto, a presença, o cuidado e o amparo, não somente lhe oferecendo bens que o dinheiro pode pagar, mas, sobretudo, proporcionando-lhe cuidado, que nada mais é do que o compromisso de assegurar afeto.
Palavras–chave: afetividade; abandono; neoconstitucionalismo; direitos fundamentais; responsabilidade civil.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o direito das famílias passou por intensas transformações à luz das modificações ocorridas na estrutura familiar contemporânea. Afinal, a família vista sob olhos do passado, a qual era enxergada com uma concepção institucionalista, como um núcleo patrimonial centrado na autoridade do pai de família, cedeu espaço à família eudemonista, a qual aposta no estreitamento de laços afetivos e na solidariedade entre seus membros.
Assim, sob o olhar da contemporaneidade, a família existe em função do afeto entre seus membros, sendo um espaço destinado à realização afetiva e de concretização da felicidade de seus integrantes. O fato é que as transformações na família trouxeram um desafio à comunidade jurídica pátria, qual seja, o de repensar no conceito de família à luz dos princípios constitucionais da afetividade e da solidariedade, abandonando formalidades de um passado apegado à família que não possuía o compromisso de felicidade de seus membros.
O direito das famílias abre os olhos, então, para o futuro, mas sem descurar da realidade do presente, trazendo novos desafios para o Direito, os quais têm sido solucionados diante da constitucionalização do Direito Civil, por meio da aplicação de princípios explícitos e implícitos com escopo de tutelar os direitos fundamentais da pessoa humana.
Essa nova feição do Direito das Famílias concebe a família como espaço voltado à realização afetiva de seus membros, sendo que a afetividade assume na contemporaneidade o fundamento das relações familiares. Prova disso é que um mosaico de novas entidades familiares foram reconhecidas, passando a ser insuficientes as categorias jurídicas existentes no passado para classificar as estruturas familiares, de modo que passou-se a conceber uma família eudemonista ou afetiva, compromissada mais com o afeto nos laços familiares, menos aprisionada a padrões predeterminados.
Imprescindível, porém, se faz mencionar que o reconhecimento da afetividade no seio familiar deve-se ao princípio constitucional da solidariedade familiar, o qual confere aos membros da família o dever de cuidarem e ampararem um ao outro, com responsabilidades mútuas, sendo a família um ninho de realização pessoal de seus membros.
Assim, o novo olhar sobre o direito das famílias trouxe uma nova forma de se pensar a família, como sendo mais voltada à convivência familiar, aos laços afetivos e à solidariedade, sendo esses vértices orientadores de todos os institutos jurídicos relacionados à família.
Mas, insta consignar que nem sempre foi assim. O direito de família contemporâneo é fruto de um processo histórico que ocorreu com a evolução dos direitos fundamentais da pessoa humana, tendo como principal marco a constitucionalização das normas de direito de família trazida pelo neoconstitucionalismo, fenômeno que propiciou uma verdadeira “oxigenação” nos institutos de direito família, os quais passaram a ser concebidos sob a perspectiva dos princípios constitucionais basilares insculpidos na Carta Magna.
A família passou a ter como escopo a realização afetiva de seus integrantes e a dignidade da pessoa humana, as quais somente poderiam ser garantidas com a pluralidade das entidades familiares, através da igualdade e da liberdade nos relacionamentos familiares e a convivência e solidariedade entre seus membros.
Diante da evolução dos direitos fundamentais da pessoa humana e com as transformações pela quais passaram a sociedade, o Direito, permeável que é, adaptou-se à realidade social, em um processo lento e gradativo, pois a legislação vigente não regia relações afetivas que eram levadas à apreciação dos tribunais, e uma interpretação precipuamente formal limitou-se por muito tempo à letra da lei, sem estar preparada para enfrentar essas novas situações a serem enfrentadas pelo Direito.
Até o advento da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhecendo que o abandono afetivo paternal possui valor jurídico e que, por isso, deve ser indenizado pecuniariamente, muitos outros casos análogos levados à apreciação do Poder Judiciário não tiveram o mesmo resultado. Isso porque, a maioria dos magistrados não reconheciam o valor jurídico do afeto por não estar expresso na lei, o que acabava por presentear a irresponsabilidade paterna.
Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência tiveram primordial importância na superação do formalismo e do apego à lei, para, finalmente, desenvolver-se a consagração do valor da afetividade no seio dos laços familiares.
O relacionamento afetivo passou a ser priorizado em detrimento, inclusive, de laços sanguíneos, uma vez que o elo biológico passou a ser considerado menos importante do que a afetividade. Para a jurisprudência mais moderna, a socioafetividade é por si só suficiente para o vínculo parental. Essa nova concepção sobre a família alicerçada na afetividade desnudou novas formas de enxergar diversos institutos de direito de família, como, por exemplo, a pluralidade na conceituação de entidade familiar, a igualdade entre irmãos havidos ou não na constância no matrimônio, o advento do conceito de alienação parental, dentre outros.
No entanto, ainda é fervoroso o debate envolvendo a questão se deve ou não o Direito reconhecer a afetividade e se esta deve ser erigida a princípio jurídico ou somente como um valor relevante.
A doutrina se encontra divida principalmente entre três correntes. Para a primeira delas, a afetividade seria um princípio implícito do direito de família brasileiro, descrito na Constituição Federal, o que denota sua imprescindibilidade nas relações familiares, devendo, pois, ser observado em toda e qualquer análise sobre os institutos de família. Entre seus principais autores, destacam-se, Maria Helena Diniz, Flávio Tartuce e José Fernando Simão, Caio Mário da Silva Pereira, Rolf Madaleno, Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. Os defensores dessa primeira corrente são os que mais se destacam na mudança paradigmática da família à luz da constitucionalização do direito das famílias.
Por outro lado, os defensores da segunda corrente pregam a tese de que a afetividade seria apenas um valor relevante a ser observado, mas sem estar inserida no rol dos princípios do direito das famílias, são eles, Fábio Ulhoa Coelho, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Paulo Nader, Arnoldo Wald e Eduardo de Oliveira Leite.
Por sua vez, a terceira corrente se manifesta totalmente contrária à afetividade como sendo princípio, aduzindo, inclusive, que não deveria nem mesmo ser tratada pelo Direito. Dentre seus autores é possível arrolar: Regina Beatriz Tavares da Silva, Marco Túlio de Carvalho Rocha e Roberto Senise Lisboa.
Entretanto, um estudo mais aprofundado sobre o tema pode ser suficiente para a melhor compreensão do que é a afetividade, elidindo os obstáculos trazidos pela segunda e pela terceira corrente, objetivo a que se dedica o presente trabalho.
Por meio do estudo da evolução da afetividade nas relações familiares e no ordenamento jurídico brasileiro será possível compreender o novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o qual o amar é uma faculdade, mas o cuidado com o filho é dever de todo pai, cuidado este que nada mais é do que compromisso de afeto com a prole.
Desta feita, não basta mais que o pai pague pensão alimentícia ou ofereça bens materiais ao filho. O Direito quis mais, fez o que pôde, que é buscar garantir ao filho a presença e o afeto do pai.
Dessa maneira, o presente trabalho busca apresentar as implicações jurídicas do abandono afetivo paternal e suas diversas facetas. No Capítulo I, aborda-se a presença dos direitos fundamentais na família à luz do neoconstitucionalismo, destacando a força normativa da Constituição Federal sobre o Novo Código Civil, bem como a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações familiares, considerando o afeto como um direito fundamental. Assim, o abandono afetivo paternal seria uma verdadeira violação de direitos fundamentais da pessoa humana, uma vez que a presença de afeto paternal seria corolário do princípio constitucional da afetividade e da dignidade da pessoa humana.
O Capítulo II procura destacar o conceito moderno de família e sua evolução histórica que culminou com o pluralismo no direito de família brasileiro. Ainda, expõe a compreensão sobre a despatrimonialização do direito de família em decorrência da valorização do afeto, bem como o nascimento e a evolução histórica do afeto nos laços familiares. Elucida também que o descumprimento do dever se convivência familiar provoca danos à personalidade do filho, enaltecendo a imprescindível função da afetividade no seio familiar.
Por sua vez, o Capítulo III procura descrever o princípio da afetividade e o abandono moral no sistema jurídico brasileiro e suas consequências, sobretudo a responsabilidade civil originada em decorrência da ofensa à dignidade humana, bem como os pressupostos e elementos do dever de indenizar por abandono afetivo paternal e a crescente aceitação jurisprudencial da afetividade.
Desta feita, os objetivos específicos do presente estudo são: demonstrar que o afeto familiar é protegido pela Constituição Federal, sendo um direito fundamental, bem como é protegido pelo Código Civil em diversos de seus institutos; evidenciar que, por ser agasalhado pela Carta Magna, o afeto é considerado como direito constitucional de eficácia horizontal, suscetível de ser invocado ao Estado em face de outrem; elucidar que o reconhecimento do valor do afeto no seio da família é fruto de um processo histórico em que as leis aos poucos foram reconhecendo cada vez mais a família como espaço de concretização da felicidade e de realização existencial afetiva, com a solidariedade recíproca cada vez mais presente nos debates relativos à família, culminando com o novo “direito das famílias”; demonstrar que, diante do neoconstitucionalismo e da irradiação de suas normas sobre o direito de família, houve a despatrimonialização da família e o rompimento com uma tradição que apenas enxergava a família sob o viés patrimonial, reconhecendo que o afeto e a solidariedade recíproca no seio da família são muito mais valiosos à dignidade do que somente o pagamento de alimentos pelo genitor.
Ainda, almeja-se demonstrar que de nada adiantaria o ordenamento jurídico consagrar o afeto em diversos momentos se não houvesse uma penalização daquele genitor que descumprisse tal proteção ao filho; bem como procura-se elucidar quais os pressupostos da responsabilidade civil pela ausência de afeto paternal e demonstrar como os tribunais pátrios têm tratado em recente jurisprudência o instituto do dano afetivo.
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA FAMÍLIA À LUZ DO NEOCONSTITUCIONALISMO
O tema que representa o escopo do presente estudo corresponde à apreciação do abandono afetivo paterno e sua consequente possibilidade de indenização decorrente do sofrimento e dos prejuízos causados ao filho abandonado, sobretudo à luz dos dolorosos danos afetivos causados pela ausência do pai, pela falta de seu afago, de suas palavras de carinho, do balanço de seu berço e da dor do filho em não ter a quem entregar o presente feito na escola especialmente para a festa comemorativa do dia dos pais (DIAS, 2012, p. 02).
E o que dizer do caso concreto em que a filha teve que bater às portas do Poder Judiciário a fim de pleitear o sonho de embalar sua valsa de formatura acompanhada do pai que sempre lhe rejeitou afetivamente?
O fato é que essas ausências não têm preço. Nunca terão. O dinheiro jamais poderá apagar das lembranças dos filhos rejeitados as ausências injustificadas dos pais em momentos que jamais voltarão.
Contudo, por mais que essas situações sejam sobejamente comuns, o Poder Judiciário somente recentemente se voltou para elas. Até muito pouco tempo atrás, o ordenamento jurídico nunca havia se preocupado em oferecer uma resposta aos filhos abandonados sentimentalmente pelos pais, mas agora, agora sim, após anos e anos de omissão, o Judiciário, enfim, retira as vendas de seus olhos e, representado por recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, reconhece de maneira inédita que a dor do abandono merece, sim, ser indenizada, avançando a passos largos na despatrimonialização dos laços de família ao reconhecer que o afeto é imprescindível na concretização da dignidade da pessoa humana e rompendo com uma doutrina tradicionalista que apenas enxergava na obrigação do pai o único dever de pagar alimentos, restando desonerado de todo e qualquer dever outro para com o filho.
Essa antiga concepção da obrigação do pai restrita a pagar alimentos tornava os filhos como sendo uma espécie de “estorvo”, do qual o genitor poderia facilmente “se livrar” com o mero pagamento de alimentos (DIAS, 2012, p. 02).
No entanto, “nem só de pão vive o homem”, sendo que a maior doação que um pai pode fazer a seu filho é o afeto, a presença e o cuidado. O ordenamento jurídico não poderia forçar o pai a amar seu filho, mas fez o que estava a seu alcance, que é obrigar o pai a cuidar e amparar o filho em seu crescimento, não somente lhe oferecendo bens que o dinheiro pode pagar, como alimentos, vestuário, assistência médica e educação, dentre outros, mas, sobretudo, oferecendo-lhe cuidados, que nada mais é do que o compromisso de assegurar afeto.
Desta feita, a nova perspectiva do “direito das famílias”, permeada pela valorização do afeto nas relações familiares, em consonância com o princípio constitucional da afetividade, fez surgir uma nova modalidade de indenização por dano afetivo, recentemente consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar caso concreto levado à sua apreciação, motivo pelo qual é sobejamente relevante o estudo e o aprofundamento nesse novo instituto que nasce em nosso ordenamento jurídico.
Assim, para Salomão (2014, p. 01), o “Abandono afetivo é termo hoje encontrado com relativa frequência no âmbito forense e nos mais variados manuais de direito de família”, consistindo “na indiferença afetiva dispensada por um genitor a sua prole, um desajuste familiar que sempre existiu na sociedade e, decerto, continuará a existir, desafiando soluções de terapeutas e especialistas”. No entanto,
O que é relativamente recente, contudo, é a transferência dessa contenda própria do ambiente familiar para as salas de audiências e tribunais país afora, essencialmente sob a forma de indenizações pecuniárias buscadas pelo filho em face do pai, ao qual se imputa o ilícito de não comparecer aos atos da vida relacionados ao desenvolvimento social e psíquico de seu descendente (SALOMÃO, 2014, p. 01).
O fato é que o princípio constitucional da afetividade trouxe à família a proteção de seus direitos fundamentais, de maneira que os interesses patrimoniais não mais podem se sobrepor ao sentimento de afeto e de solidariedade reconhecidos juridicamente no seio da família, a qual, nas próprias palavras da lei, esboçada na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06, 5º, II), é uma relação íntima de afeto.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 teve papel fundamental na valorização da afetividade nos laços familiares, pois o novo olhar trazido pela Carta Magna às famílias reconheceu o amor e o afeto como pilares dos vínculos familiares, instalando “uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto” (DIAS, 2013, p. 74).
Assim, tendo a Constituição Federal uma nova forma de enxergar a família sob o viés do afeto em detrimento do patrimônio, irradiou-se a todas as demais leis infraconstitucionais um novo olhar sobre a família, nascendo no ordenamento jurídico pátrio novos valores e princípios norteadores dos laços familiares. A respeito, Dias (2013, p. 64) elucida que,
Os princípios constitucionais representam o fio condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do intérprete em consonância com os valores e interesses por eles abrigados. É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios que a Constituição Federal consagra como valores sociais fundamentais, e que não podem se distanciar da atual concepção da família, com sua feição desdobrada em múltiplas facetas. Daí a necessidade de revisitar os institutos de direito das famílias, adequando suas estruturas e conteúdo à legislação constitucional, funcionalizando-os para que se prestem à afirmação dos valores mais significativos da ordem jurídica.
O princípio constitucional da afetividade é implícito na Constituição Federal, sendo fruto do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual encontra previsão no Art. 1º, III, da Carta Magna, sendo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, conforme traz à baila Streck (2009, p. 37), “A noção de Estado Democrático está, pois, indissociavelmente ligada à realização dos direitos fundamentais […] aquilo que se pode denominar de plus normativo do Estado Democrático de Direito […]”.
Na medida em que a ordem constitucional erigiu a dignidade da pessoa humana como fundamento da ordem jurídica, “houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos à realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos de família”, colocando “a pessoa humana no centro protetor do direito” (DIAS, 2013, p. 66).
Assim, para reduzir a posição individualista e patrimonialista na qual se fundava o antigo olhar sobre o direito das famílias, com o advento da Constituição Federal de 1988, passou-se a interpretar as leis infraconstitucionais e, dentre elas, as leis que regem o direito das famílias, dentro de um contexto interpretativo constitucional, de onde emerge o neoconstitucionalismo.
Com o advento do neoconstitucionalismo, a Constituição Federal tornou-se protagonista no ordenamento jurídico pátrio, servindo de fonte nascedoura de todas as demais normas jurídicas, reconhecendo a força normativa dos princípios carregados de elevados valores axiológicos e abrindo espaço ao debate moral (VALE, 2009, p. 129). Nesse aspecto, acrescenta Piovesan (2003, p. 355),
Os princípios constitucionais, concebidos originariamente, sob a perspectiva privatista, como fonte subsidiária do direito, passaram, sob a perspectiva publicista, a assumir o caráter de normas impositivas preponderantes nos principais sistemas constitucionais ocidentais.
Por sua vez, o escopo do neoconstitucionalismo é a concretização das normas constitucionais (e dentre elas encontram-se os princípios), os quais ganham destaque no ordenamento jurídico, servindo de vértice orientador para interpretação de todas as normas legais infraconstitucionais (HOGEMANN e SOUZA, 2013, p. 60).
Para Piovesan (2003, p. 360), “O estudo dos princípios fundamentais de cada constituição revela seu núcleo, donde se extrai toda a sua força normativa e, por isso, necessariamente, molda todo o cenário jurídico a ela subjacente.” (2003, p. 360).
O neoconstitucionalismo traz, portanto, ao direito das famílias os princípios constitucionais da família, dentre os quais se encontram os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, do pluralismo das entidades familiares e da afetividade, emancipando a instituição da família a enxergar em seu seio ideais supremos, que superam o valor do patrimônio, quais sejam, o afeto e a solidariedade nos laços familiares.
Isso porque, o novo olhar sobre o direito das famílias é baseado nos princípios constitucionais carregados de valores morais, os quais acabam por aperfeiçoar a maneira de se interpretar as “frias” normas positivas que até então traduziam o direito das famílias, uma vez que, “o neoconstitucionalismo alenta um ideário humanista, que aposta na possibilidade de emancipação humana pela via jurídica, através de um uso engajado da moderna dogmática constitucional” (SARMENTO, 2009, p. 5).
Desta feita, o neoconstitucionalismo integrou ao direito das famílias os direitos fundamentais trazidos pela Constituição Federal, de forma que “a partir do neoconstitucionalismo, passa-se, neste momento, à análise do direito fundamental ao afeto”, o qual é “corolário do valor supremo que fornece sentido e razão ao Estado Democrático de Direito” (HOGEMANN e SOUZA, 2013, p. 74).
Desta feita, o neoconstitucionalismo trouxe o “reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito”, bem como ensejou a “constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento” (SARMENTO, 2009, p. 1).
Essa nova forma de se interpretar o ordenamento jurídico fez com que houvesse uma valorização do afeto nos laços familiares ao se atribuir aos princípios constitucionais que regem as famílias uma superioridade em detrimento da norma legal positiva. Para Sarmento (2009, p. 17) “a constitucionalização louvada e defendida pelo neoconstitucionalismo é aquela que parte de uma interpretação extensiva e irradiante dos direitos fundamentais e dos princípios mais importantes da ordem constitucional.”
Segundo Carbonell (2009, p. 197), o neoconstitucionalismo ensejou práticas judiciais que “passaram a recorrer a princípios constitucionais, à ponderação e a métodos mais flexíveis de interpretação, sobretudo na área de direitos fundamentais”.
Dessa maneira, verifica-se que o novo olhar sobre as famílias valorizou os laços familiares, fundamentando-os no afeto. Nesse contexto, o neoconstitucionalismo instaurou uma nova ordem jurídica à família, conferindo valor jurídico ao afeto, de modo que se torna possível afirmar que o princípio vértice orientador sobre o qual todas os laços familiares devem ser enxergados, seja o princípio constitucional da afetividade.
1.1. A força normativa da Constituição Federal: “Filtragem Constitucional”.
O questionamento sobre porquê foi abandonado seguramente atormenta a todos os filhos que não foram reconhecidos ou embalados pelos genitores. No entanto, nunca se preocupou a seara jurídica em oferecer uma resposta a esses filhos rejeitados afetivamente pelo genitor, o que se afigura como sendo o problema, ou melhor, o desafio, que impulsiona o presente estudo.
A lei e o Poder Judiciário se mantiveram omissos, “com uma venda nos olhos” diante de tal situação. “Basta lembrar que a lei impedia o reconhecimento do filho ilegítimo, o que não penalizava o pai, mas o próprio filho, como se fosse dele a culpa por ter sido gerado fora do casamento”, conforme muito bem lembra Maria Berenice Dias (2012, p. 01).
Por outro lado, ainda segundo a aludida autora, “a crença e o costume de que o filho era responsabilidade da mãe, afinal, havia saído de seu ventre, consolidavam a irresponsabilidade paterna”.
Assim, até então, a única obrigação do genitor em relação à prole consistia em pagar alimentos, restando desonerado de todo e qualquer dever outro para com o filho.
Contudo, reconhecer, como historicamente sempre aconteceu, que a obrigação do pai somente seria a de pagar alimentos, seria o mesmo que comparar os filhos a objetos, ou melhor, em um estorvo do qual seria possível se livrar mediante o simples pagamento de alimentos, sem nenhuma preocupação a mais com a personalidade, os sentimentos e o desenvolvimento desse filho (DIAS, 2012, p. 02).
No ano de 2005, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou o dever do pai de indenizar o filho por abandono afetivo no julgamento de um caso concreto submetido à sua apreciação, em que o genitor, após contrair novas núpcias, teria abandonado sentimentalmente o filho que era fruto de seu relacionamento anterior.
No entanto, de maneira inédita, em meados de 2012, passados 7 (sete) anos, a Terceira Turma do STJ, à luz da nova perspectiva do novo “direito das famílias”, consagrou o valor jurídico da indiferença afetiva ao apreciar caso semelhante, reconhecendo que a dor do abandono merece, sim, ser indenizada, uma vez que “a responsabilidade pelo filho não se pauta somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano aos filhos, com base no princípio da dignidade da pessoa humana”.
Mesmo que o juiz não possa obrigar o pai a sentir amor pelo filho, o ordenamento jurídico se enlaça na contínua missão de tornar as relações familiares permeadas por laços de afeto e cuidados, à luz do princípio constitucional da afetividade e do princípio da solidariedade familiar.
Inclusive, nos termos do que ressalvou a ministra Nancy Andrighi na ementa do novel julgado do STJ, “Amar é faculdade, cuidar é dever”, e continua, “Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”, de modo que o amor estaria alheio ao campo legal, situando-se no metajurídico, filosófico, psicológico ou religioso.
No entanto, o instituto do dano afetivo ainda se apresenta muito recente no ordenamento jurídico e evidente que, como tal, ele ainda não é amplamente aceito pelos tribunais brasileiros, de modo que está apenas “engatinhando” em prol de seu reconhecimento como legitimador da existência de afeto nos vínculos familiares.
Assim, o problema da histórica omissão do Poder Judiciário em relação a tal instituto e de sua, ainda, resistência em aplicá-lo a casos concretos, revela-nos que o dano afetivo ainda possui eficácia tímida e, exatamente por isso, precisa de se debruce sobre suas potencialidades, examinando suas notáveis contribuições à valorização do afeto familiar, considerando que a família constitui um cenário de busca à felicidade e de realização pessoal, pois “A família precisa da felicidade como premissa de base maior para a sua subsistência permanente, independente dos influxos que a modernidade possa sugerir em suas ambiguidades ou contradições. A família não é somente um retrato na parede” (ALVES, 2013, p. 02).
Nesse sentido, o neoconstitucionalismo trouxe um novo olhar sobre o direito das famílias, erigindo os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da afetividade como fontes inspiradores para a interpretação das normas positivas que regulam os laços familiares.
Isso porque, através da chamada “filtragem constitucional do Direito”, os princípios insculpidos na Constituição Federal passaram a ser lentes sobre as quais todo o ordenamento jurídico pátrio deve ser enxergado e,
Além disso, a Constituição de 88 regulou uma grande quantidade de assuntos – muitos deles de duvidosa dignidade constitucional – subtraindo um vasto número de questões do alcance do legislador. Ademais, ela hospedou em seu texto inúmeros princípios vagos, mas dotados de forte carga axiológica e poder de irradiação. Estas características favoreceram o processo de constitucionalização do Direito, que envolve não só a inclusão no texto constitucional de temas outrora ignorados, ou regulados em sede ordinária, como também a releitura de toda a ordem jurídica a partir de uma ótica pautada pelos valores constitucionais – a chamada filtragem constitucional do Direito (SARMENTO, 2009, p. 7).
Dessa forma, através de uma interpretação a partir da “filtragem constitucional do Direito”, “a análise dos princípios fundamentais de cada constituição revela seu núcleo, donde se extrai toda a sua força normativa e, por isso, necessariamente, molda o cenário jurídico regulamentado por ela” (HOGEMANN e SOUZA, 2013, p.68)
Foi a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que nasceu uma nova concepção sobre a tutela dos direitos fundamentais, muito mais centrada na proteção da dignidade da pessoa humana, a qual, por sua vez, elegeu o afeto como verdadeiro valor jurídico, erigindo-o como direito fundamental a ser garantido pelo Estado Democrático de Direito (HOGEMANN e SOUZA, 2013, p.69).
Para Barroso (2007, p. 8), o neoconstitucionalismo e a consequente nova forma de se interpretar o direito de família enseja a valorização dos princípios em detrimento ao positivismo exacerbado, de forma que os princípios constitucionais adquirem normatividade, passando os direitos fundamentais a serem a lente sobre a qual deve-se orientar o intérprete, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.
Desse modo, a “filtragem constitucional do Direito” propõe a constitucionalização do direito de família de maneira que todas as relações familiares devem ser apreciadas sob a ótica introduzida pela Constituição Federal de 1988, a qual, farta de princípios, inova o ordenamento jurídico pátrio com um novo olhar sobre as famílias sustentado no afeto e na dignidade humana como fundamentos para a busca da felicidade no seio familiar. Isso porque, o novo direito das famílias, na expressão de Michel Perrot, é menos sujeito à regra e mais compromissado com o desejo (DIAS, 2013, p. 74), desejo este de emancipação de seus membros e de uma vida digna e feliz, voltada à valorização da pessoa humana que compõe a família.
1.2. A eficácia do novo Código Civil brasileiro após a Constituição de 1988
O Estado, através da Constituição Federal, impõe a si um rol imenso de obrigações com relação aos seus cidadãos, como direitos individuais e sociais, tendo por finalidade garantir a dignidade de todos, sendo que, essa postura de oferecer cuidados nada mais é do que o compromisso de assegurar afeto. Desse modo, o Estado seria o primeiro a assegurar afeto por seus cidadãos (DIAS, 2013, p. 72).
Contudo, ainda que a palavra afeto não apareça no texto constitucional, a Carta Magna enlaçou o afeto e o princípio da afetividade em diversos momentos, como quando reconhece como entidades familiares merecedoras da tutela jurídica as uniões estáveis, tornando luzente que a afetividade que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e valor no sistema jurídico brasileiro. Ou seja, houve a constitucionalização de um modelo de família que conferiu maior espaço para o afeto e para a realização individual.
Do mesmo modo, o princípio constitucional da afetividade fez despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos, e o respeito a seus direitos fundamentais, de maneira que o sentimento de solidariedade recíproca não pode ser perturbado pela preponderância de interesses patrimoniais. Reconhecer o afeto como valor jurídico representa um salto à frente da pessoa humana nas relações familiares.
Assim, a Constituição faz enxergar que os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue, sendo a própria posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o luzente escopo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado.
A chave da normatização e da efetivação do direito à felicidade, enquanto Direito Social, parece uma boa alternativa. No âmbito da família isso é ainda mais importante, pois somente diálogo, amparo, tolerância, compreensão, cuidado, proteção, mediação de conflitos, assistência social, solidariedade, respeito, podem tornar possível as formas de realização deste tecido de valores que permitam um ambiente familiar capaz de resistir às ondas de transformação do mundo moderno (BITTAR, apud ALVES, 2013, p.02).
Nesse sentido, para Lôbo (2009, p. 327),
O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os destaca, a saber: o princípio da convivência familiar, o princípio da afetividade, o princípio do melhor interesse da criança.
Para Maria Berenice Dias, “A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família”, e continua, “A família e o casamento adquiriram novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existências de seus integrantes”, “menos sujeitas à regra e mais ao desejo, na expressão de Michel Perrot” (DIAS, 2013, p. 73).
A consagrada autora nos elucida que a comunhão de afeto se torna incompatível com um modelo único de família, razão pela qual a afetividade passou a fazer parte das cogitações dos juristas, com a finalidade de justificar as relações familiares contemporâneas.
Além disso, “o novo olhar sobre a sexualidade acabou por valorizar os vínculos conjugais, sustentando-se no amor e no afeto” (DIAS, 2013, p. 74). Assim, diante dessa nova perspectiva, o “direito das famílias” passou a atribuir valor jurídico ao afeto, tanto que a própria Lei Maria da Penha define família como uma relação íntima de afeto.
Assim, a nova roupagem trazida pelo “direito das famílias” torna os laços familiares como cenário para a busca da felicidade e para a realização pessoal, ninho de afeto e solidariedade recíproca, contexto no qual não se afigura mais possível afirmar que a única obrigação paterna seja a de pagar alimentos a seus filhos, vez que a maior doação que um pai pode oferecer a seus filhos é afeto.
Nesse sentido, após a introdução ao ordenamento jurídico pátrio dos princípios constitucionais nos laços familiares, o Código Civil deve ser interpretado sob um novo olhar, através da denominada “filtragem constitucional do Direito” trazida pelo neoconstitucionalismo. Pois, “a fonte primária para a solução dos conflitos nas relações privadas que, antes da CF/88, era o Código Civil, passou a ser a Carta Constitucional” (SILVA, 2013, p. 205).
A Constituição se tornou, então, o fundamento para interpretação de todo o Direito. Isso porque, “O direito de família recebeu uma nova roupagem oriunda da Constituição Federal de 1988. Seguindo as tendências constitucionais, o Código Civil tratou rapidamente de acompanhar o ritmo da Carta Magna” (SOUZA, 2013, p. 13).
Isso porque, no início do século passado, na vigência do antigo Código Civil de 1916, a família era concebida tão somente pelo matrimônio (em prol da patrimonialização das relações familiares), havendo uma discriminatória visão da família.
Ainda, o Código Civil de 1916 impedia a dissolução do casamento, “fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações” (Dias, 2010, p. 30). Dessa maneira, sob a égide do antigo Código, “As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação do casamento”, ou seja, a felicidade e a dignidade dos membros da família eram sacrificadas em prol da manutenção do casamento. A esse respeito, Mariano (2009, p. 3) elucida que,
A família matrimonializada do início do século passado era tutelada pelo Código Civil de 1916. Este código tinha uma visão extremamente discriminatória com relação à família. A dissolução do casamento era vetada, havia distinção entre seus membros, a discriminação, às pessoas unidas sem os laços matrimoniais e aos filhos nascidos destas uniões, era positivada.
No mesmo sentido, assevera Boeira (1999, p. 20),
A noção codificada de família, quando da elaboração, no Brasil, do Código Civil de 1916, em face de uma sociedade basicamente rural, revelava uma família que funcionava como uma unidade de produção, importando para tanto ser numerosa, uma vez que em número expressivo de membros representava uma maior força de trabalho e maiores condições de sobrevivência de todo o grupo. Esse modelo de família era chefiado por um homem, que além de exercer o papel de pai e marido, detinha toda a autoridade e poder sustentados numa estrutura patrimonial. Daí as características patriarcais e hierarquizadas do modelo centrado na chefia do marido, ocupando a mulher e os filhos uma posição de inferioridade no grupo familiar. Todo o sistema originário do Código Civil tem como base a família como grupo social de sangue com origem no casamento.
Por sua vez, Gama (2008, p. 30) acrescenta que,
O Código Civil de 1916 apresentava um Direito de Família aristocrático, ou seja, aquele que tinha por objetivo tutelar a família “legítima”, detentora de patrimônio e da paz doméstica, como valores absolutos, sem qualquer conteúdo ético e humanista nas relações travadas entre os participantes de tal organismo familiar.
No entanto, “a evolução social trouxe também alterações legislativas diretamente voltadas para a família” (MARIANO, 2009, p. 1), pois as mudanças gradativas pelas quais passaram as famílias ao longo do tempo, fizeram com que houvessem necessárias e sucessivas alterações na legislação. Contudo, a maior transformação pela qual passou o direitos das famílias foi certamente o advento da Constituição Federal de 1988, a qual “num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito” (DIAS, 2013, p. 30), uma vez que a Carta Magna,
Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico (DIAS, 2013, p. 30).
Assim, para Fachin (1996, p. 83), com o advento da Carta Magna, o Código Civil perdeu seu papel de protagonista do direito de família, passando a Constituição Federal a ser a principal fonte normativa para regular as relações familiares, sobretudo com a aplicação dos princípios constitucionais da família, de forma que “O moderno enfoque dado à família pelo direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que enlaça seus integrantes (DIAS, 2013, p. 31).
Para Dias (2013, p. 10), é o afeto que identifica uma relação jurídica como pertencente ao direito de família, deslocando-a das relações obrigacionais, senão vejamos.
O afeto foi reconhecido como o ponto de identificação das estruturas de família. É o envolvimento emocional que subtrai um relacionamento do âmbito do direito obrigacional – cujo núcleo é a vontade – e o conduz para o direito das famílias, cujo elemento estruturante é o sentimento de amor, o elo afetivo que funde as almas e confunde os patrimônios, fazendo gerar responsabilidades e comprometimentos mútuos.
Desse modo, é imperioso reconhecer que, “a família retratada no Código Civil de 1916 já não existe”, pois “Aquela família patriarcal, hierarquizada, centrada no matrimônio transforma-se hoje numa comunidade fundada no afeto, cujos membros se unem por um sentimento de solidariedade” (RENON, 2009, p. 81). Assim,
Com o advento da Constituição de 1988 e, posteriormente, o Código Civil de 2002, a família foi alçada sob o enfoque da tutela individualizada dos seus membros, ou seja, a visão constitucional apresenta o homem como centro da tutela estatal, valorizando cada componente do núcleo familiar de forma individual e não apenas a instituição familiar (RENON, 2009, p. 110).
Isso porque, “A família, no século XIX, era marcadamente patriarcal, e estruturava-se em torno do patrimônio familiar, visto que sua finalidade era, principalmente, econômica” (PEREIRA, 2006, p. 179). Desse modo,
O vínculo familiar tinha fundamentos formais. A família era, praticamente, um núcleo econômico e, tinha também grande representatividade religiosa e política. O pater famílias era o grande homem, o grande chefe, que acumulava em suas mãos uma imensa gama de poderes. A mulher, por seu turno, limitava-se à execução das tarefas domésticas e à criação dos filhos, de modo a garantir o normal andamento das diretrizes familiares. Com o passar do tempo, a estrutura familiar foi sofrendo paulatinas modificações. Com o feminismo e a inserção da mulher no mercado de trabalho, esta estrutura hierárquica e tradicional sofreu transformações importantes (PEREIRA, 2006, p. 179).
Nesse sentido, Dias (2013, p. 361) traz à baila que, “A necessidade de preservação do núcleo familiar – leia-se, preservação do patrimônio da família – autorizava que os filhos fossem catalogados de forma absolutamente cruel”, tanto que somente após dissolvido o vínculo matrimonial do genitor é que se tornava possível o registro do filho havido de relação fora do casamento, o que demonstra o quão discriminatória era a legislação da época.
Fazendo uso de terminologia plena de discriminação, os filhos se classificavam em legítimos, ilegítimos e legitimados. Os ilegítimos, por sua vez, em divididos em naturais ou espúrios. Os filhos espúrios se subdividiam em incestuosos e adulterinos. Essa classificação tinha como único critério a circunstância de o filho ter sido gerado dentro ou fora do casamento, isto é, do fato de a prole proceder ou não de genitores casados entre si. Assim, a situação conjugal do pai e da mãe refletia-se na identificação dos filhos: conferia-lhes ou subtraia-lhes não só o direito à identidade, mas também o direito à sobrevivência. Basta lembrar o que estabelecia o Código Civil anterior, em sua redação originária (CC/16 358): os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos. Clóvis Beviláqua já alertava: a falta é cometida pelos pais, a desonra recai sobre os filhos. A indignidade está no fato do incesto e do adultério, mas a lei procede como se estivesse nos frutos infelizes dessas uniões condenadas (Dias, 2013, p. 361). (grifo nosso)
Todavia, a família sofreu expressivas transformações ao longo do tempo, rumo à valorização de seus membros e ao seu reconhecimento como seio de busca da felicidade e como ninho de afeto e de dignidade humana, de modo que houve a vedação constitucional ao tratamento discriminatório com relação aos filhos havidos na constância ou não do matrimônio em seu art. 227, §6o, “o que levou à revogação do dispositivo do Código Civil que vedava o reconhecimento dos filhos espúrios” (DIAS, 2013, p. 362). Além disso, outras mudanças significativas merecem destaque, senão vejamos.
A família deixou de ter muitos membros para ser nuclear. A mulher rompeu as barreiras do lar e assumiu uma carreira profissional. Sua contribuição financeira tornou-se essencial para a subsistência familiar. Diante de sua saída dos limites domésticos, fez-se necessária a efetivação da presença masculina, compartilhando as tarefas familiares, o que provocou, por conseguinte, um repensar do exercício da paternidade.
Assim, a família aos poucos passou a ser vista como laços de afetividade, abandonando seu caráter econômico e patrimonial. O casamento entre os genitores passou a ser fato irrelevante para o tratamento legal conferido aos filhos, tendo todos os mesmos direitos de reconhecimento, de alimentos e de afeto, pois “negar reconhecimento ao filho é excluir-lhe direitos, é punir quem não tem culpa, é brindar quem infringiu os ditames legais”, pois “O nascimento de filho fora do casamento colocava-o em uma situação marginalizada para garantir a paz social do lar formado pelo casamento do pai. Prevaleciam os interesses da instituição matrimônio” (DIAS, 2013, p. 361) em detrimento da felicidade e da dignidade de cada um dos seus membros.
Desta feita, a família, “agora não mais uma instituição com fim em si mesma, assume um caráter instrumental, passando a meio de promoção da pessoa”. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 6).
Nesse diapasão, os membros de uma família passam a viver em espírito de solidariedade e cooperação, buscando auxílio recíproco, promovendo a realização pessoal daqueles com quem dividem o espaço mais íntimo e privado. Nessa nova ótica de interação, a família estruturada sob a orientação afetiva encontra ambiente favorável ao desenvolvimento de potencialidades, à formação integral da pessoa, uma vez que, construída sobre o cuidado, o respeito, o afeto e o amor – palavras semanticamente próximas – passam a merecer especial conteúdo valorativo na perspectiva da família constitucionalizada deste novo milênio (CABRAL, 2009, p. 02).
A esposa, por sua vez, deixou de ser objeto de propriedade do marido, deixando de estar presa ao casamento por motivos de dependência financeira e por subsistência, de forma que a família passou a ser estruturada sobre o afeto, uma vez que a mulher passou a ter condições de se manter por seu próprio trabalho. Assim,
A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram, ou desempenham papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua (LÔBO, 2004, p. 155).
Assim, “O casamento por amor fez uma grande revolução nas relações de família. A partir daí as famílias deixaram de ser preponderantemente núcleos econômicos e reprodutivos. Surge o divórcio, já que o amor às vezes acaba” (PEREIRA, 2013, p. 01), em uma nova concepção sobre a família, na qual,
O afeto tornou-se um valor jurídico e em consequência surgiram diversas configurações de famílias conjugais e parentais, para além do casamento: uniões estáveis hetero e homoafetivas, multiparentalidade, famílias monoparentais, simultâneas, mosaico etc (PEREIRA, 2013, p. 01).
Desta feita, o novo olhar trazido pela Constituição Federal ao direito das famílias enxerga a família permeada por afeto em seu seio,
Um afeto que enlaça e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espaço, por uma solidariedade íntima e fundamental de suas vidas – de vivência, convivência e sobrevivência – quanto aos fins e meios de existência, subsistência e persistência de cada um e do todo que formam (BARROS, 2002, p. 9).
Sendo assim, “A família contemporânea, com o declínio do patriarcalismo, tornou-se um instituto de natureza afetiva. Nas relações familiares o vínculo sanguíneo não é mais a sua principal característica, hoje, ele é secundário” (HAMADA, 2013, p. 09), pois o principal elemento que fundamenta os laços familiares passou a ser o afeto entre seus membros.
Portanto, o Código Civil de 2002 deve ser interpretado com os olhos da Constituição Federal de 1988, sob a lente dos princípios constitucionais da família, os quais valorizam muito mais os laços afetivos que unem e nutrem o afeto e a solidariedade entre os membros da família do que a mera norma positiva, tornando o direito mais humano e o direito das famílias o mais humano de todos os direitos (BARROS, 2003, p. 143).
1.3. Eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações familiares: o afeto como direito fundamental
O afeto familiar é protegido pela Constituição Federal, sendo um direito fundamental, bem como é protegido pelo Código Civil em diversos de seus institutos. Por ser agasalhado pela Carta Magna, o afeto é considerado como direito constitucional de eficácia horizontal, suscetível de ser invocado ao Estado em face de outrem.
O reconhecimento do valor do afeto no seio da família é fruto de um processo histórico em que as leis aos poucos foram reconhecendo cada vez mais a família como cenário de busca à felicidade e de realização individual, com a solidariedade recíproca cada vez mais presente nos debates relativos à família, culminando com o novo direito das famílias. Nesse sentido, segundo Hogemann (2003, p. 144):
O direito ao afeto, cujo objeto é o sentimento maior que garante o agrupamento humano por um laço mais forte do que uma simples conjunção de interesses e assim dá consistência aos demais direitos humanos da família. Realmente, desde sua origem, a família é recoberta com um manto de ternura e carinho, de dedicação e empenho, mas também de responsabilidade para com quem se cativa. Esse manto protetor é o afeto, ao qual o direito deve dedicar especial atenção, sob pena de pôr em risco a própria garantia jurídica da família. Isso, porque o direito ao afeto é o mais imprescindível à saúde física e psíquica, à estabilidade econômica e social, ao desenvolvimento material e cultural de qualquer entidade familiar
Diante do neoconstitucionalismo e da irradiação de suas normas sobre o direito de família, houve a despatrimonialização da família, ou seja, o rompimento com uma tradição que apenas enxergava a família sob o viés patrimonial, reconhecendo que o afeto e a solidariedade recíproca no seio da família são muito mais valiosos à dignidade do que somente o pagamento de alimentos pelo genitor.
É imprescindível o reconhecimento de que a dor do abandono possui sim valor jurídico, sendo essa uma violação do direito fundamental ao afeto que nasce no seio da família e no texto da Constituição Federal, de modo que a indiferença afetiva gera dano que merece ser reconhecido e mensurado economicamente.
Até pouco tempo atrás, quando ocorria a separação do casal, a única obrigação do genitor era de pagar alimentos, permanecendo desonerado de todo e qualquer dever em relação ao filho.
O primeiro passo a favor da elaboração da responsabilidade civil paterna pelo abandono afetivo aconteceu quando nasceu a possibilidade de se identificar a verdade biológica por meio do exame de DNA, de modo que a perversa alegação de que a
genitora teria uma vida sexual promiscua, deixou de levar à improcedência da ação investigatória de paternidade.
Ainda, o Poder Judiciário despertou-se para critérios psicossociais que trouxeram à prova de que é indispensável a presença de ambos os genitores para o saudável crescimento do filho.
Assim, finalmente, surgiu o conceito de paternidade responsável, o que fez com que a lei passasse a priorizar a guarda compartilhada. Da mesma forma, o reconhecimento dos danos causados pela alienação parental deu ensejo à penalização do genitor que procurar impedir o convívio dos filhos com o outro.
Todas essas transformações conduziram à valorização dos laços afetivos no seio da família, sendo este um direito de índole constitucional, vez que a Carta Magna agasalha que a família possui o dever de assegurar a crianças, adolescentes e jovens, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar.
Da mesma forma, ao garantir a igualdade entre homem e mulher, assegura a Constituição Federal que a ambos são atribuídos os deveres e direitos inerentes à sociedade conjugal, sendo a responsabilidade para com os filhos tanto da mãe quanto do pai.
Portanto, é imprescindível o reconhecimento de que não viver sob o mesmo teto não exime o genitor de obrigações ou encargos em relação à prole, pois a ausência de concepção na constância do matrimonio em nada afeta o vínculo de parentalidade de cada um com os filhos, que perdura para sempre.
É exatamente por esse motivo que o Código Civil atribui a ambos os pais o poder familiar e o dever de convívio e de guarda, independente de eles manterem ou não entre si um relacionamento amoroso, sob pena, inclusive, de serem penalizados por crime de abandono, delito sujeito à pena de 6 (seis) meses à 3 (três) anos de detenção.
Desta feita, de nada adiantaria que, a começar pela Constituição Federal, todo o ordenamento jurídico pátrio consolidasse a importância do afeto nas relações entre genitor e prole se a ausência de afeto não pudesse gerar consequências e a penalização dos genitores que abandonaram ou rejeitaram afetivamente seus filhos.
Assim é que se destaca a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que, pela primeira vez, reconheceu que a ausência de afeto enseja indenização, não de dano moral, mas de dano afetivo que pode ser mensurado economicamente.
Isso porque, o afeto é um direito fundamental, pois “não se pode pensar na vida humana sem pensar na família”, “uma implica a outra, necessariamente, e por isso é que o direito à vida implica o direito à família, fundando-o como o mais fundamental dos direitos familiais” (BARROS, 2003, p. 04). Ainda, complementa o referido autor que,
Outros direitos humanos fundamentais também se ligam à família. A liberdade, a igualdade, a fraternidade, a solidariedade, a segurança, o trabalho, a saúde, a educação e, enfim, a própria felicidade humana e tantos outros valores que são objeto de direitos humanos fundamentais e operacionais, todos eles se ligam ao direito à família e se realizam mais efetivamente no lar. No entanto, o lar sem o afeto desmorona. Por isso, o direito ao afeto constitui o primeiro dos direitos humanos operacionais da família, seguido pelo direito ao lar, cuja essência é o afeto. O lar sem o afeto é uma mentira de lar. Mas, assegurado pelo afeto, o lar é o recinto basilar da família, que a congrega. Para ele a família converge. Nele a família convive. Daí, que nos seus vários aspectos – o físico, o social, o econômico e o psíquico – o direito ao lar se associa aos demais direitos humanos operacionais da família, os quais se escalonam em diversos graus de fundamentalidade. (grifo nosso)
Assim, “os direitos humanos da família são verdadeiros direitos difusos, que não podem ser negados a nenhum sujeito humano. Não comportam, nem suportam nenhuma discriminação”, de forma que “a afetividade é o fundamento e finalidade da família” (BARROS, 2003, p. 04).
Nesse sentido, “o afeto é um elemento essencial de todo e qualquer núcleo familiar, inerente a todo e qualquer relacionamento conjugal ou parental” (PEREIRA, 2006, p. 180).
Imprescindível é notar que o reconhecimento do afeto como valor jurídico é fruto de um processo histórico que foi se desenvolvendo ao longo dos anos com a elaboração de leis cada vez mais protetivas da dignidade da pessoa humana e da solidariedade no seio da família, rompendo com uma tradição que beirava à patrimonialização do direito de família, a qual apenas tutelava a família sob o viés patrimonial.
1.4. O abandono afetivo como violação de direitos fundamentais da pessoa humana
1.4.1. O afeto parental como corolário do princípio constitucional da afetividade e da dignidade da pessoa humana
Todos vieram de um berço, foram recebidos neste mundo por pessoas que os protegeram, os cuidaram, os amamentaram, enfim, os deram o dom da vida. Essas pessoas que cuidam do recém-nascido ensinando-lhe os primeiros passos são os genitores, os quais na velhice também necessitarão desfrutar da mesma dedicação e amparo fornecido com tanto empenho aos filhos. Essa é a solidariedade recíproca fundamentada no princípio da afetividade que permeia o instituto da família em nossa sociedade contemporânea.
Nesse sentido, Roudinesco (2003, p. 10), citando Lévi- Strauss, nos elucida que “a vida familiar apresenta-se em praticamente todas as sociedades humanas, mesmo naquelas cujos hábitos sexuais e educativos são muito distantes dos nossos”, assim, a família “é um fenômeno universal, presente em todos os tipos de sociedades”.
Para o nascimento da família, por sua vez, é necessária a existência prévia de “duas outras famílias, uma pronta a oferecer o homem, a outra uma mulher, que por seu casamento farão nascer uma terceira e assim indefinidamente”, consoante agasalha Roudinesco (2003, p. 10), mencionando Claude Lévi-Strauss.
No entanto, os laços que unem a família se apresentam muito mais fortes do que o sangue, nos termos do que elucida, ainda, Roudinesco (2003, p. 10) prosseguindo com menção à Lévi-Strauss, senão vejamos:
O que diferencia realmente o homem do animal é que, na humanidade, uma família não seria capaz de existir sem sociedade, isto é, sem uma pluralidade de famílias prontas a reconhecer que existem outros laços afora os da consanguinidade. (grifo nosso)
A esse respeito, Roudinesco (2003, p. 12) muito bem enfatiza que o afeto familiar e o pátrio poder sobre o filho são frutos de uma evolução histórica, tendo a família passado por três grandes períodos, e prossegue destacando que,
Numa primeira fase, a família dita “tradicional” serve acima de tudo para assegurar a transmissão de patrimônio. Os casamentos são então arranjados entre os pais sem que a vida sexual e afetiva dos futuros esposos, em geral unidos em idade precoce, seja levada em conta. Nessa ótica, a célula familiar repousa em uma ordem do mundo imutável e inteiramente submetida a uma autoridade patriarcal, verdadeira transposição da monarquia de direito divino. Numa segunda fase, a família dita “moderna” torna-se receptáculo de uma lógica afetiva cujo modelo se impõe entre o final do século XVIII e meados do XX. Fundada no amor romântico, ela sanciona a reciprocidade dos sentimentos e os desejos carnais por intermédio do casamento. Mas valoriza também a divisão do trabalho entre os esposos, fazendo ao mesmo tempo do filho um sujeito cuja educação sua nação é encarregada de assegurar. A atribuição da autoridade torna-se então motivo de uma divisão incessante entre o Estado e os pais, de um lado, e entre os pais e as mães, de outro. Finalmente, a partir dos anos 1960, impõe-se a família dita “contemporânea” – ou “pós-moderna” -, que une, ao longo de uma duração relativa, dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual. A transmissão da autoridade vai se tornando cada vez mais problemática à medida que divórcios, separações e recomposições conjugais aumentam.
A figura paterna autoritária, de herói e guerreiro nos tempos arcaicos, quando representava a encarnação de Deus na família, reinando sobre seus membros e decidindo sobre os castigos infligidos aos filhos, deu espaço ao pai contemporâneo idealizado pela Constituição Federal com maior percepção sentimental, mais solidário e, sobretudo, mais receptível ao afeto do que ao patrimônio.
Conforme Roudinesco (2003, p. 14) menciona, o pai toma posse de seu filho, “primeiro porque seu sêmen marca o corpo deste, depois porque lhe dá seu nome”. De modo que, o genitor “transmite, portanto, ao filho um duplo patrimônio: o do sangue, que imprime uma semelhança, e o do nome – prenome e patronímico, que confere uma identidade”.
No entanto, o fator afeto sempre deve se fazer presente nas relações paternais, por ser o afeto um direito fundamental corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da afetividade. Nesse sentido, vejamos o escólio de HOGEMANN e SOUZA (2013, p. 71),
É sabido que os princípios fundamentais, dispostos nos artigos 1º a 4º da Constituição Federal de 1988, representam o substrato fundamental de todo o sistema jurídico, estando dentre eles o princípio da dignidade da pessoa humana. Sob tal perspectiva, a dignidade pode ser conceituada como a norma maior que orienta o neoconstitucionalismo, dotando-lhe de especial racionalidade, unidade, sentido e valor. (…) De acordo com Sarlet (2012), diante da tentativa de uma racionalização e apreensão de sentido, a dignidade da pessoa humana pode ser definida como: A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
A concepção sobre o caráter normativo dos princípios ficou consolidada em Bobbio, Del Vecchio, Esser e Dworkin. Mas, foi Robert Alexy quem deu passos adiante, ao elaborar uma teoria que fez uma distinção entre princípios e regras e enfrentou a questão da colisão dos princípios.
Alexy consagrou os princípios como normas de um grau de generalidade relativamente alto, e esse reconhecimento de que princípio é considerado norma jurídica que pode ser invocada e de que os valores constitucionais devem permear todo o ordenamento jurídico foram grandes conquistas introduzidas no ordenamento jurídico pelo neoconstitucionalismo, pois conforme traz à baila Sarmento (2009, p. 1), o Direito Constitucional “vem sofrendo mudanças profundas nos últimos tempos, relacionadas à emergência de um novo paradigma tanto na teoria jurídica quanto na prática dos tribunais, que tem sido designado como “neoconstitucionalismo”.
O princípio da afetividade não se encontra expressamente previsto na Constituição Federal, ele decorre da interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, por sua vez “é o princípio maior, fundante do Estado Democrático de direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal” (BARROS, 2007, p. 59). Assim,
O Princípio da Afetividade está diretamente vinculado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tendo em vista que a afetividade não está expressamente assegurada na Constituição Federal de 1988, nem no Código Civil, sendo este decorrente de mera interpretação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que ambos asseguram o digno desenvolvimento do ser humano perante a entidade familiar (REHBEIN e SCHIRMER, 2010, p. 13).
Para Lôbo (2008, p. 08), “o princípio da afetividade está implícito na Constituição”, pois “encontram-se na Constituição fundamentos essenciais do princípio, constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira”.
Nesse sentido, para Dias (2013, p. 73), “A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família”, uma vez que, “A família e o casamento adquiriram novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes”, por isso, “a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas”.
Com um novo olhar sobre o direito das famílias voltado à despatrimonialização do Direito Civil, que erigiu a dignidade da pessoa humana a fundamento da República Federativa do Brasil,
Toda a ordem jurídica focou-se na pessoa, em detrimento do patrimônio, que comandava todas as relações jurídicas interprivadas. Sem dúvida, a família é o lugar privilegiado de realização da pessoa, pois é o locus onde ela inicia seu desenvolvimento pessoal, seu processo de socialização, onde vive as primeiras lições de cidadania e uma experiência pioneira de inclusão no laço familiar, a qual se reportará, mais tarde, para os laços sociais (MANERICK, 2009, 529).
Desta feita, o princípio da dignidade da pessoa humana e sua inclusão no direito das famílias,
Demonstra a mudança de paradigmas sofrida pelas famílias após o advento da Constituição Federal de 1988, sendo a entidade familiar o campo mais propício para que o indivíduo venha a exercer sua dignidade enquanto ser humano (MACHADO, 2012, p. 02).
Assim, embora a estrutura familiar seja composta por vários elementos, a afetividade se afigura como sendo o mais relevante (PEREIRA, 2006, p. 182), uma vez que é “o afeto que conjuga” (BARROS, 2002, p. 9). A família passa então a ser concebida não mais apenas como um núcleo econômico e social, mas como um seio de afetividade, voltada à valorização e a dignidade humana de cada um de seus membros como sujeitos de direitos.
A partir do momento em que a família se desinstitucionaliza para o Direito – ou seja, que ela não mais se faz relevante enquanto instituição -, e que a dignidade humana passa a ser o foco da ordem jurídica, passa-se a valorizar cada membro da família e não a entidade familiar como instituição. Isto porque passou a vigorar a ampla liberdade de constituir ou de desfazer os laços conjugais, não sendo mais necessário viver junto até que “a morte nos separe”. A liberdade de constituição de família tem estreita consonância com o Princípio da Autonomia da Vontade, principalmente nas relações mais íntimas do ser humano, cujo valor supremo é o alcance da felicidade (PEREIRA, 2006, p. 182).
Além disso, “o art. 226, §8o da Constituição Brasileira de 1988 assimila o marco ora tratado da nova família, com contornos diferenciados, pois prioriza a necessidade da realização da personalidade dos seus membros” (PEREIRA, 2006, p. 183), em que se fundamenta a afetividade que configura a base para a mantença dos laços familiares.
Sob esse olhar da família constitucionalizada, “a família só faz sentido para o Direito a partir do momento em que ela é veículo funcionalizador à promoção da dignidade de seus membros” (PEREIRA, 2006, p. 183).
Em face, portanto, da mudança epistemológica ocorrida no bojo da família, a ordem jurídica assimilou tal transformação, passando a considerar o afeto como um valor jurídico de suma relevância para o Direito de Família. Seus reflexos crescentes vêm permeando todo o Direito, como é exemplo a valorização dos laços de afetividade e da convivência familiar oriundas da filiação, em detrimento, por vezes, dos vínculos se consanguinidade. Além disso, todos os filhos receberam o mesmo tratamento constitucional, independente da sua origem e se são biológicos ou não.
O novo olhar sobre as famílias tem por escopo que a família desempenhe a sublime missão de garantir a valorização de cada um de seus membros e a concretização da dignidade humana, sendo ninho de afeto e solidariedade mútua.
A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares (LÔBO apud MACHADO, 2012, p. 09).
Assim, um novo olhar sobre o direito das famílias, sustentado no afeto e na solidariedade mútua, fez que com que o princípio da dignidade da pessoa humana e, mais especialmente, o princípio da afetividade, que é seu corolário, instaurassem uma nova ordem jurídica para a família, conferindo valor jurídico ao afeto nos laços familiares.
1.4.1.1. Afeto assegurado pela Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988 e o advento do neoconstitucionalismo trouxeram expressivas inovações no ordenamento jurídico pátrio, envolvendo vários fenômenos diferentes, mas reciprocamente implicados, que podem ser assim sintetizados (SARMENTO, 2009, p. 1),
(a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação, etc.; (c) constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento (…).
Assim, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da afetividade devem refletir sobre todo o ordenamento jurídico, sobretudo, no direito de família, seara pautada pela existência de laços afetivos no seio familiar.
Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que é uma das finalidades a ser sempre buscada e preservada pelo Estado, imprescindível se faz trazer à baila que seu idealizador, Immanuel Kant (2005, p. 77) agasalhava que “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade”, e continua aduzindo que,
Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.
Nesse sentido, para Kant, o homem é um fim em si mesmo, não possuindo um preço, mas sim um valor supremo, que é a sua dignidade. Nessa mesma linha de raciocínio é que a nova roupagem do direito das famílias busca a despatrimonialização das relações familiares, erigindo o afeto como valor supremo que deve permear os laços familiares, não sendo mais suficiente o mero pagamento pelo pai de alimentos a seu filho, mas sim a afetividade que não possui preço.
Dias (2013, p. 73), citando Lobo, identifica na Constituição quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade, quais sejam: (a) igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF 227, parágrafo 6º); (b) a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF 227, parágrafos 5º e 6º); (c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF 226, parágrafo 4º); e (d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança, do adolescente e do jovem (CF 227).
1.4.1.2. O afeto no Código Civil
O Código Civil utiliza a palavra “afeto” “somente para identificar o genitor a quem deve ser deferida a guarda unilateral” (CC 1.583, paragrafo 2º, I). Além disso, “invoca a relação de afetividade como elemento indicativo para a definição da guarda a favor de terceira pessoa (CC 1.584, parágrafo 5º)” (DIAS, 2013, p. 73).
Nesse sentido, Welter apud Dias (2013, p. 73) aponta também em outras passagens a valoração do afeto no Código Civil, quais sejam,
(a) ao estabelecer a comunhão plena de vida no casamento (CC 1.511); (b) quando admite outra origem à filiação além do parentesco natural e civil (CC 1.593); (c) na consagração da igualdade na filiação (CC 1.596); (d) ao fixar a irrevogabilidade da perfilhação (CC 1.604); e, (e) quando trata do casamento e de sua dissolução, discorrendo primeiro das questões pessoais do que dos seus aspectos patrimoniais.
Ainda que com grande esforço se consiga visualizar na lei a elevação do afeto a valor jurídico, é imprescindível reconhecer que tímido mostrou-se o legislador, sendo esse instituto ainda muito recente em nosso ordenamento jurídico.
Por sua vez, para Vianna (2008, p. 518), “o Código Civil, também não utiliza expressamente a palavra afeto”, contudo,
É possível vislumbrar à existência fundamental deste princípio em vários de seus artigos, como por exemplo o art. 1.584, parágrafo 5º, o qual trata da situação de guarda do(s) filho(s) no caso de separação dos pais.
Sendo assim, pode-se afirmar que ainda que o Código Civil não tenha previsto expressamente a palavra “afeto” ao tratar das relações familiares, o fez de modo implícito, invocando os laços de afeto e de solidariedade na interpretação de seus dispositivos legais, “com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado” (DIAS, 2013, p. 73), sobretudo, no seio familiar, ninho de concretização do direito à felicidade.
1.5. Princípio constitucional da paternidade responsável
A luzente impossibilidade do ser humano de sobreviver sozinho após o nascimento, “eis que necessita de cuidados especiais por longo período”, fez que com surgisse um “elo de dependência a uma estrutura que lhe assegure o crescimento e pleno desenvolvimento. Daí a imprescindibilidade da família, que acaba se tornando seu ponto de identificação social” (DIAS, 2013, p. 362).
O novo olhar sobre a família trazido pela principiologia da Constituição Federal e irradiado ao direito das famílias, fez com que os laços sanguíneos deixassem de ser determinantes para a definição do conceito de paternidade, vez que “a nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral” (DIAS, 2013, p. 363), valorizando a dignidade da pessoa humana no seio familiar.
Essas mudanças produziram reflexos na descrição do conceito de paternidade, uma vez que “a filiação passou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial”, de modo que, “A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente de sua origem, se biológica ou afetiva. A ideia da paternidade está fundada muito mais no amor do que submetida a determinismos biológicos” (DIAS, 2013, p. 363). Isso porque,
A paternidade envolve a função de pai, que vai muito além do dimensionamento do vínculo biológico. O aspecto da paternidade não se limita meramente à concepção; mais importante é o acompanhamento de todo o desenvolvimento após o nascimento, tomando para si a responsabilidade na criação, manutenção e educação do filho (QUEIROZ, 2001, p. 127).
Afinal, as mudanças mais recentes pelas quais passaram a entidade da família, “deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade” (DIAS, 2013, p. 363).
O que é essencial é a consideração de que “a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pais e filhos, avós e neto”, uma vez que, “Os arranjos parentais privilegiam o vínculo da afetividade” (DIAS, 2013, p. 363).
O princípio constitucional da paternidade responsável encontra amparo no art. 226, §7o da Carta Magna, segundo o qual, a família possui como fundamentos a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável. No entanto, a responsabilidade paterna não se restringe a fornecer alimentação, vestuário, saúde, habitação, educação e garantir a subsistência do filho. É cediço que o fornecimento de todos esses recursos mencionados são sim imprescindíveis para alguém viver com dignidade. Mas, o novo olhar constitucional sobre a família não se contenta mais com a prestação paternal de recursos que o dinheiro pode comprar. A nova ordem jurídica impõe uma postura muito mais ativa e presente do pai no cotidiano dos filhos, tanto que a identificação da filiação não é mais buscada exclusivamente no campo genético, estando a filiação muito mais fundada no amor do que à determinação biológica.
Tanto é assim que “a afetividade foi levada à categoria de princípio jurídico” (PEREIRA, 2006, p. 186), o que pode ser demonstrado por julgado do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, o qual fixou a responsabilização civil ao genitor que abandonou afetividade seu filho, e “Embora este filho tenha buscado o pai – tanto na infância, quanto na adolescência e agora, na fase adulta -, este rejeitou-o e não arcou com sua responsabilidade paterna, inerente ao poder familiar” (PEREIRA, 2006, p.187), ferindo a imposição constitucional de criar e educar os filhos, prevista no art. 229. da Constituição Federal.
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana
(TAMG, AC Nº 408550-5, 7a CC, Rel. Unias Silva. J. 1.4.04).
Valioso também foi o voto do referido acórdão, o qual consagra expressamente o afeto como sendo um valor jurídico, senão vejamos.
No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado. Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não somente do sangue. (…) O princípio da afetividade especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional. No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar. No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe ‘com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária’, além de colocá-la ‘à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’. Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família. Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. (…) Assim, ao meu entendimento, encontra-se configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e educação, a fim de que, através da afetividade, formar laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos.
A presença da responsabilidade civil no seio da família quando ocorre o abandono do filho pela ausência do pai, representa uma forma de penalização pela violação de deveres morais imprescindíveis para a formação da personalidade e para assegurar a dignidade do filho rejeitado. Nesse sentido, para Pereira (2006, p. 188),
Em função da expressa negativa deste pai de proporcionar ao filho a possibilidade da construção mútua da afetividade, violando por esta razão, seus direitos de personalidade é que foi imputado ao pai o pagamento da indenização por dano moral. Restou provado, no caso, a flagrante ofensa aos direitos da personalidade do filho, principalmente a tutela da integridade psicofísica, que faz parte do conteúdo da sua dignidade. Por isso, além da decisão ter sido paradigmática, fulcra seu mérito no embasamento principiológico constante de sua fundamentação, que reconhece a afetividade como um relevante princípio do atual ordenamento.
Assim, o valor jurídico conferido ao afeto pela Constituição Federal, torna luzente que todos têm direito de nascer em berço repleto de laços de afeto, solidariedade e cuidados, mas, no entanto, muitos genitores abandonam seus filhos tão logo saibam da gravidez ou depois de uma separação.
O afeto possui tamanha relevância nos laços familiares que, nas palavras de Pereira (2003, p. 121), o que importa é saber quem funcionou para aquele sujeito como sendo seu pai, qual é a referência que ele tem como figura paterna, senão vejamos:
O genitor, o marido da mãe, o amante oficial, o companheiro da mãe, o protetor da mulher durante a gravidez, o tio, o avô, aquele que cria a criança, aquele que dá o seu sobrenome, aquele que reconhece a criança legal ou ritual, aquele que fez a adoção.
Desta feita, assim como o abandono material, o abandono afetivo constitui tema de luzente relevância, sendo, no entanto, um tema ao qual ainda não se confiou a devida atenção, pois não basta alimentar, sendo, sobretudo, imprescindível cuidar e amparar, em consonância com o que agasalha o princípio da afetividade, decorrente da previsão constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, “o mau exercício do poder familiar é um dano ao direito da personalidade do filho (PEREIRA, 2012).
Sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo, Dias (2012, p. 02) explica que,
Claro que o valor fixado não compensa a dor da ausência, a falta de um afago, de uma palavra de carinho. Também não dá destino ao presente feito para ser entregue na festa da escola comemorativa ao Dia dos Pais. Nada disso tem preço. O dinheiro não paga, não apaga.
No mesmo sentido, Madaleno (2012, p. 03) elucida que,
Decisões judiciais buscando reparar com indenizações pecuniárias a dilaceração da alma de um filho em fase de formação de sua personalidade, cujos pais se abstêm de todo e qualquer contato e deixam seus filhos em total abandono emocional, não condenam a reparar a falta de amor, ou o desamor, nem tampouco a preferência de um pai sobre um filho e seu descaso sobre o outro, mas penalizam a violação dos deveres morais contidos nos direitos fundamentais da personalidade do filho rejeitado. Penalizam o dano à dignidade do filho em estágio de formação, mas não com a intenção de recuperar o afeto não desejado pelo ascendente, mas, principalmente, por seu poder dissuasório a demonstrar que, doravante, este velho sentimento de impunidade tem seus dias contados e que possa no futuro desestabilizar quaisquer outras inclinações de irresponsável abandono, se dando conta pelos exemplos jurisprudenciais, que o afeto tem um preço muito caro na configuração familiar.
Por sua vez, a ministra Nancy Andrighi, em recente julgado do STJ, pondera que, “todo esse contexto resume-se apenas em uma palavra: a humanização da Justiça” (STJ, Resp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 24.04.2012, Dje 10.05.2012). E, Dias arremata que, “É a consagração do reconhecimento do compromisso ético que deve permear as relações familiares”. A esse respeito, acrescenta Pereira (2006, p. 188) que,
Não se trata, aqui, de uma imposição jurídica de amar, mas de um imperativo judicial de criação da possibilidade da construção do afeto, em um relacionamento em que o amor, a afetividade lhe seriam inerentes. Essa edificação torna-se apenas possível na convivência, na proximidade, no ato de educar, no qual são estruturados e instalados a referência paterna.
Por ser ainda recente no ordenamento jurídico, a doutrina diverge a respeito da aplicabilidade ou não da responsabilidade civil por dano afetivo nas relações familiares. A favor da impossibilidade de se aplicar tal instituto, temos a doutrina representada por Lopes (2006, p. 54), vejamos:
Filio-me ao entendimento que a violação aos deveres familiares gera apenas as sanções no âmbito do direito de família, refletindo, evidentemente, no íntimo afetivo e psicológico da relação […].
No entanto, em sentido contrário, e esposando o mesmo entendimento do STJ, apresenta-se a doutrina representada por Rolf Madaleno (2006, p. 159), segundo o qual, “o direito de dano é aplicável sim ao direito de família, tendo por fundamento o abuso de direito que prevê o artigo 187 do Código Civil e não o ato ilícito”.
Por vezes, o abandono afetivo paternal e a paternidade irresponsável decorrem do rompimento de laços afetivos entre os genitores da prole que culminam com a contração de um novo matrimônio pelo genitor e o abandono sentimental dos filhos havidos do relacionamento anterior. No entanto, diante do novo olhar sobre as famílias trazido pela Constituição Federal de 1988, a irresponsabilidade paterna não pode mais ser presenteada pela ausência de reconhecimento jurídico da valorização do afeto como direito fundamental imprescindível à dignidade da pessoa humana.
Justamente por conta das separações e dos ressentimentos que remanescem na ruptura da sociedade conjugal, não é nada incomum deparar com casais apartados, usando os filhos como moeda de troca, agindo na contramão de sua função parental e pouco se importando com os nefastos efeitos de suas ausências, suas omissões e propositadas inadimplências dos seus deveres. Terminam os filhos, experimentando vivências de abandono, mutilações psíquicas e emocionais, causadas pela rejeição de um dos pais e que só servem para magoar o genitor guardião. Como bombástico e suplementar efeito, baixa a níveis irrecuperáveis a auto-estima e o amor próprio do filho enjeitado pela incompreensão dos pais. (MADALENO, apud PEREIRA, 2004, p. 03).
Uma das mais expressivas consequências do princípio da afetividade “encontra-se na jurisdicização da paternidade socioafetiva, que abrange os filhos de criação”, pois “o que garante o cumprimento das funções parentais não é a similitude genética ou a derivação sanguínea, mas sim, o cuidado e o desvelo dedicados aos filhos”, (PEREIRA, 2006, p. 184), uma vez que, “a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação” (VILLELA, 1980, p. 45). É inequívoco, portanto, que o afeto paternal afigura-se muito mais relevante que os laços sanguíneos, vez que “é capaz de contribuir de forma efetiva para a estruturação do sujeito” (PEREIRA, 2006, p. 184).
Os filhos são realmente conquistados pelo coração, obra de uma relação de afeto construída a cada dia, em ambiente de sólida e transparente demonstração de amor a pessoa gerada por indiferente origem genética, pois importa ter vindo ao mundo para ser acolhida como filho de adoção por afeição. Afeto para conferir tráfego de duas vias a realização e a felicidade da pessoa. Representa dividir conversas, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações; mostrar caminhos, aprender, receber e fornecer informação. Significa iluminar com a chama do afeto que sempre aqueceu o coração de pais e filhos sócioafetivos, o espaço reservado por Deus na alma e nos desígnios de cada mortal, de acolher como filho aquele que foi gerado dentro do seu coração (MADALENO, 2004, p. 08).
O princípio da paternidade responsável propõe que para que um filho de fato se torne filho, não bastam apenas vínculos biológicos, de forma que o elemento realmente imprescindível à paternidade é a presença de cuidados e afeto ao filho, não sendo suficiente a mera prestação de alimentos à prole. Assim,
A filiação biológica não é nenhuma garantia da experiencia da paternidade, da maternidade ou da verdadeira filiação. Portanto, é insuficiente a verdade biológica, pois a filiação é uma construção que abrange muito mais do que uma semelhança entre os DNA. Afinal, o que é essencial para a formação de alguém, para que possa tornar-se sujeito e capaz de estabelecer laço social, é que uma pessoa tenha, em seu imaginário, o lugar simbólico de pai e de mãe. A presença do pai ou da mãe biológicos não é nenhuma garantia de que a pessoa se estruturará como sujeito. O cumprimento de funções paternas e maternas, por outro lado, é o que pode garantir uma estruturação biopsíquica saudável a alguém. Por isso, a família não é apenas um dado natural, genético ou biológico, mas cultural, insista-se (PEREIRA, 2006, p. 185).
A imprescindível responsabilidade paterna na criação e amparo dos filhos traz como fundamento a afetividade, pois “a família atual só faz sentido se for alicerçada no afeto”, como bem elucida Hironaka (1999, p. 17):
Vale dizer, a verdade jurídica cedeu vez à imperiosa passagem e instalação da verdade da vida. E a verdade da vida está a desnudar aos olhos de todos, homens ou mulheres, jovens ou velhos, conservadores ou arrojados, a mais esplêndida de todas as verdades: neste tempo em que até o milênio muda, muda a família, muda o seu cerne fundamental muda a razão de sua constituição, existência e sobrevida, mudam as pessoas que a compõem, pessoas estas que passam a ter coragem de admitir que se casam principalmente por amor, pelo amor e enquanto houver amor. Porque só a família assim constituída – independente da diversidade de sua gênese – pode ser mesmo aquele remanso de paz, ternura e respeito, lugar em que haverá, mais que em qualquer outro, para todos e para cada um de seus componentes, a enorme chance da realização de seus projetos de felicidade.
Sendo assim, a Constituição Federal, ao enumerar o princípio da paternidade responsável como fundamento para a família, almejou conferir a todos o direito de ter um pai presente e comprometido com o desenvolvimento da integridade física e moral da prole, não sendo suficiente o mero pagamento de alimentos. A intenção do legislador foi muito além, foi muito mais nobre. Quis o constituinte que todos tivessem um berço de afeto, coberto por laços de solidariedade mútua, elementos imprescindíveis à dignidade da pessoa humana.
O dever dos pais não se restringe à natureza alimentar, ele abrange o direito de convivência familiar, o direito à educação e o provimento de subsistência dos filhos. No entanto, o abandono afetivo, grave descumprimento dos deveres dos pais, priva a criança e o adolescente do direito constitucional de convivência familiar e de cuidados fundamentais, de amparo afetivo, psicológico e, principalmente, afetivo, causando-lhe sérios danos (HAMADA, 2013, p. 12).
A nova ordem jurídica imposta pela Constituição Federal, vértice orientador de todo o ordenamento jurídico pátrio, não mais concebe um pai ausente que compensa com valores monetários e presentes materiais a ausência na vida do filho. Afinal, “se uma criança veio ao mundo – desejada ou não, planejada ou não – os pais devem arcar com a responsabilidade que esta escolha (consciente ou não) lhes demanda.” (TEIXEIRA, 2005, p. 156). Assim, é cediço que,
O conviver que é basicamente afetivo, enriquecido com uma convivência mútua, alimenta o corpo, mas também cuida da alma, da moral, do psíquico. Estas são as prerrogativas do poder familiar e principalmente da delegação divina do amparo aos filhos (SILVA, 2000, p. 123).
Além disso, conforme assinala Rodrigues (2004, p. 368),
Dentro da vida familiar o cuidado com a criação e educação da prole se apresenta como a questão mais relevante, porque as crianças de hoje serão os homens de amanhã, e nas gerações futuras é que se assenta a esperança do porvir.
A ausência de afeto aos filhos no seio familiar pode comprometer o seu desenvolvimento psíquico e moral, o que acaba por refletir em seu futuro e provocar diversos reflexos na sociedade, senão vejamos.
O afeto deve ser entendido um bem jurídico, que é dever dos pais, uma vez que, incumbe a eles a formação do caráter e da personalidade dos filhos para que estes possam conviver harmoniosamente com os demais grupos sociais de modo a contribuir e acrescentar na evolução da sociedade. Trata-se de uma relação de via dupla, onde, também, é de interesse da sociedade o efetivo oferecimento do afeto, pois resta comprovado estatisticamente que a falta de amor no seio familiar proporciona e desencadeia uma série de riscos sociais, oriundos de famílias desestruturadas, sejam eles: criminalidade, ilegalidade, vícios, dentre outros que envergonham a entidade familiar e desrespeitam a sociedade como um todo (SOUSA, 2012, p. 07).
A nova família exige a valorização e o fortalecimento do afeto e da solidariedade como requisitos indispensáveis à sua estruturação, uma vez que, os laços de afetividade “possibilitam que as pessoas se amem, se respeitem e desejem a felicidade reciprocamente”, pois “o afeto é o propulsor do desenvolvimento do senso de respeito e de cuidado nas relações familiares” (CABRAL, 2009, p. 14).
2. LAÇOS FAMILIARES À LUZ DO NOVO DIREITO DAS FAMÍLIAS
O ordenamento jurídico pátrio se enlaça na contínua missão de consagrar os direitos humanos no seio da família, mas, nem sempre foi assim, pois o direito de família, durante séculos, serviu como instrumento de discriminação e sofrimento, privilegiando a manutenção do casamento em detrimento do sentimento e da felicidade de seus componentes, bem como instaurando a desigualdade entre marido e mulher, em notória discriminação em relação à mulher e, ainda, penalizando os filhos não havidos na constância do matrimônio ao considerá-los como filhos ilegítimos.
No entanto, a transformação sofrida pelo indivíduo, desde o século XVIII, produziu modificações no pensamento e na postura social, com a mudança interior do ser humano, conforme demonstrado na obra “A invenção dos direitos humanos: uma história”, de Lynn Hunt, culminando com a gradativa aceitação e elaboração dos direitos humanos que, na contemporaneidade, bate às portas do direito de família, uma vez que não se pode mais negar a luzente existência dos direitos humanos no seio das famílias.
Prova disso é que não se enxerga em nenhuma outra seara do ordenamento jurídico pátrio um direito que seja mais humano que o direito de família. O fato é que a concepção de família evoluiu junto com a transformação social promovida pelo indivíduo, em prol da proclamação dos direitos humanos no bojo da família, o que pôde propiciar o nascimento de novos fundamentos no direito das famílias, hoje menos sujeito à regra e mais fiel ao compromisso de felicidade e de dignidade humana de seus componentes.
2.1. O conceito moderno de família
O elemento estruturante dos laços familiares é o elo afetivo que une as almas e confunde os patrimônios (DIAS, 2013, p. 10), produzindo deveres e obrigações recíprocos na sublime missão de assegurar o direito de todos à felicidade.
Sendo o ramo do direito que condiz com a vida das pessoas, seus sentimentos, enfim, com a alma do ser humano, há quem diga que o direito das famílias seja o mais humano de todos os direitos (GONÇALVES, 2012, p. 22).
O conceito de família sofreu múltiplas modificações ao longo dos últimos séculos. A família contemporânea é fruto de um processo histórico que, lentamente, se desenvolveu em prol de assegurar direitos humanos no seio das relações familiares.
Para Mariano (2009, p. 01), a evolução social trouxe alterações legislativas diretamente voltadas para a família, “Estas mudanças trouxeram à tona um novo conceito de família, denominado eudemonista, que prima pelo afeto entre os integrantes da família”.
Afinal, a família, no século XIX, era marcadamente patriarcal, privilegiando o patrimônio em detrimento do afeto, possuindo como escopo a finalidade econômica. A mulher se limitava à execução de tarefas domésticas e criação dos filhos.
A família matrimonializada do início do século passado era tutelada pelo Código Civil de 1916. Este código tinha uma visão extremamente discriminatória com relação à família. A dissolução do casamento era vetada, havia distinção entre seus membros, a discriminação, às pessoas unidas sem os laços matrimoniais e aos filhos nascidos destas uniões, era positivada. A chefia destas famílias era do marido e a esposa e os filhos possuíam posição inferior a dele. Desta forma a vontade da família se traduzia na vontade do homem que se transformava na vontade da entidade familiar. Contudo, estes poderes se restringiam à família matrimonializada, os filhos, ditos ilegítimos, não possuíam espaço na original família codificada, somente os legítimos é que faziam parte daquela unidade familiar de produção. Ainda, a indissolubilidade do casamento era regra, e a única maneira de solucionar um matrimônio que não havia dado certo era o desquite, que colocava um fim a comunhão de vida, mas não ao vínculo jurídico. (Mariano, 2009, p. 03)
Assim, com o passar do tempo, a estrutura familiar foi sofrendo gradativas modificações em prol da valorização da dignidade de seus membros e da consagração do valor jurídico do afeto no seio familiar.
Até o antigo Código Civil de 1916, a família era constituída tão somente pelo matrimônio, sendo esta a única família legítima e protegida pelo Código Civil e pelas Constituições brasileiras de 1934 até a de 1967, havendo uma discriminatória visão de qualquer outra forma de se constituir família.
Do mesmo modo, não havia a dissolução do casamento, bem como era luzente as distinções feitas entre os cônjuges, consagrando ao marido maiores direitos do que à mulher, em uma postura notadamente discriminatória.
Essa antiga concepção da família ainda trazia qualificações discriminatórias em relação aos filhos havidos de relacionamentos extramatrimoniais, taxando-os de filhos ilegítimos ou adulterinos, penalizando o próprio filho que de nada tinha culpa, sacrificando seu direito ao afeto e à igualdade com os outros filhos legítimos na vã tentativa de preservar o casamento.
Por sua vez, o advento do Código Civil de 2002, a princípio, não produziu significativas alterações no ordenamento jurídico pátrio no que concerne à humanização do direito das famílias, pois não guardava consonância com os princípios constitucionais trazidos pela Carta Magna de 1988, senão vejamos.
O Novo Código Civil de 2002, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, e que teve seu projeto original traçado de 1969-1975 (antes da lei do divórcio de 1977), como estava em desacerto com a Constituição de 1988 que privilegia a dignidade da pessoa humana, foi submetido a inúmeras mudanças, assim nas palavras de DIAS: “o novo código, embora bem vindo, chegou velho”. (MARIANO, 2009, p. 04)
Sendo assim, as normas de direito das famílias estampadas pelo Código Civil de 2002, desde logo, tiveram que ser interpretadas sob a ótica dos princípios constitucionais, através da chamada “filtragem constitucional”, aplicando-se os princípios constitucionais da família à subsunção das normas de direito civil, fenômeno esse que produziu uma verdadeira “oxigenação” do direito das famílias.
A evolução pela qual passou o homem e, consequentemente, a família, culminou em profundas alterações legislativas e jurisprudenciais. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 acabou com séculos de sofrimento e discriminação ao instaurar a igualdade entre homem e mulher e a igualdade entre os filhos, havidos ou não do casamento, bem como reconhecendo como entidade familiar a união estável entre o homem e à mulher.
A evolução constitucional também alcançou a sociedade e a família. A constitucionalidade conduziu o país do Estado Liberal para o Social e esta realidade surgiu com a Constituição Federal de 1988. O sistema jurídico estabeleceu regramentos segundo a realidade social e esta alcançou diretamente o núcleo familiar, regulamentando a possibilidade de novas concepções de família, instaurando a igualdade entre homem e mulher, ampliando o conceito de família e protegendo todos os seus integrantes (MARIANO, 2009, p.02).
Por sua vez, Lobo (2008, p. 05) acrescenta que,
O consenso, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram são os fundamentos dessa imensa mudança paradigmática que inspiram o marco regulatório estampado nos artigos 226 a 230 da Constituição de 1988.
A respeito do novo olhar trazido pela Constituição à família, nas palavras de Calderón (2013, p. 347), “As alterações são de tal monta que parte considerável da doutrina prefere utilizar o termo famílias no plural, para bem destacar este novo momento. Uma das precursoras dessa opção terminológica é a professora Maria Berenice Dias”.
Com efeito, como bem elucida Dias (2013, p. 64), “O moderno enfoque dado à família pelo direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que enlaça seus integrantes”, rompendo, assim, com uma tradição que privilegiava o núcleo em detrimento da felicidade de seus membros, em que o casamento estava acima dos interesses das pessoas.
Assim, a transformação do indivíduo e a expressiva modificação de sua postura, ocorrida desde o século XVIII, possui papel fundamental na aceitação e na elaboração dos direitos humanos, sobretudo, no seio da família, ante a indivisibilidade dos direitos humanos, concebendo a família sob um novo viés, introduzindo a afetividade ao direito das famílias como princípio fundamental de todo e qualquer lar em decorrência da introdução dos princípios constitucionais no bojo da família.
2.1.1. Uma feição contemporânea do direito das famílias
Manter vínculos afetivos é inerente à condição humana, pois “parece que as pessoas só são felizes quando têm alguém para amar” (DIAS, 2013, p. 27). O fato é que o afeto foi consagrado como requisito imprescindível para a identificação das relações familiares, pois é a presença de elementos afetivos que subtraem um relacionamento do âmbito do direito obrigacional e o conduz para o direito de família.
A família se apresenta como sendo um fenômeno biológico e social de formação espontânea e cuja estruturação ocorre através do direito, tanto que, nas palavras de Farias e Rosenvald (2010, p.2),
É certo que o ser humano nasce inserto no seio familiar – estrutura básica social – de onde se inicia a moldagem das suas potencialidades com o propósito da convivência em sociedade e de busca de sua realização pessoal.
Ainda, Dias (2013, p. 27), citando Hironaka, aduz que,
Não importa a posição que o indivíduo ocupa na família, ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence – o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade.
No mundo contemporâneo, a família deixa de ser tão somente um fato natural, em que os pares se unem por uma química biológica, e assume uma nova feição, mais arraigada em fenômenos culturais.
Para Pereira (1997, p. 35), a família se encontra tão umbilicalmente relacionada ao meio cultural e social que,
Somente após a passagem do homem da natureza para a cultura que se torna possível estruturar a família. Esta, como já se demonstrou, é uma estrutura psíquica e que possibilita ao ser humano estabelecer-se como sujeito e desenvolver relações na polis.
A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar. Mas, “a sociedade contemporânea é marcada por relações complexas, plurais, abertas e globalizadas” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 2), de forma que a realidade se modifica, o que necessariamente acaba por refletir na família.
Para Dias (2013, p. 27), “a lei vem sempre depois do fato e procura congelar a realidade, tem um viés conservador”, mas como a sociedade é dinâmica e rapidamente se transforma, produzindo reflexos na organização da família, “a família juridicamente regulada nunca consegue corresponder à família natural, que preexiste ao Estado e está acima do direito”.
Porém, ainda segundo o escólio da aludida autora, faz-se imprescindível “adequar a justiça à vida e não engessar a vida dentro de normas jurídicas, muitas vezes editadas olhando para o passado na tentativa de reprimir o exercício da liberdade” (DIAS, 2013, p. 11).
No dizer de Pereira (2012, p. 23), “O Direito de Família é um dos ramos do Direito que mais sofreu e vem sofrendo alterações no último século, em todo o mundo ocidental”. Isso, porque, em nossa contemporaneidade o Direito Civil se voltou à valorização da pessoa, abandonando sua finalidade patrimonial, colocando a pessoa e sua felicidade no coração do Direito de Família.
As principais mudanças relacionadas ao direito de família estão associadas ao declínio do patriarcalismo, o qual se originou na Revolução Industrial e na Revolução Francesa, que marcaram o advento da Idade Contemporânea (PEREIRA, 2004, p. 12).
Com a derrocada do patriarcalismo, surge o movimento feminista na década de 60, no século XX, trazendo à mulher a condição de sujeito de direitos, abalando a estrutura e a organização da família (PEREIRA, 2004, p.12). Todas as mudanças na estrutura da organização familiar tiveram no declínio do patriarcalismo um fruto de uma evolução histórica iniciada há muitos séculos. Nesse sentido, Perrot (1993, p. 78) assevera que,
Ele está ligado, em particular, ao desenvolvimento do individualismo moderno no século XIX. Um imenso desejo de felicidade, essa felicidade que o revolucionário Saint-Just considerava uma ideia nova na Europa – ser a gente mesmo, escolher sua atividade, sua profissão, seus amores, sua vida, apoderou-se de cada um. Especialmente das categorias mais dominadas da sociedade – os operários, por exemplo – e da família: os jovens, as mulheres.
E as transformações não pararam por ai, ocorreram concomitantemente às transformações sofridas pelo meio social, o qual produziu reflexos nas relações familiares.
Portanto, a feição da família passou por transformações juntamente com o meio social, não sendo possível fixar um modelo familiar homogêneo ao longo da história, sendo imprescindível compreender a família de acordo com os movimentos que influenciaram as relações sociais ao longo do tempo e, principalmente, os fenômenos que produziram o advento dos direitos humanos, os quais possuem presença fundamental na estrutura familiar, berço de afeto e respeito.
Para Farias e Rosenvald (2010, p.3), mencionando a historiadora francesa Perrot, “a história da família é longa, não linear, feita de rupturas sucessivas”, e partilhando do mesmo entendimento, Bilac (2000, p. 32) reforça que, “a variabilidade histórica da instituição família desafia qualquer conceito geral”.
Entre as inúmeras transformações pela quais passa a contemporaneidade, nenhuma delas se afigura mais significativa, nem sentida de maneira tão intensa, quanto aquelas que se desenvolvem no seio da família, no casamento e na afetividade das pessoas. Nesse sentido Farias (2010, p. 03) destaca que,
A pluralidade, dinâmica e complexidade dos movimentos sociais (multifacetários) contemporâneos trazem consigo, por óbvio, a necessidade de renovação dos modelos familiares até então existentes. Os casamentos, divórcios, recasamentos, adoções, inseminações artificiais, fertilização in vitro, clonagem, etc., impõem especulações sobre o surgimento de novos status familiares, novos papéis, novas relações sociais, jurídicas e afetivas.
O mundo contemporâneo pós moderno se vê diante de descobertas científicas sem precedentes que propiciaram novas maneiras de constituir família. Enfim, o direito de família abre espaço a um novo direito das famílias, não sendo mais esta constituída somente pelo matrimônio, tendo ocorrido um alargamento conceitual levado a efeito pela própria Constituição Federal, que abarcou no conceito de entidade familiar outras formas de convívio entre pessoas.
Como muito bem lembra o jurista Fachin (2003, p. 327):
Os fatos acabam se impondo perante o Direito e a realidade acaba desmentindo esses mesmos códigos, mudanças e circunstâncias mais recentes que têm contribuído para dissolver a ‘névoa da hipocrisia’ que encobre a negação de efeitos jurídicos. Tais transformações decorrem, dentre outras razões, da alteração da razão de ser das relações familiares, que passam agora a dar origem a um berço de afeto, solidariedade e mútua constituição de uma história em comum.
A família, antes enxergada sob o viés do modelo patriarcal, hierarquizado e matrimonializada, admitia o sacrifício da felicidade de seus membros em nome da manutenção dos laços do casamento. Mais ainda, a família possuía como finalidade não a realização do projeto de felicidade de seus membros, mas sim a formação de patrimônio, daí o motivo de que os casamentos eram arranjados e pactuados pelos pais dos nubentes, pouco se importando os laços afetivos.
No entanto, a sociedade avançou, entraram em vigor novos valores, ganhando destaque a proteção da pessoa humana, de forma que “ruiu o império do ter, sobressaindo a tutela do ser” (CHAVES; ROSENVALD, 2010, p. 4).
Desta feita, a sociedade contemporânea, fruto de um processo histórico que caminhou à luz da crescente valorização dos direitos humanos, rompeu com a antiga concepção da família, delineando os anseios de indivíduos que desejavam valorizar sua dignidade e sua felicidade.
Os novos valores que inspiraram o meio social impuseram uma família mais humana, descentralizada, em que os membros passam a ter mais relevância que o núcleo, e em que homem e mulher possuem papéis iguais, não sendo mais protegido apenas o matrimônio, mas também outras entidades também suscetíveis de formar família e, sobretudo, em que o princípio de afetividade é erigido a valor jurídico fundamental. Enfim, a finalidade da família passa ser a concretude da felicidade de seus membros, da afetividade e da solidariedade recíproca entre eles, em prol do progresso humano.
Nesse sentido, Cunha, mencionado por Pereira (2004, p. 13), aduz que a família contemporânea, além de ser plural, se encontra em contínuo desenvolvimento em prol da superação de valores e empecilhos antigos.
Não se pode dizer em que direção, mas certamente na direção contrária de uma história de infelicidades. A economia do desejo pode até ser questionável em sua sede incontornável de prazeres imediatos. Mas talvez seja melhor apostar que homens e mulheres amadurecem na procura, do que aceitar sentimentos fenecidos como destino inevitável.
Com o declínio do patriarcalismo, houve a valorização das mulheres como sendo sujeitos de direitos e de desejos, ruindo a resignação história das mulheres e a tradicional indissolubilidade do casamento, deixando a família de ser essencialmente um núcleo econômico e de reprodução, tendo, finalmente, sido aprovada no Brasil, em 1977, apesar das forças religiosas, a Lei do Divórcio.
Assim, os casais já não precisavam permanecer casados a qualquer preço. Do mesmo modo, compreendeu-se que os filhos de pais separados não devem ser discriminados e nem são infelizes por isso, pois os filhos terão felicidade na medida em que seus pais também forem felizes.
Outrossim, com o advento da Constituição Federal consagrou-se princípios fundamentais para o ordenamento jurídico brasileiro, consolidando toda a evolução do Direito de Família, rompendo definitivamente com as velhas concepções. A esse respeito Dias (2013, p. 70), esclarece que,
Desde a Constituição Federal, as estruturas familiares adquiriram novos contornos. Nas codificações anteriores, somente o casamento merecia reconhecimento e proteção. Os demais vínculos familiares eram condenados à invisibilidade. A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou o espectro da família. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares.
Com efeito, a família apresenta sua evolução associada ao próprio avanço do homem e da sociedade, se modificando de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas, não sendo, portanto, admissível, que esteja submetida a ideias estáticas, presas a valores pertencentes a um passado distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto, vez que se trata de uma realidade viva, adaptada aos valores vigentes (CHAVES; ROSENVALD, 2010, p.4).
Perfilhando do mesmo entendimento, Hironaka (2000, p. 17), assevera que a família é uma entidade “ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos”.
Todas as mudanças sofridas pela família no último milênio abrem espaço para uma família contemporânea, suscetível às influências trazidas pelo meio social, pois para Fachin (1999, p. 11),
É inegável que a família, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução história, desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais.
Impõe-se, portanto, delinear uma nova feição para a família, não apenas compatível com as transformações da pós-modernidade, mas, igualmente, ajustada aos ideais de coerência filosófica da vida humana (FARIAS, 2010, p.4) que busca, primordialmente, a realização das pessoas humanas que compõem um determinado núcleo familiar, o que somente pode ser alcançado com a consideração da presença dos direitos humanos nos laços familiares.
Com efeito, sendo a família composta por seres humanos, logicamente, com a evolução do pensamento e da filosofia empreendida pelo homem, também a organização das entidades familiares serão inexoravelmente abaladas, e a maior contribuição oferecida pela transformação social do indivíduo no último milênio para a família, sem dúvidas, foi a evolução dos direitos humanos no seio da entidade familiar, o que propiciou uma nova roupagem à família, mais fiel ao compromisso de satisfação pessoal de seus membros e busca da felicidade.
2.1.2. Abandono afetivo no direito de família brasileiro: realidade social e reinvenção da família
A apreciação de casos de abandono afetivo paternal no seio da família contemporânea “põe em relevo uma análise sistemática, considerando princípios e regras constitucionais, dispositivos legais dos diversos ramos do direito civil, valores implícitos e outras influentes questões de hermenêutica e sistema jurídico” (CALDERÓN, 2013,p. 333).
Um Poder Judiciário que não estivesse em harmonia com a realidade social da contemporaneidade e com o direito das famílias oxigenado com a irradiação dos princípios constitucionais, não poderia responder a contento o ensejo da sociedade no momento da apreciação do caso concreto de abandono afetivo trazido à baila pelo recente e inovador julgado do Superior Tribunal de Justiça.
Isso porque, o ordenamento jurídico pátrio se encontra mais compromissado com a realização pessoal dos membros da família e com sua dignidade, e “uma leitura estritamente dogmática e legalista das categorias da responsabilidade civil e dos institutos do direito de família, poderia afastar, a priori, a possibilidade de o Poder Judiciário responder à questão de fundo do referido caso.” (CALDERÓN, 2013, p. 334).
Muitos casos precedentes e análogos que foram levados à apreciação do Poder Judiciário “tiveram respostas que esbarravam nas condições da ação ou em outros óbices formais levantados abstratamente” (CALDERÓN, 2013, p. 334), como o julgado do STJ proferido no REsp. 757.411/MG, em que se entendeu que o abandono afetivo parental não merecia reparação pecuniária porque “a indenização moral pressupõe a prática de ato ilícito”, sendo o dano afetivo “incapaz de reparação pecuniária” (STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 29.11.2005, DJ 27.03.2006). Isso porque,
Para compreensão do litígio envolvido no caso ora em análise, há que se reiterar a necessidade de uma interpretação das diversas categorias jurídicas condizentes com o tempo presente, sempre com atenção à realidade que se está a tutelar e, quando necessário, com observância da força construtiva dos fatos sociais, única forma de se enfrentar adequadamente as questões trazidas pelos casos complexos. (CALDERÓN, 2013, p. 334)
Sendo assim, é inegável que as profundas modificações pelas quais passou o direito das famílias nos últimos tempos demonstram uma luzente mutação das estruturas familiares, o que conduziu ao advento da verdadeira família do afeto solidário.
Trata-se da passagem da concepção institucionalista de família, cuja dimensão funcional conduzia à conformação de modelos autoritários e centrados na estabilidade do ente familiar para uma família em que prevalecem as aspirações coexistenciais, tendo como motivo o afeto. (FACHIN in CALDERÓN, 2013, prefácio)
Desta feita, a família passou a ser enxergada na contemporaneidade como ninho de afeto e solidariedade, em que se conjugam as inspirações e conquistas pessoais, buscando a concretização da felicidade de seus membros, rompendo com um passado aprisionado em convenções sociais e a formalidades.
2.1.3. A transformação social produzida pelo indivíduo
Na obra “A invenção dos direitos humanos: uma história”, de Lynn Hunt (2009), resta luzente o potencial de transformação social que o indivíduo é capaz, sendo sobejamente ilustrado como a contribuição do indivíduo foi fundamental para o nascimento e a evolução dos direitos humanos na sociedade contemporânea pós-moderna.
Na obra em apreço, a autora presenteia o leitor com a história da consagração e do reconhecimento dos direitos humanos, elucidando que o nascimento dos direitos humanos deve-se à gradativa transformação interior do indivíduo ao longo da história, o que ensejou a mudança de pensamento, de postura social, da cultura e da política nos diversos momentos experimentados pela evolução social, progresso este que surtiu efeitos na família, consagrando os direitos humanos em seus laços afetivos.
Portanto, de maneira inédita, a autora inova ao demonstrar a participação do indivíduo como verdadeiro protagonista nas transformações sociais experimentadas ao longo dos séculos que influenciaram a mudança de opinião da sociedade e o advento de um novo paradigma que valoriza a pessoa do ser humano como detentor de dignidade e de direitos intrínsecos à pessoa humana, fomentando o nascimento e o fortalecimento dos direitos humanos ao longo da história.
Os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas passaram a pensar nos outros como seus iguais, como seus semelhantes, e aprenderam a fazê-lo experimentando a identificação e a compaixão pelo próximo.
Assim, ao longo do tempo surgiu na sociedade um novo paradigma que intensifica os direitos do indivíduo, como foi a crescente aprovação da possibilidade de divórcio legal, assegurando a liberdade de afeição e a primordial busca pela felicidade.
Assim, entre 1700 e 1857, o divórcio era limitado a homens aristocratas, uma vez que os motivos exigidos tornavam quase impossível a obtenção do divórcio para as mulheres.
Como a própria obra relata, em meados dos anos de 1771 e 1772, ao se manifestar sobre um caso concreto de divórcio, Thomas Jefferson relacionava claramente o divórcio aos direitos naturais, ao dizer que a possibilidade de dissolução do matrimônio pelo divórcio devolveria “às mulheres o seu direito natural de igualdade” (HUNT, 2009, p. 64).
Além disso, já se assegurava que a previsão legal do divórcio protegeria a “liberdade de afeição”, também considerada desde àquele época como sendo um direito natural.
Dessa maneira, a “busca da felicidade” consagrada na Declaração da Independência incluiria o direito ao divórcio, porque “a finalidade do casamento é a reprodução e a felicidade”, o que somente pode ser alcançado com um casamento que seja berço de afeto e de respeito aos direitos da pessoa humana, por isso, aduz a autora que “o direito à busca da felicidade, requeria, portanto, o divórcio” (HUNT, 2009, p. 64).
Assim, pode-se afirmar que com o reconhecimento de que a busca pela felicidade se sobressai ao valor da mantença do casamento a qualquer preço, começou-se a enxergar a família sob a perspectiva de seus membros, como legítimos detentores de direitos e de dignidade, o que culminaria mais tarde com o reconhecimento do afeto como valor jurídico no seio familiar, através da irradiação dos princípios constitucionais sobre o direito das famílias, sobretudo, do princípio da afetividade.
Assim, consagrando a família como elo de afeto e reconhecendo a presença dos direitos humanos em seu seio, Hunt (2009, p. 64) destaca que a Declaração das Nações Unidas já dispunha que, “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
A autora salienta, ainda, a importância do direito natural para o nascimento dos direitos humanos, sobretudo, com a influência de Grotius, Pufendorf, Burlamaqui, Locke e Hobbes, os quais tiveram notável influência em dois momentos imprescindíveis à história dos direitos humanos, quais sejam, a Declaração de Independência dos Estados Unidos (em 1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (em 1789).
Nas mencionadas declarações se afirmavam que os direitos humanos são verdades sagradas e inegáveis, em decorrência dos quais todos os homens são criados iguais e independentes, derivando direitos inalienáveis, dentre os quais se inserem a preservação da vida, a liberdade e a busca da felicidade, bem como eliminando todo o privilégio baseado no nascimento, o que foi fundamento para a atual igualdade entre irmãos consagrada pela Constituição Federal de 1988 que não mais atribui a nomeação de filho ilegítimo ao filho que não é concebido na constância do matrimônio.
Mas o que se deve questionar é que o ordenamento jurídico pátrio não mais aceita e repreende com total veemência qualquer discriminação entre os filhos através de nomenclaturas pejorativas, mas e o que dizer dos filhos que, em que pese não recebam mais a denominação “ilegítimos”, são criados completamente abandonados afetivamente pelo genitor, o qual faz notória distinção afetiva entre os filhos havidos na constância de seu casamento e os filhos havidos de relações extraconjugais?.
O fato é que, sendo os direitos humanos considerados como direitos naturais, são direitos inerentes à condição humana, ou seja, desde que o homem existe, existem também os direitos humanos, já que é impensável que o homem pudesse existir sem direitos humanos.
No entanto, as primeiras declarações que protegiam os direitos humanos não possuíam a qualidade de normas jurídicas, tratando-se apenas de intenções e não passando de meras normas programáticas, não sendo suficientes para transformar a ordem social vigente. Além disso, eram marcadas, ainda, por desigualdades sociais, pois ao mesmo tempo em que consagravam os direitos humanos como sendo universais, excluíam as mulheres. Mas, felizmente, uma evolução social posterior consagrou a igualdade entre homens e mulheres, inclusive nos laços afetivos e familiares, conferindo-lhes os mesmos direitos e deveres no matrimônio, como a educação e cuidados com os filhos.
Ainda, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 introduziu a concepção contemporânea da indivisibilidade dos direitos humanos, de modo que, “entende-se hoje que os chamados direitos humanos de primeira, de segunda ou de terceira gerações são complementares uns aos outros” (PESSOA, 2006, p. 32).
Assim, os direitos humanos são naturais (inerentes aos seres humanos) e universais (aplicáveis por toda parte), de maneira que “o princípio da indivisibilidade, em conjunto com o de universalidade, é o eixo de sistema protetor dos direitos humanos” (PESSOA, 2006, p. 32).
Portanto, os direitos humanos não podem ser hierarquizados, nem fragmentados, nem tampouco excluídos de qualquer seara social ou jurídica, razão pela qual os direitos humanos no seio da família possuem aplicabilidade plena, valorizando o afeto em detrimento do patrimônio, igualando homens e mulheres em direitos e deveres em relação à prole, eliminando qualquer discriminação entre filhos havidos na constância do casamento ou não, bem como erigindo o escopo da família como cenário de busca da felicidade, de respeito e de realização pessoal.
Atualmente, é recorrente o reconhecimento da incidência dos direitos fundamentais nas relações interprivadas, sendo inescapável essa percepção quando da busca de respostas para os casos difíceis de direito de família – como podem ser classificados os de abandono afetivo (CALDERÓN, 2013, p. 342).
A modificação da consciência de cada indivíduo pôde fomentar a compaixão e a valorização do próximo como meio para o desenvolvimento dos direitos humanos, sobretudo no seio da família, pois para Gonçalves (2012, p. 23), o direito de família é o mais humano dos direitos.
Para Dias (2013, p. 11), “É necessário adequar a justiça à vida e não engessar a vida dentro de normas jurídicas, muitas vezes editadas olhando para o passado na tentativa de reprimir o livre exercício da liberdade”.
Comunga do mesmo entendimento o texto “Que é esclarecimento”, de Immanuel Kant, em que o leitor é convidado a pensar por si próprio, como agente transformador de sua própria realidade, pontencialidade esta que se observa no seio familiar no momento em que uma classe minoritária rompe com o modelo tradicional de família ao pleitear, por exemplo, a proteção estatal da união homoafetiva como entidade familiar, o que, após anos de luta, acaba sendo concretizado no ordenamento jurídico, fruto de uma primitiva transformação individual que produziu reflexos na sociedade rumo à gradativa consagração dos direitos humanos no seio das mais diversas estruturas familiares.
2.2. A importância da família e o novo direito da filiação como fruto da inserção dos direitos humanos no seio familiar
Para Comparato (2010, p. 13), todos os seres humanos devem ser igualmente respeitados pelos simples fato de sua humanidade, pois
Todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza (COMPARATO, 2010, p. 24).
Vislumbra-se como sendo imprescindível a existência dos direitos humanos no seio da família para assegurar direitos fundamentais do homem, sobretudo, o princípio da dignidade da pessoa humana, vértice orientador de todo o ordenamento jurídico pátrio. A esse respeito, Pereira (2004, p. 14), é enfático:
As concepções de inclusão e cidadania instalaram-se definitivamente no Direito de Família. Assim, a maioria das grandes discussões deste ramo do Direito tornou-se uma questão de Direitos Humanos, pois a elas está ligada a ideia de inclusão ou exclusão na ordem social e jurídica, enfim, a palavra de ordem da contemporaneidade, ou seja, cidadania.
O ser humano nasce no seio familiar, e é na família que forma sua personalidade e desenvolve suas potencialidades para conviver em sociedade e para buscar sua realização pessoal. Também, é na família que acontecem os fatos mais importantes da vida do ser humano, desde seu nascimento até a morte, além da vivência de problemas e sucessos (CHAVES; ROSENVALD, 2010, p. 12).
Por isso, para Barros (2003, p. 01),
O direito de família é o mais humano dos direitos. No entanto, apesar disso, ele não tem sido correlacionado com os direitos humanos. Para essa omissão deve haver uma justificação. Algo dificulta enxergar como direitos humanos os direitos subjetivos relativos à família. É preciso remover esse empecilho.
Vale lembrar que ao se falar de direitos humanos, logo de vem à mente o direito à vida. Contudo, não se pode pensar na vida humana sem pensar na família, que concebe a vida e a embala num lar que deve ser mantido por elos de afeto.
Impende consignar que os direitos humanos no seio da família decorrem do princípio da solidariedade familiar, que compreende a fraternidade e a reciprocidade (DIAS, 2013, p. 69). Nesse sentido, para Barros (2003, p. 06), “A humanidade se constrói pela força maior da solidariedade humana, em cuja origem está a solidariedade familiar, fomentada pelo afeto culminado no amor”. E continua, “se a família é a matriz, a solidariedade é a motriz dos direitos humanos”.
O direito à família não pode ser negado a nenhum ser humano, pois sendo um direito humano é corolário da própria existência do homem, e muitos dos direitos humanos se exercem no seio da família, vez que a família é o lar dos direitos humanos. Por isso, para Barros (2003, p. 06),
O direito fundamental à família e os seus direitos operacionais devem ser garantidos sem discriminação alguma, a fim de que o direito de família seja não só o mais humano dos direitos, como também o mais humano dos direitos humanos.
No Direito de Família contemporâneo, a família, além de ser plural, está sem constante transformação, desenvolvendo-se juntamente com o meio social, superando valores e impasses antigos. Nas palavras de Cunha, mencionado por Pereira (2004, p. 13),
Não se pode dizer em que direção, mas certamente na direção contrária de uma história de infelicidades. A economia do desejo pode até ser questionável em sua sede incontornável de prazeres imediatos. Mas talvez seja melhor apostar que homens e mulheres amadurecem na procura, do que aceitar sentimentos fenecidos como destino inevitável.
A consagração pela Carta Magna de princípios fundamentais na família, juntamente com a evolução do meio social, tem instigado e impulsionado o aparecimento de uma nova legislação no direito de família.
A nova estrutura da família passou a se vincular e a se manter por elos afetivos, em homenagem à valorização do ser humano e a da dignidade da pessoa humana, que apenas são possíveis com o respeito aos direitos humanos no seio da família. Sobre essa transformação na finalidade da família, Lôbo (2004, p. 155) assim se pronuncia:
A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram, ou desempenharam papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua.
O fato é que ainda que o Estado tenha o dever de regular a vida em sociedade e as relações entre as pessoas, não pode deixar de consagrar o direito à liberdade e assegurar o direito à vida, mas vida de maneira adjetivada: vida digna, vida feliz (DIAS, 2013, p. 25). E principalmente a família necessita ser permeada por laços de afeto e elos de solidariedade para que seus membros atinjam sua finalidade, qual seja, a de concretização da felicidade e da dignidade de seus membros. Daí o surgimento de normas que não criam deveres, mas simplesmente descrevem valores, que são os direitos humanos, os quais se tornaram “a espinha dorsal da produção normativa contemporânea” (DIAS, 2013, p. 26).
Para Dias (2013, p. 66), “O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana”, o qual, diante da constitucionalização do direito de família se tornou o princípio mais universal de todos os princípios, sendo o macroprincípio que se irradia sobre todos os demais, irradiando efeitos sobre todas as relações afetivas no seio familiar (SARMENTO, 2003, p. 60).
Portanto, afigura-se imprescindível o reconhecimento de que “é somente na família, ou através dela, que um humano pode tornar-se sujeito e humanizar-se”. Afinal, diversos direitos humanos somente serão respeitados se no seio familiar forem também protegidos, não se podendo, pois, afastar o lar familiar da incidência dos direitos humanos, sendo a família a base da sociedade, o começo, o meio e o fim de todo ser humano e, consequentemente, o berço de todo e qualquer direito humano.
A família representa uma construção cultural que em nossa contemporaneidade constitui o núcleo essencial da sociedade, uma vez que a própria organização social ocorre em torno da estrutura familiar.
Contudo, a família como se apresenta hoje não é mais a mesma tal como concebida historicamente pelo Direito até 1988, isto é, patrimonializada, hierarquizada e matrimonializada. Afinal, um novo olhar sobre o direito nasceu da Constituição Federal de 1988, a qual representa uma verdadeira carta de princípios que inovou o ordenamento jurídico com direitos e garantias fundamentais, promovendo uma constitucionalização do direito de família e uma mudança na maneira de se interpretar a lei.
No entanto, é imprescindível reconhecer que muitas das alterações levadas a efeito são fruto da presença dos direitos humanos no âmbito da família, o que ensejou uma maior proteção da esfera dos direitos merecedores de tutela.
Até o Código Civil de 1916, havia apenas um único modo de constituição da família, que era pelo casamento. A família até então tinha um viés patriarcal, e o ordenamento jurídico refletia essa realidade. Somente era reconhecida a família que detinha laços do matrimônio e o casamento era indissolúvel.
Contudo, com o advento da Carta Magna de 1988, o legislador constituinte levou a efeito um alargamento conceitual de família, diante da nova realidade que se impôs, acrescentando no conceito de entidade familiar diversas outras formas de convívio entre as pessoas, de maneira que a família não é mais constituída somente pelo casamento, sendo também reconhecida como família a união estável entre um homem e uma mulher, as relações monoparentais, de um dos pais com seus filhos, além da família homoafetiva, havendo, portanto, um pluralismo das relações familiares.
Do mesmo modo, a Constituição Federal proibiu designações discriminatórias relativas à filiação, consagrando a igualdade entre filhos havidos na constância ou não do matrimônio, e proibindo a classificação absolutamente cruel a que os filhos havidos de relações extraconjungais eram submetidos, na vã tentativa de valorizar e manter o casamento, penalizando os filhos considerados ilegítimos e que de nada tinham culpa, em um notório privilégio do núcleo em detrimento da felicidade de seus membros.
Assim, rompeu-se com um passado em que a manutenção do casamento merecia maior proteção do Estado do que a dignidade humana de seus membros. De maneira que, gradativamente, a mudança da realidade vivida pela sociedade rumo à valorização da pessoa humana, produziu reflexos no ordenamento jurídico-familiar.
Sobretudo, uma inovação legislativa nascida com a Constituição Federal que produziu profundas modificações no direito das famílias, foi o advento do princípio da afetividade, a qual transformou de maneira tão especial o modo de se enxergar e de se conceber os laços familiares, que Dias (2013, p. 74) chega a dizer que “Talvez nada mais seja necessário para evidenciar que o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade”.
Na obra “A invenção dos direitos humanos: uma história”, de Lynn Hunt (2009), afigura-se luzente o potencial de transformação social empreendido pelo indivíduo ao longo da história do homem, de maneira que a mudança interior do indivíduo foi fundamental para o nascimento e a evolução dos direitos humanos na sociedade contemporânea e, consequentemente, no seio da família, a qual representa o berço da sociedade.
Sendo assim, a transformação interior do indivíduo ensejou a mudança de pensamento, de postura social, da cultura e da política nos diversos momentos experimentados pela evolução social, progresso este que surtiu efeitos na família, consagrando o valor jurídico do afeto em seu seio.
O novo paradigma, fruto da transformação social levada a efeito pelo indivíduo, valoriza a pessoa humana como sujeito de direitos e de desejos, e, sobretudo, como portadora de direitos inerentes à sua condição humana, erigindo sua dignidade e sua busca à felicidade como direitos humanos inerentes à pessoa humana.
Assim, houve uma verdadeira reformulação do conceito de família, em que seus ideais voltaram-se à proteção da pessoa humana, de modo que a família passou a ser um instrumento para a realização afetiva e pessoal de seus membros.
A própria obra de Lynn Hunt deixa evidente que ao longo do tempo surgiu na sociedade um novo paradigma que intensifica os direitos do indivíduo, como foi a aprovação da possibilidade de divórcio legal, intensificando a liberdade de afeição e a primordial busca pela felicidade.
Dessa forma, não é possível mais pensar em direito de família dissociado de direitos humanos, uma vez que é em virtude dos direitos humanos que o direito de família passou a valorizar o afeto em detrimento do patrimônio, igualou os direitos e deveres entre homens e mulheres, eliminou qualquer discriminação entre filhos havidos na constância do casamento ou não, bem como erigiu como vértice orientador das relações afetivas o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito da busca pela felicidade e realização pessoal de seus membros, promovendo uma ruptura com um passo de infelicidades e tornando-se mais fiel aos ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo, voltando-se à proteção da pessoa humana, garantindo-lhe vida digna e feliz.
2.2.1. A criança no novo direito de família: os efeitos do divórcio e da ausência paterna
Por muitos anos, o direito das famílias se silenciou diante de casos concretos em que o genitor abandonava afetivamente sua prole, notadamente porque diante da omissão legislativa a esse respeito, muitos magistrados deixavam se reconhecer o afeto como valor jurídico diante da inexistência de previsão legal expressa a esse respeito, o que acabava fatalmente por presentear a irresponsabilidade paterna.
Assim, filhos de casamentos desfeitos, de uniões mal sucedidas, ou mesmo de casais que nem chegavam a se casar, permaneciam relegados em segundo plano na vida do genitor, o qual, por vezes, acabava se atendo à obrigação legal de fornecer alimentos, em geral não porque se preocupavam com seus filhos, mas sobretudo para evitarem os efeitos do descumprimento de uma obrigação alimentar, o que poderia lhe render até a prisão.
Desta feita, a criança rejeitada afetivamente crescia sem uma resposta do ordenamento jurídico pátrio. Alimentos, vestuário, assistência médica, medicamentos, educação, todos os bens matérias podiam ser comprados pela prestação alimentar paga pelo genitor, mas será que somente isso seria suficiente para o crescimento moral e psicológico da criança? Seria possível na contemporaneidade conceber uma relação paterno-filial sem o dever de oferecer afeto?
Nas palavras de Villela (1994, p. 645),
As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substância triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor. (grifo nosso)
Para Souza (2013, p. 4), a partir do século XX, a sociedade passou por profundas transformações, sejam econômicas, culturais, religiosas e de valores, as quais refletiram de forma luzente na família, a qual teve que se reinventar diante das modificações sociais.
A mulher, inserindo-se no mercado de trabalho, integrou os números da população economicamente ativa e começou a desempenhar papel de trabalhadora e de mãe, exercendo a atividade profissional e doméstica ao mesmo tempo – a dupla – jornada. O papel do homem, que até então era visto como único provedor do lar, sofreu significativas mudanças, já que o provento passou a ser dividido entre o casal e, com o tempo, outras funções do lar foram divididas também e homem e mulher passaram a dividir a autoridade familiar. Esta mudança nos papéis fez com que a figura paterna passasse a ser vista como um elemento mais presente no desenvolvimento da personalidade da criança o que possibilitou ao pai uma nova função na família. Interferindo diretamente na formação de identidade dos filhos e passando a ser valorizado o afeto imprescindível para a formação da criança (SOUZA, 2013, p. 4).
Vale consignar que “A figura paterna sempre teve importância no desenvolvimento da criança, mesmo antes da inserção da mulher no mercado de trabalho” (SOUZA, 2013, p. 4), sendo o afeto imprescindível para a formação do ser humano. Mas, o que evidencia-se é que houve uma luzente valorização do afeto paterno, estando erigido até mesmo a princípio constitucional, de modo que no atual direito das famílias a guarda da criança pode até mesmo ser conferida ao genitor, o que há tempos atrás seria inimaginável, pois a guarda somente era atribuída à mãe.
A figura paterna é um agente importante de socialização para os filhos e sua ausência, principalmente afetiva, por vezes acarreta danos irreparáveis impossibilitando-os, em alguns casos, inclusive para o exercício do amor, visto que se tornam indivíduos hostis e deprimidos condenados eternamente ao desafeto. (SOUZA, 2013, p. 13)
O fato é que a ciência já comprovou cabalmente que a ausência de afeto e o consequente abandono sentimental podem trazer consequências para a formação moral da criança, bem como pode culminar em transtornos psicológicos e patologias. A esse respeito, aduz Souza (2013, p. 4) que,
Danos possíveis causados pela ausência de afeto vão de sentimentos de baixa autoestima, processos de inadequação social, agressividade, criminalidade, insegurança, sentimento de menos valia e, até, comportamos autodestrutivos e sociopatas.
Desse modo, o princípio da afetividade pode ser considerado como o fundamento dos laços familiares e, embora não esteja expressamente previsto na Carta Magna, decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o qual representa o vértice orientador de todo o ordenamento jurídico pátrio, pois “Existe uma nova concepção de família, formada por laços afetivos de carinho e de amor” (DIAS, 2007, p. 52-53).
2.3. Despatrimonialização do direito de família e a valorização do afeto
O direito das famílias na contemporaneidade valoriza o afeto em detrimento do patrimônio, erigindo a afetividade como seu fundamento basilar e como berço de solidariedade e de busca à felicidade. Nesse sentido, Matos (2008, p. 35) assevera que,
Do ponto de vista legislativo, o advento da Constituição de 1988 inaugurou uma diferenciada análise jurídica das famílias brasileiras. Uma outra concepção de família tomou corpo no ordenamento. O casamento não é mais a base única desta entidade, questionando-se a idéia da família restritamente matrimonial. Isto se constata por não mais dever a formalidade ser o foco predominante, mas sim o afeto recíproco entre os membros que a compõem redimensionando–se a valorização jurídica das famílias extramatrimoniais.
Insta consignar que, para Lôbo (2008, p. 1), “A família atual está matrizada em paradigma que explica sua função atual: a afetividade”, de modo que, “enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida”. Nas palavras de Mariano (2009, p. 05),
Modernamente, o afeto que se origina espontânea e profundamente, com significado de amizade autêntica, de reciprocidade profunda entre companheiros, vem sendo a principal motivação para o estabelecimento de uma união entre os seres humanos.
Conforme o escólio de PEREIRA (1998, p. 19),
Uma família que experimente a convivência do afeto, da liberdade, da veracidade, da responsabilidade mútua, haverá de gerar um grupo não fechado egoisticamente em si mesmo, mas sim voltado para as angústias e problemas de toda a coletividade, passo relevante à correção das injustiças sociais.
Assim, surgiu um novo olhar sobre a família, valorizando os laços de afeto entre seus membros, rompendo com um passado em que não se enxergava a família como berço de afeto e de solidariedade.
Desta feita, “Surgiu um novo nome para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo: família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo processo de emancipação de seus membros” (DIAS, 2007, p. 52). E, continua a aludida autora, elucidando o que se entende por eudemonista, senão vejamos.
O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do principio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito, como se interfere da primeira parte do §8° do artigo 226 da CF: o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram (DIAS, 2007, p. 53).
Vislumbra-se, pois que “o afeto, que começou como um sentimento unicamente interessante para aqueles que o sentiam, passou a ter importância externa e ingressou no meio jurídico” (CARBONERA, 1998, p. 247).
Conforme Dias (2007, p. 53) traz à baila,
A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação pessoal é a maneira que as pessoas encontram de viver, convertendo-se em seres socialmente úteis, pois ninguém mais deseja e ninguém mais pode ficar confinado a mesa familiar. A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no pão de igualdade, de liberdade, de solidariedade e de responsabilidade recíproca.
Afigura-se inconteste a necessidade de se reconhecer o vínculo afetivo no seio da família e sua existência jurídica, com consequências e penalidades em caso de omissão do genitor, pois “É necessário adequar a justiça à vida e não engessar a vida dentro de normas jurídicas, muitas vezes aditadas olhando para o passado”, uma vez que “O direito das famílias lida com gente, gente dotada e sentimentos, movida por medos e inseguranças, que sofre desencantos e frustrações”, e que buscam o Poder Judiciário para serem ouvidos seus reclamos (DIAS, 2013. p. 11).
2.4. O princípio do melhor interesse do menor e a proteção integral à criança
2.4.1. Previsão legal da proteção à criança e ao adolescente
Dentre os deveres dos genitores decorrentes do pode familiar, encontra-se o dever de ter os filhos em sua companhia e de dirigir-lhes a criação e a educação (CC 1.634 I e II), sendo que esse encargo compete tanto ao pai quanto à mãe, ainda que não mantenham mais entre si laços afetivos, pois ainda quando
estabelecida a guarda unilateral, fica limitado o direito de um deles de ter os filhos em sua companhia (CC 1.632). Porém, ao genitor que não possui a guarda é assegurado o direito de visitas (CC 1.589) (DIAS, 2013, p. 469).
Diante das gradativas e profundas transformações sofridas pela sociedade que acabaram refletindo sobre a estrutura da família e sobre a forma de se enxergar os laços familiares, “houve a necessidade de uma regulamentação de normas que protegessem a identidade da criança, para tanto, a ONU criou a Declaração Universal dos Direitos das Crianças”, a qual foi aprovada em 20 de novembro de 1989, “e assinada pelo governo brasileiro, na qual foi estabelecida a proteção do afeto e a segurança moral da criança” (SOUZA, 2013, p. 05).
Por sua vez, para implantar as normas da Convenção sobre o Direito das Crianças, em 13 de julho de 1990, foi assinado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), legislação essa que “é reconhecida como uma das mais avançadas do mundo, tendo se tornado referência internacional” (SOUZA, 2013, p. 5).
O ECA determina em eu art. 4º, que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, bem como ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Assim, vislumbra-se que afigura-se imprescindível que com absoluta prioridade a família assegure à criança o direito de convivência familiar, pois “O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue” (DIAS, 2013, p. 73).
Ainda, o referido diploma legal dispõe em seu art. 5º que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. De onde se pode afirmar que o ECA, assim como a Constituição Federal, proíbem de forma expressa o abandono à criança, seja material ou afetivo, uma vez que veda qualquer forma de negligência e qualquer atentado, seja por ato, ou seja por omissão (como é o caso do abandono afetivo), aos direitos fundamentais da criança.
A Constituição (CF 227) e o ECA acolheram a doutrina da proteção integral. Modo expresso, crianças e adolescentes foram colocados a salvo de toda forma de negligência. Transformaram-se em sujeitos de direito e foram contemplados com enorme número de garantias e prerrogativas. Mas os direitos de uns significam obrigações de outros. Por isso a Constituição enumera quem são os responsáveis a dar efetividade a esse leque de garantias: a família, a sociedade e o Estado (DIAS, 2013, p. 469).
O ECA prevê em seu art. 7º que, dentre os direitos fundamentais dos menores está o seu desenvolvimento sadio e harmonioso, bem como em seu art. 19. estabelece o direito de serem criados e educados no seio de suas famílias.
O conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação.
O ordenamento jurídico pátrio não previu expressamente a definição de afeto em seu bojo, mas verifica-se tanto no texto constitucional, como demonstrado em linhas alhures, como no texto do ECA a proteção ao afeto no seio da família, reconhecendo-o como valor jurídico, em consagração ao próprio princípio da paternidade responsável.
Por esse princípio, há responsabilidade individual e social das pessoas do homem e da mulher que vêm a gerar, no exercício das liberdades inerentes à sexualidade e à procriação, uma nova vida humana, cuja pessoa – a criança – deve ter priorizado o seu bem-estar físico, psíquico e espiritual – com todos os direitos fundamentais reconhecidos em seu favor (GAMA, 2008, p. 77).
Nesse sentido, imprescindível mencionar o escólio de Schreiber (2012, p. 181), segundo o qual,
De outro lado, porém, deve-se observar a conduta alegadamente lesiva. Cumpre verificar se também ela é merecedora de tutela, abstratamente. Aqui, em nível muito geral, poder-se-ia falar em um interesse à liberdade do pai. O legislador, todavia, ao impor sobre o pai deveres de comportamento em face dos filhos, já estabeleceu a relação de prevalência ante tal liberdade e o interesse do menor à adequada formação de sua personalidade, determinando, em síntese, que este último interesse prevalece em relação ao ‘sustento, guarda e educação dos filhos menores’ – não já, note-se, ao amor, ao afeto, ao carinho, sentimentos pessoais subjetivos com relação aos quais a liberdade de autodeterminação do pai mantém-se prevalente à luz do tecido constitucional.
Dessa maneira, a legislação pátria prevê expressamente o dever de proteção, cuidado e amparo dos filhos pelos genitores, tanto com a prestação de bens materiais, através da obrigação alimentar, como também pela obrigação de propiciar um desenvolvimento moral e psíquico saudável aos filhos, o que somente pode ser atingido com a presença dos genitores na vida dos filhos, com o afeto e a solidariedade permeando os laços de convivência no seio familiar.
2.4.2. Abandono afetivo: uma questão pública ou privada?
Relevante questão necessita ser enfrentada no debate sobre abandono afetivo, qual seja, se os laços familiares e o afeto que permeiam o seio familiar devem ser apreciados como questões de interesse público ou como interesse privado que se insere na intimidade e no âmago da família. Para CALDERÓN (2013, p. 336),
É inegável que nesse ramo do Direito há amplo espaço para livre eleição da melhor forma de viver em família pelos particulares, restando resguardada aos participantes dessa relação a decisão sobre a melhor forma de convivência e a deliberação sobre o seu planejamento familiar.
Nas palavras de Tartuce (2012, p. 17), “É importante perquirir, nas relações familiares, a divisa entre os espaços público e privado. Por tal razão, temas como a ordem pública, a indisponibilidade de direitos e a intervenção estatal são recorrentes”, motivo pelo qual merece no presente estudo o enfrentamento desse tema para a sedimentação do conhecimento no sentido de se concluir pela interferência do poder público ou não nos laços afetivos da família.
No entanto, é imperioso ressaltar que, sob outro prisma, existem dispositivos expressos que consagram a proteção do melhor interesse do menor e a proteção integral de menores e adolescentes, como se verifica nas normas da Constituição Federal, do Código Civil, do ECA e em diversos diplomas internacionais dos quais o país é signatário.
Sendo assim, por serem considerados vulneráveis, crianças e adolescentes recebem especial proteção do Estado, ainda que estejam dentro de seus lares, no seio da família, para que só assim seja possível tutelar seus direitos legalmente consagrados.
Buscando a ponderação dos interesses contrapostos, ter-se-ia ao lado dos genitores o princípio da liberdade e da parte dos filhos o princípio da solidariedade familiar. Levando-se em conta a peculiar condição dos filhos e a responsabilidade dos pais na sua criação, educação e sustento, seria incabível valorizar a sua liberdade em detrimento da solidariedade familiar e da sua própria integridade psíquica. Ponderados, pois, os interesses contrapostos, a solidariedade familiar e a integridade psíquica são princípios que se superpõem, com a força que lhes dá a tutela constitucional, à autonomia dos genitores, que, neste caso, dela não são titulares (MORAES, 2010, p. 449).
Portanto, é possível afirmar que a intervenção do poder público em laços afetivos entre cônjuges deve ser consideravelmente menor do que a interferência estatal sob a relação paternal com um menor ou adolescente, dada sua situação de vulnerabilidade, ou seja, “a dinâmica pública ou privada nos conflitos familiares irá variar conforme a modalidade da relação envolvida” (CALDERÓN, 2013, p. 337).
A relação entre a esfera pública e a esfera privada, neste ambiente, aliás, também é diferenciada. Na conjugalidade, tal relação caracteriza-se atualmente por uma substancial aceitação das escolhas e da autonomia dos indivíduos, bem como pela renúncia à exigência e ao cumprimento coercitivo dos direitos e deveres entre os cônjuges. Na parentalidade, por outro lado, distingue-se pela ampliação, cada vez maior, das intervenções jurídicas nas relações da filiação, com vistas à proteção dos menores (MORAES, 2010, p. 447).
Por sua vez, esposando o mesmo entendimento, para Fachin (2012, p. 163) aduz que,
Propor a intervenção desmensurada do ente estatal na ambiência familiar, espaço onde deve ocorrer o livre desenvolvimento da personalidade humana, importa inevitavelmente em aceder ao cerceamento da construção dessa personalidade própria das pessoas que pretendem se realizar, em coexistencialidade, naquele espaço familiar. Mas ao mesmo tempo em que é necessária a configuração de um “Estado ausente”, permitindo que as pessoas constituam suas relações segundo uma liberdade vivida, é igualmente necessário que determinados direitos sejam tutelados pela presente intervenção do ente estatal, mormente em face daqueles que se encontram mais vulneráveis e desamparados. Nesse sentido, intervir é necessário quando verificada a potencialidade lesiva à constituição da personalidade de uma pessoa, sendo ela jurídica ou faticamente mais vulnerável devido às suas condições pessoais, o que ocorre, à guisa de exemplo, com a criança, o adolescente, o incapaz, o idoso e aqueles que sofrem com a violência familiar.
Dessa maneira, “deve-se buscar o equilíbrio entre a liberdade do espaço privado, conferida para as pessoas deliberarem como viverão em família e, de certo modo, como criarão e educarão seus filhos”, mas sempre “com o respeito aos comandos legais oriundos da esfera pública nas relações familiares, que impõem alguns limites quando envolvidas pessoas em situação de vulnerabilidade” (CALDERÓN, 2013, p. 338).
É nesse contexto que a relação paterno-filial em que ocorre o abandono afetivo deve ser pensado, pois por se tratar de crianças e adolescentes e seu relacionamento com o genitor, trata-se de laço familiar que envolve vulnerável, o que demanda uma especial proteção e cuidado do ordenamento jurídico pátrio.
Desse modo, o que empresta legitimidade à consagração da intervenção estatal na família e do reconhecimento do valor jurídico do abandono afetivo parental é o estado de vulnerabilidade dos filhos menores envolvidos em questão, pois,
Sempre que os direitos da criança e do adolescente forem violados ou mesmo estiverem sob ameaça de violação, faz-se necessária, aí sim, a pronta intervenção estatal, assegurando que essa pessoa ainda em desenvolvimento venha a ter a possibilidade concreta de construir a sua personalidade pelas suas próprias escolhas, com a garantia da sua liberdade positiva (FACHIN, 2010, p. 10).
Para Calderón (2013, p. 339), “a atuação estatal será pontual, restrita aos casos de omissão total do dever parental e que causem prejuízos efetivos à pessoa vulnerável que é objeto de proteção”, o que, todavia, “não significa que o ente público poderá se imiscuir na esfera privada das relações familiares onde tal dever é, ainda que de certo modo, atendido”.
Nessa guisa de raciocínio, naquelas famílias nas quais se verifica o dever de amparo e cuidados aos filhos pelos genitores, em que o afeto de faz presente, não se afigura razoável a interferência do ente estatal, em respeito à liberdade de planejamento familiar dos particulares. Desse modo, apenas casos em que ocorre o abandono parental é que devem ser passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário, considerada a vulnerabilidade do menor que é vítima da omissão parental.
Emergem, na espécie, os princípios da parentalidade responsável e da proteção integral da criança e adolescente, que indicam clara possibilidade de intervenção. Isso porque, ao não atender em nada tal dever de cuidado o pai – ofensor infringe um comando legal que envolve direitos de um vulnerável, que gozam de ampla proteção, de modo que pode vir a ter que responder pelos efeitos decorrentes da sua conduta (CALDERÓN, 2013, p. 340).
Assim, através das considerações expostas em linhas anteriores, é possível afirmar que somente haverá legitimidade para intervenção do poder público nos casos em que se verificar a omissão e o abandono paterno, pois em casos em que a afetividade está presente, não há interesse do ente estatal em intervir na relação paterno-filial, uma vez que essa magnitude de intervenção só ocorre em casos excepcionais de extrema necessidade, ou seja, quando há omissão e rejeição de menores.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO A PARTIR DO ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nas palavras de Calderón (2013, p. 328), “Um dos temas mais palpitantes e polêmicos no Direito de Família brasileiro, na atualidade, diz respeito à temática da possível reparação civil nos casos do denominado abandono afetivo.” Afinal, recente decisão do STJ concedeu a reparação civil em caso concreto de abandono paterno levado à sua apreciação, sendo um novo entendimento trazido à baila à luz da irradiação dos princípios constitucionais no direito das famílias, despertando paixões de discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
Não é possível afirmar, no atual estágio, que exista um entendimento pacificado sobre o tema, tendo em vista decisões de diversas ordens que seguem sendo proferidas e os distintos entendimentos externados sobre o assunto. No quadro atual de complexidade das relações familiares e diversidade de decisões sobre situações aparentemente similares, influenciadas pelas peculiaridades do caso concreto em pauta, quiçá não se chegue a um lugar comum sobre a questão (ao menos em um período próximo). As particularidades fáticas inerentes ao tema podem permitir que se encontrem soluções distintas para situações vistas como próximas, embaralhando os fatores envolvidos, mas ainda assim algumas premissas comuns podem ser extraídas (CALDERÓN, 2013, p. 329)
Esposando o mesmo entendimento, para Hironaka (2009, p. 194),
Ao lado desta prodigalidade de formulações teóricas se instalaram, também, de modo igualmente pródigo, as mais diferentes tendências jurisprudenciais, com respostas distintas para casos semelhantes, com repostas semelhantes para casos distintos e com idênticas respostas para casos semelhantes ou não, mas oriundas de fundamentação diversa. O século XX – não há como negar – produziu uma verdadeira torre de Babel, em termos de apreciação, análise e aplicação da responsabilidade civil. (grifo nosso)
Impende, porém, destacar a incontestável relevância do novo entendimento do STJ, o qual consagrou a possibilidade jurídica de reparação civil por abandono afetivo, conferindo ao afeto seu valor jurídico. Certamente, junto com a inovação jurisprudencial nascem também questionamentos e desafios, boa parte deles complexos e de difícil solução.
Sobre a polêmica e os diferentes posicionamentos ocasionados pelo acórdão paradigma do STJ a respeito da reparação por abandono afetivo, para Fachin (2014, p. 7),
O tema resulta controvertido até não mais poder; parece-nos ser um passo à frente, possível dentro do atual ‘estado da arte’ do Direito Brasileiro, chancelar a reparação por abandono afetivo; contudo, questões correlatas, como os equivalentes funcionais, os parâmetros indenizatórios, o sentido e o alcance da própria formação da identidade como direito integrante da personalidade, imaterial e intangível por natureza, fazem nascer problemas complexos e merecer dita reflexão. Será a ‘ética da responsabilidade’ e não a ‘ética da convicção’ que dará em breve responder a essa questão.
Assim, verifica-se um novo tempo no direito das famílias, tempo este que possibilita a indagação e a propositura de questionamentos acerca de temas subjetivos, impregnados de carga axiológica, antes nunca enfrentados pelos tribunais.
Para o IBDFAM (2014, p. 11), “o raciocínio simplista não pode mais ser aceito pelos operadores do Direito, eis que o afeto, verdadeiro laço formador de entidades familiares, deve dar base ao desfecho de demandas desta espécie”, ou seja, o direito deve ser enxergado do lado esquerdo do peito.
Ainda, imprescindível se faz destacar a reflexão trazida por Calderón (2013, p. 330), segundo o qual,
Uma questão que preliminarmente salta aos olhos é que o simples fato de o abandono afetivo ser um dos pontos relevantes no atual estudo do direito de família brasileiro é representativo da importância que a afetividade alcançou.
E, continua o aludido autor perfilhando o entendimento de que,
O conflito apreciado nesse processo judicial é retrato típico dos complexos desafios familiares contemporâneos, e as relevantes questões ventiladas nesse julgamento permitem refletir sobre temas centrais de direito de família na atualidade (CALDERÓN, p. 331).
O fato é que o STJ inovou o direito das famílias, sedimentando a possibilidade jurídica de reconhecimento da responsabilidade civil ocasionada pelo abandono afetivo, consagrando o instituto do dano afetivo.
Importa anotar como esse relevante julgamento evidencia o momento de travessia no qual se encontram tanto o direito de família como a doutrina que estuda a responsabilidade civil brasileira. Isso porque, os estudos em ambos os campos do direito civil não mais se limitam a uma análise restrita do texto legal, mas, com base em uma leitura civil – constitucional, criam espaço para a construção de outras respostas a partir das situações concretas apresentadas, como no caso em apreço. (CALDERÓN, 2013, p. 333)
Importante feição que fora levantada pelo julgado em apreço diz respeito à ponderação entre a liberdade dos genitores para conduzirem sua família e sua vida privada e o princípio da solidariedade familiar, sendo que o voto-condutor do julgamento, feito pela Ministra Nancy Andrighi, à luz de uma interpretação civil-constitucional, entende pela prevalência do princípio da solidariedade familiar no seio da família contemporânea.
Isso porque, segundo lição de Dias (2013, p. 470),
A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer seu desenvolvimento saudável. A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho e pela introdução do filho no mundo transpessoal, dos irmãos, dos parentes e da sociedade. Nesse outro mundo, imperam a ordem, disciplina, autoridade e limites.
Sendo assim, “a omissão de genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação” (DIAS, 2013, p. 470).
Desta feita, busca-se elucidar, a partir do referido julgado, a conceituação do que seja o dano afetivo como consequência do abandono afetivo paterno, bem como quais são suas extensões, aplicabilidade no cotidiano dos tribunais e sua relação com a responsabilidade civil, missão a que as linhas a seguir desenvolvidas se dedicam.
3.1. Abandono afetivo e responsabilidade civil à luz da interpretação civil – constitucional
O caso levado à apreciação do STJ que rendeu o nascimento desse novo entendimento no ordenamento jurídico pátrio ficou conhecido como “caso Luciane Souza”, e corresponde a uma filha havida de relação havida de maneira extraconjugal, em que o genitor fora acionado judicialmente pela filha abandonada sentimentalmente por muitos e muitos anos. O genitor, ainda que cumprisse com sua obrigação alimentar que lhe fora estipulada logo após o reconhecimento de seu vínculo paternal, e proporcionasse à filha toda sorte de bens que o dinheiro pudesse comprar, nunca lhe proporcionou o que nenhum dinheiro do mundo poderia lhe dar, que é o afeto e a convivência com sua filha.
O referido pai se manteve ausente da vida de sua filha desde o seu nascimento, pagando-lhe os alimentos devidos, não a deixando passar por nenhuma necessidade material, mas, nunca lhe ofereceu afeto, mantendo-se sempre distante, tendo rejeitado a filha por toda sua vida e, ainda por cima, fazia notória distinção entre ela e outra filha que havia tido de outra união.
Diante de tal conduta, essa filha renegada pelo pai chegou até a idade adulta sem ver desenvolvida a relação afetiva que se espera desse vínculo familiar. Configurada a situação de abandono afetivo, sustentou essa filha que sofreu danos decorrentes da ausência dessa relação paterno-filial, em vista do que demandava uma reparação financeira pelo dano que sofreu em virtude da conduta omissa do seu pai. (CALDERÓN, 2013, p. 331)
A ementa do referido acórdão que reconheceu a existência da afetividade jurídica e que o abandono afetivo parental merece sim ser indenizado, é a seguinte.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227. da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.
(STJ, Resp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrigui, Terceira Turma, j. em 24.04.2012, Dje 10.05.2012).
Assim, acórdão acima colacionado “negou provimento ao pedido principal do Recurso Especial manejado pelo pai, entendeu procedente a fixação de reparação monetária decorrente daquele abandono afetivo” (CALDERÓN, 2013, p. 333). Lembrando que, a procedência apenas parcial deu-se em virtude tão somente da diminuição da quantia estipulada pelo juízo monocrático.
Imprescindível mencionar que, “O julgamento da supracitada situação de abandono afetivo exigiu a análise de valores, de princípios e de regras constitucionais”, quais sejam, “de direitos fundamentais, dos direitos da personalidade, da parte geral do direito civil, da responsabilidade civil e do direito de família”, sendo que, “A tarefa do jurista frente a tais casos não é singela: exige dedicação e uma ampla compreensão da complexidade na qual se constitui o direito contemporâneo” (CALDERÓN, 2013, p. 333).
Nos termos do escólio doutrinário de Madaleno (2011, p. 472), a família representa muito mais do que laços sanguíneos, uma vez que seu fundamento é a afetividade, senão vejamos.
O real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética, porque essa, quando desligada do afeto e da convivência, apenas representa um efeito da natureza, quase sempre fruto de um indesejado acaso, obra de um indesejado descuido e da pronta rejeição. Não podem ser considerados genitores pessoas que nunca quiseram exercer as funções de pai ou de mãe, e sob todos os modos e ações de desvinculam dos efeitos sociais, morais, pessoais e materiais da relação natural de filiação. A filiação consanguínea deve coexistir com o vínculo afetivo, pois com ele se completa a relação parental. Não há como aceitar uma relação de filiação apenas biológica sem ser afetiva, externada quando o filho é acolhido pelos pais que assumem plenamente suas funções inerentes ao poder familiar e reguladas pelos artigos 1.634 e 1.690 do Código Civil.
Desta feita, impende consignar que o reconhecimento do afeto como fundamento de todo seio familiar começa a ser entendimento presente nos tribunais pátrios, superando um paradigma rígido e estanque de família até então alicerçado sob um Código Civil que, por si só, não se encontra aberto à realidade social contemporânea.
Para Dias (2013, p. 470), se faltar ao filho a referência do pai,
O filho estará sendo prejudicado, talvez de forma permanente, para o resto de sua vida. Assim, a ausência da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes. Tal comprovação, facilitada pela interdisciplinaridade, tem levado ao reconhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo. Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem que tem valor (grifo nosso).
Assim, com olhos na interpretação civil-constitucional é que a jurisprudência tem desenvolvido um novo entendimento primoroso na busca pela superação do formalismo e da lei fria, em prol da consagração do valor jurídico do afeto. Afinal, ainda que o valor de uma indenização pecuniária não venha a trazer a afetividade que o filho nunca teve durante a vida, servirá para reconhecer que o afeto deve estar presente no seio familiar.
Antes de se adentrar propriamente ao tema da responsabilidade civil no seio da família, imprescindível se faz reiterar que afetividade e amor não devem ser enxergados juridicamente como similares. Muitos autores que os consideram sinônimos acabam por apresentarem dificuldade em compreender a possibilidade jurídica de se aferir a existência de dano moral decorrente do abandono afetivo.
Isso porque, os autores que não esposam entendimento favorável à concessão de pena pecuniária pela ausência parental, alegam que o amor seria um sentimento intrínseco à pessoa humana, estando em seu mais íntimo âmago, nascendo de sua subjetividade, não sendo pois, tema atinente à seara jurídica, escapando às ordens judiciais.
No entanto, o que se propõe ao pensar sobre o princípio constitucional da afetividade não é a presença ou ausência de amor nos laços parentais. Afinal, como bem ressaltou a Relatora do caso em questão, Ministra Nancy Andrighi, amar é uma faculdade, mas cuidar é um dever.
Sendo assim, a afetividade jurídica é que deve ser apreciada nos laços parentais, por ser possível sua aferição objetiva e concreta, uma vez que é luzente e indiscutível que existe uma esfera mínima de deveres dos genitores que devem ser necessariamente cumpridos, estando os pais unidos pelo matrimônio ou não, considerando-se que a afetividade configura-se como sendo um fator vital para as relações familiares na contemporaneidade.
A Ministra Nancy Andrighi nomeou essa série de obrigações parentais imprescindíveis como sendo um “núcleo mínimo de cuidados parentais”, conforme se pode conferir:
Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, não pode o julgar se olvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social
(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Assim, como é plenamente possível avaliar a observância e o cumprimento de cuidados com a prole de maneira objetiva, esse sim configura-se como o principal escopo a ser alcançado com o reconhecimento jurídico da possibilidade de aplicar o instituto da responsabilidade civil pelo abandono ou ausência parental, nada tendo a ver com sentimentos subjetivos ou valores abstratos estranhos à seara jurídica.
Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência possuem papel fundamental em elucidar como cuidado pode ser aferido objetivamente, bem como seu alcance e limites, com vistas a sedimentar o conceito de afetividade jurídica e refutar muitas as críticas que lhe são dirigidas, sobretudo, ao se igualar o sentimento subjetivo do amor, que nada tem a ver com o direito, e a afetividade jurídica objetiva e concreta.
Desta feita, o julgado em estudo entendeu que no caso concreto levado à sua apreciação, o dever de cuidado por parte do genitor foi ferido diante de sua ausência, tendo sido sua conduta omissiva considerada como um ilícito civil e, portanto, passível de sanção.
A par dessa conclusão, o referido julgado passou adiante a apreciar os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, quais sejam culpa, nexo causal e dano. Mas, o apego aos pressupostos da tradicional responsabilidade civil ao aplicá-la ao direito de família contemporâneo, tem levantado críticas por parte da doutrina, senão vejamos.
Para os adeptos dessa corrente da responsabilidade por danos, restaria ainda muito apegada à punição da conduta do ofensor (e não ao abalo sofrido pela vítima), voltada apenas ao passado (e não com olhos no futuro), exacerbaria os filtros (dificultando a reparação) e não tutelaria dignamente a vítima e seus danos (recomposição integral dos prejuízos sofridos). Para essa novel corrente doutrinária, na construção de uma renovada teoria teoria da responsabilidade civil, estes deveriam ser os pontos centrais da análise (CALDERÓN, 2013, p. 361).
Por sua vez, Altheim (2010, p. 16), esposa o mesmo entendimento de que a teoria da responsabilidade civil deveria ser enxergada sob uma nova concepção, mudando o seu enfoque tradicional que sempre foi sobre o ofensor e voltando sua atenção ao ofendido, o qual merece ter a prioridade na análise dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil.
Os mencionados elementos tidos como necessários para que surja o dever de indenizar foram construídos num momento em que a teoria da responsabilidade civil tinha como foco principal a sanção a atos ilícitos ou às condutas reprováveis. Desta forma, foram os pressupostos tradicionais construídos a partir dos possíveis comportamentos causadores de danos. Ocorre que hodiernamente se percebe com clareza que a atenção da responsabilidade civil passou do comportamento lesionante para o evento lesivo em si, para o dano injusto sofrido pelo sujeito lesionado. Em outras palavras, há uma nova concepção da responsabilidade civil pela qual se visualiza o fenômeno como reparação do dano injusto à vítima, e não como uma sanção à conduta contrária do direito. Preocupa-se com o dano que, na hipótese de injusto, merecerá reparação, cabendo então ao direito apontar o responsável. Assim, se antes se dizia ‘não há responsabilidade civil sem culpa’, agora pode-se afirmar que ‘não há responsabilidade civil sem dano injusto’.
Dessa maneira, a partir da interpretação da aludida corrente que propõe uma nova forma de se enxergar os pressupostos da responsabilidade civil, aos casos em que ocorre abandono afetivo paternal não devem ser aplicados os tradicionais pressupostos da responsabilidade civil, sendo primordial, primeiro “avançar sobre as peculiaridades das relações entre familiares” e, ainda, “destacar a necessária tutela da vítima, a leitura atenta dos danos e uma postura que, mais do que apenas repará-los, busque também evitá-los” (CALDERÓN, 2013, p. 362).
Alguns autores chegam a sustentar que a responsabilidade civil em direito de família não se enquadraria nem como contratual nem como extracontratual, sendo um terceiro gênero. Parece, contudo, que o mais adequado é entender que a responsabilidade civil familiar não se enquadra em numa das duas hipóteses. Nesta perspectiva, deve-se considerá-la como um terceiro gênero de responsabilidade, uma vez que existem deveres pré – existenciais entre as partes, violados pelo fato danoso, mas estes deveres não têm origem negocial (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2010, p. 403).
Uma apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil sob esse novo viés colocaria como enfoque a vítima e os danos que lhe foram causados, requerendo a averiguação se houve
efetivamente um dano injusto (sofrido pelo ente abandonado afetivamente), se este dano decorreu da ofensa a um interesse juridicamente protegido, se deve ser reparado (com base no sistema jurídico) e se há possibilidade de se imputar tal dever reparatório a alguém (CALDERÓN, 2013, p. 362).
Parte da doutrina que ainda comunga o entendimento de que se deve observar os pressupostos clássicos da responsabilidade civil no seio da família, arrola uma extensa lista que necessariamente deveria ser preenchida para que a situação de abandono afetivo pudesse receber a devida reparação pecuniária, travando critérios rígidos e barreiras incontornáveis que apenas servem para justificar o indeferimento da indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo.
Afinal, o novo olhar sobre o direito de família, através de uma interpretação civil – constitucional, faz com que os rígidos critérios estabelecidos como pressupostos para a aplicação do instituto da responsabilidade civil aos casos de abandono afetivo devam ser flexibilizados.
Mas isto somente ocorre porque o mecanismo da responsabilidade civil é composto, em sua maioria, por cláusulas gerais e por conceitos vagos e indeterminados, carecendo do preenchimento pelo juiz a partir do exame do caso concreto. Como a incidência dos princípios e valores constitucionais se faz, em via imediata, justamente desta maneira, através do preenchimento valorativo destes conceitos, vê-se a constitucionalização da responsabilidade dar-se naturalmente (BODIN, 2006, p. 239).
Assim, por certo haverá notória discricionariedade por parte de cada magistrado ao julgar os casos de abandono afetivo parental, vez que será imprescindível valer-se de fundamentação civil – constitucional e de pressupostos da responsabilidade civil de acordo com o entendimento de cada juiz, o qual poderá filiar-se à tradicional teoria da responsabilidade civil ou desnudar o mais novo posicionamento da doutrina contemporânea.
Não há dúvida, portanto, de que a solução dos novos danos passa, necessariamente, por algum grau de discricionariedade judiciária. Tampouco se discute que parâmetros normativos, ainda que insuficientes para a resposta definitiva à demanda específica, devem ser levados em conta no exercício desta discricionariedade pelos tribunais. O problema que se coloca aqui é não o de determinar critérios a seguir ou o de eleger um critério supranormativo que sirva de base de solução para todos os casos, mas, ao revés, o de estabelecer como extrair dos parâmetros normativos a solução última do conflito de interesses em concreto, sem deixar que esta tarefa se reduza à mera subjetividade do juiz. Como estabelecer à míngua de um posicionamento legal suficiente, qual a área legítima de atuação, em concreto, de cada um dentre os interesses lesivos e lesado? A metodologia atualmente empregada na colisão de princípios constitucionais parecer oferecer subsídio valioso da resposta a esta indagação (SCHREIBER, 2012, p. 140).
Dessa forma, ainda segundo o mesmo autor, a nova interpretação dos institutos de direito civil à luz do advento do neoconstitucionalismo com a irradiação de princípios constitucionais sobre todo o ordenamento jurídico pátrio, “vem exigir uma transformação na abordagem tradicionalmente reservada ao dano, que deve deixar de ser visto como elemento estático e meramente pressuposto das ações de responsabilidade civil”, devendo “ser compreendido como cláusula geral destinada à seleção dos interesses merecedores de tutela, cuja violação dá margem ao dever de indenizar” (SCHREIBER, 2012, p. 249).
Portanto, pode-se afirmar que para a exata compreensão da responsabilidade civil em casos de abandono afetivo, os critérios clássicos devem dar lugar a novos pressupostos comprometidos com o novo olhar trazido sobre o direito das famílias contemporâneo à luz do princípio constitucional da afetividade.
3.2. Responsabilidade civil e ofensa à dignidade humana
A seara da responsabilidade civil vem passando por significativas transformações no ordenamento jurídico pátrio, pois, em que pese haja o mito da completude do ordenamento, o fato é que a realidade antecede o direito, uma vez que “as relações sociais são muito mais ricas e amplas do que é possível conter uma legislação”. Afinal, “a realidade social é dinâmica e a moldura dos valores juridicamente relevantes torna-se demasiado estreita para a riqueza dos fatos concretos” (DIAS, 2013, p. 26).
Para Dias (2013, p. 25), “O ordenamento jurídico possibilita a vida em sociedade e é composto de uma infinidade de normas que, na bela expressão de Norberto Bobbio, como as estrelas do céu, jamais alguém consegue contar”.
No entanto, “ao desaguarem no direito de família, esses novos aportes da responsabilidade por danos encontram, inexoravelmente, os pulsantes temas contemporâneos da afetividade jurídica e da responsabilidade familiar”, como sendo “reflexos do produtivo movimento que se percebe no direito de família brasileiro (que na atualidade exerce um papel de vanguarda)” (CALDERÓN, 2013, p. 345) e, continua o referido autor,
Ou seja, tanto o direito de família como a responsabilidade civil são objeto de releituras contemporâneas, que se adaptam para melhor corresponder aos desafios da atualidade. Ao mesmo tempo, esses dois ramos do direito civil se aproximam e passam a se conectar intensamente, de forma inovadora. Esta percepção é vital para melhor compreensão dos julgados sobre abandono afetivo, que nos mostram que o encontro entre searas do direito civil em evidentes processos de mutação certamente não é tranquilo, embora possa ser promissor (CALDERÓN, 2013, p. 346).
Um excelente exemplo da mutação sofrida pelo direito é o próprio tema do abando afetivo, eis que até o recente julgado do STJ, esse mesmo tribunal já negou em casos análogos anteriores o reconhecimento do afeto como valor jurídico e a reparação pecuniária pelo abandono afetivo parental. Assim, houve uma notória modificação do pensar nos institutos do direito das famílias, que culminou com o atual entendimento esposado pelo STJ. Assim,
A nova postura do nosso Superior Tribunal possui alguns aspectos que podem ser vistos desde logo como positivos, pois supera a posição anterior que negava qualquer possibilidade de reparação apenas com óbices genéricos e formais (como a alegação de que abandono afetivo não era apto a ser considerado como ato ilícito), a qual não se mostrava mais condizente com o atual momento vivido pelo direito civil brasileiro (CALDERÓN, 2013, p. 347).
Insta consignar que a recente posição jurisprudencial adotada pelo STJ traz à baila alguns questionamentos sobre o alcance dessa reparação por abandono afetivo em casos concretos, uma vez que essa reparação não deverá ocorrer a toda e qualquer omissão e ausência afetiva paterna, cabendo, pois, à doutrina e à jurisprudência pátrias o papel de enfrentar tais questionamentos.
Além disso, não é suficiente somente a fundamentação na Constituição Federal para a aplicação da reparação por danos morais causados pelo abandono afetivo, sendo também imperioso a apreciação de dispositivos infraconstitucionais do direito privado, senão vejamos a seguir.
3.3. As relações familiares à luz da responsabilidade civil
As inegáveis transformações ocorridas na estrutura familiar nos últimos tempos desnudaram uma nova concepção do direito das famílias, o qual se encontra mais livre para atuar em consonância com a realidade social ao seu redor, menos sedimentado pela formalidade da lei e mais compromissado com a efetividade e a “oxigenação” trazida pela interpretação civil-constitucional. Assim, o direito das famílias contemporâneo assume um novo viés em que a orientação dos laços familiares se dá a partir da afetividade.
Porém, conforme elucida Calderón (2013, p. 348),
O tratamento jurídico conferido à temática da responsabilidade pela majoritária doutrina de direito de família segue muito restrito e não retrata sua dimensão ética, limitando-se, em geral, a destacar apenas o aspecto da responsabilidade civil (no sentido estrito da busca de um responsável por determinado ato pretérito). Esta percepção, embora útil e relevante, se mostra insuficiente para tutela plena das relações familiares.
Desta feita, na seara do direito de família, o instituto da responsabilidade civil ainda não foi aprofundado de maneira que corresponda aos anseios da família contemporânea e ao novo olhar sobre o direito das famílias. O julgado do STJ em questão representou um avanço a passos largos na evolução e no (re) pensar sobre a responsabilidade civil no seio da família, pois “uma vez comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado” (DIAS, 2013, p. 470).
Mas, ainda a responsabilidade civil necessita ser melhor redesenhada no âmbito da família, emprestando para si valores éticos e morais, e se enchendo de fundamentos extraídos de princípios constitucionais, como o princípio da afetividade, para que somente assim possa ser satisfatoriamente usufruído pelo direito das famílias.
No Direito, de um modo geral, o sentido tradicional da responsabilidade vem sendo questionado ao desalojar de seus lugares pressupostos outrora tão consolidados, como o da culpa, do nexo causal e do dano; no Direito de Família, em particular, é premente uma outra dimensão da responsabilidade, para além da responsabilidade civil (SANCHES, 2013, p. 157).
Por sua vez, Calderón (2013, p. 350) perfilha entendimento segundo o qual, “a responsabilidade que decorre para os genitores com sua prole não se restringe à mera responsabilidade civil, voltada ao passado reparadora”, tendo um papel muito mais primoroso, qual seja, “envolve também a dimensão ética da responsabilidade, voltada a uma conduta futura desejável, dirigida para a criação e cuidados dos filhos”. E, continua o aludido autor,
Esta dimensão ética de responsabilidade deve orientar o tratamento a ser conferido aos casos de abandono afetivo, constituindo-se em força motriz na busca da conscientização quanto às consequências do comportamento omisso parental nas relações familiares. Muito mais do que apenas reparar o dano, há que se empreender esforços na tentativa de procurar evitar a ocorrência desse dano existencial.
Portanto, a finalidade principal da reparação civil em casos de abandono afetivo não é penalizar o genitor ausente por seu distanciamento com o filho rejeitado, mas sim atuar com sua feição pedagógica de orientar que essa não é a correta atitude a ser seguida. Mas, se, em todo caso, houver o abandono afetivo parental, outra saída não haverá senão a de penalizar o pai ausente em decorrência da ausência perpetrada em detrimento dos filhos rejeitados.
3.4. Da reparação do dano afetivo ao filho decorrente do abandono paterno-filial
Quanto à reparação do dano afetivo decorrente do abandono paternal, Tartuce (2012, p. 11) apresenta a doutrina separada por dois posicionamentos. O referido autor destaca que uma parte da doutrina, na qual ele próprio se enquadra, seria favorável à reparação, a exemplo de Paulo Lôbo, Giselda M. F. N. Hironaka e Rolf Madaleno, enquanto que outra parte menos expressiva da doutrina seria desfavorável à fixação do dano afetivo, quais sejam, Regina Beatriz Tavares da Silva, Judith Martins-Costa e Murilo Sechiero Costa Neves.
A fim de demonstrar a subjetividade do tema em questão, traz-se à baila um acórdão do próprio STJ do ano de 2006, em que o abandono afetivo não foi caracterizado como dano a ensejar reparação civil, senão vejamos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159. do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. Por sua vez, outra corrente defende que não existe obrigação legal de companhia e afeto”. (STJ-REsp. 757.411/MG – Rel. Min. Fernando Gonçalves – Quarta Turma – DJ 27.03.2006) APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
(TJPR – 10ª C. CÍVEL – AC 639544-4 – Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Nilson Mizuta – Unânime – J. em 04.03.2010)
Nas palavras de Tartuce (2012, p. 1),
Em decisão anterior, o STJ acabou por concluir que não caberia indenização a favor do filho em face do pai que o abandona moralmente (STJ, REsp 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 27/03/2006, p. 299). Sustentou-se que não haveria qualquer ato ilícito na conduta do pai que abandona afetivamente o filho, pois o afeto não pode ser imposto na referida relação parental, não sendo o caso da existência de um dever jurídico de convivência. (grifo nosso)
Para Calderón (2013, p. 353), a relatora Ministra Nancy Andrighi “foi taxativa em reafirmar a possibilidade de responsabilização civil nas relações familiares, ainda que apenas por dano moral (extrapatrimonial)”, afastando o posicionamento divergente, ao afirmar em um trecho do seu voto que “não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar” no seio da família.
A Ministra Relatora, ainda em seu voto, desnudou a argumentação que era feita até então de que o ordenamento jurídico somente previa a possibilidade de perda do poder familiar nos casos de abandono afetivo, elucidando que o instituto da perda do poder familiar possui finalidade bem diversa do objetivo do reconhecimento da responsabilidade civil por abandono afetivo, senão vejamos:
Nota-se, contudo, que a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhes, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindo do mal cuidado recebidos pelos filhos
(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
A esse respeito, DIAS (2013, p. 470) ainda acrescenta que,
A negligência justifica, inclusive, a perda do poder familiar, por configurar abandono (CC 1.638 II). Porém, esta penalização não basta. Aliás, a decretação da perda do poder familiar, isoladamente, pode constituir-se não em uma pena, mas bonificação pelo abandono. A relação paterno-filial vem assumindo destaque nas disposições sobre a temática da família, deixando clara a preocupação com os filhos como sujeitos, e não como assujeitados ao poder paterno ou, mais especificamente, ao poder do pai.
Dessa maneira, “é inegável que as regras da responsabilidade civil também se aplicam aos conflitos decorrentes das relações familiares, na esteira do que restou bem lançado no referido voto da relatora e ementa do julgado” (CALDERÓN, 2013, p. 354).
A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral (DIAS, 2013, p. 471).
Contudo, impende destacar que a aplicação das regras de responsabilidade civil no seio da família deve ser adaptada às peculiaridades que a família possui, não sendo possível a aplicação cega da responsabilidade civil feita especialmente para contratos e negócios jurídicos, visto se destinarem a reger situações completamente diversas, uma vez que,
Viver em família é totalmente distinto de travar uma relação comercial, trabalhista ou mesmo de receber um ato administrativo de determinado ente público. Entre as incontáveis distinções, em regra, as relações familiares são para grande parte da vida da pessoa, se dão na base da confiança, na oralidade, informalidade, se espraiam no tempo, enfim, são diferentes de grande parte das outras relações que são tuteladas pelo direito civil (CALDERÓN, 2013, p. 355).
A esse respeito, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em seu voto, se manifestou no sentido de que “a responsabilidade civil por dano moral no Direito de Família deve ser analisada com cautela”, pois as relações no seio da família são carregadas por sentimentos, causando mais dor e alegria do que em qualquer outra seara da vida de uma pessoa (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Por esse motivo, “pela própria natureza delicada dos relacionamentos familiares, a responsabilidade civil no Direito de Família não pode ser equiparada à responsabilidade civil extracontratual em geral”, senão se provocaria uma formalidade que não existe no lar e no seio da família, além de se ensejar uma verdadeira patrimonialização do relacionamento familiar, que é o berço no qual todo ser humano guarda suas maiores emoções, sejam felizes ou não, sendo a origem e a essência de toda pessoa (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
3.5. Pressupostos e elementos do dever de indenizar por abandono afetivo
3.5.1. Previsão legal
Para a correta compreensão do alcance da responsabilidade civil que se propõe com a quantificação pecuniária do dano afetivo é imprescindível que se faça uma interpretação do caso concreto à luz princípios extraídos do âmago da Constituição Federal para que somente assim se possa debruçar, de forma adequada e com o devido preparo, sobre a questão em estudo.
A esse respeito, Cortiano Júnior (2010, p. 9) assevera que,
O novo Código Civil, no passo da abertura do sistema e da tendência objetivista da responsabilidade civil, lançou novas bases dogmáticas para essa renovação; tais bases, ao mesmo tempo que devem algo à doutrina anterior, exigem dela novas tendências, estudos e reflexões. Exigem, pois, uma nova doutrina.
Desta feita, “Aplicar pontual e isoladamente as categorias clássicas de ato ilícito, imprudência, negligência, imperícia, culpa, nexo causal e dano, a partir de conceitos estáticos de família, parentesco e poder familiar”,
muitas vezes em considerar tanto a realidade concreta como os princípios e os valores constitucionais atinentes, pode não contribuir para a construção de soluções adequadas aos casos de abandono afetivo (CALDERÓN, 2013, p. 334-335).
Não que se esteja aduzindo que os conceitos clássicos e a tradicional doutrina não tenham seu valor. O que se afirma é que, a par desses conhecimentos de inegável importância, precisa-se ir mais além, sendo imprescindível uma interpretação civil-constitucional diante da oxigenação pela qual passou o direito das famílias após a irradiação sobre si dos princípios constitucionais. E, nesse aspecto,
Parte considerável da doutrina e da jurisprudência vem contribuindo para atualização constante dos institutos de direito de família e das categorias da responsabilidade civil, ramos que são objeto de profícua reconstrução contemporânea no cenário jurídico brasileiro (CALDERÓN, 2013, p. 335).
Conforme o escólio de Hironaka (2009, p. 193),
A crise do sistema clássico da responsabilidade civil está a exigir esta revisão crítica que se fará obrigatoriamente por intermédio da leitura da própria história dos povos, da reedição do diálogo entre o direito e a sociedade e da reapreciação dos fatos da vida como se apresentam hodiernamente e como influenciam a trajetória da esfera jurídica dos homens.
Conforme os termos do Informativo de Jurisprudência nº 496, do STJ, que informou acerca do resultado do julgado em estudo, “O abandono afetivo decorrente da omissão do genitor no dever de cuidar da prole constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável”. Ainda, o referido julgado continua elucidando que,
O non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, no caso, o necessário dever de cuidado (dever de criação, educação e companhia), importa em vulneração da imposição legal, gerando a possibilidade de pleitear compensação por danos morais por abandono afetivo.
Outrossim, o STJ pacificou o entendimento de que “não há restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e ao consequente dever de indenizar no Direito de Família” e, ainda, que
O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento pátrio não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas concepções, como se vê no art. 227. da CF (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Segundo o voto da Ministra Relatora, o abandono afetivo poderia ser compreendido como “a constatação de uma ofensa ao dever de cuidado, que estaria presente em nosso sistema jurídico, ainda que não de modo expresso, mas sim com outras denominações” (CALDERÓN, 2013, p. 356), tendo a Relatora de manifestado com as seguintes palavras:
Essa percepção do cuidado como tendo valor jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa no art. 227. da Constituição Federal. […] Aqui não se fala ou discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
Desse modo, o cuidado foi erigido a valor jurídico e, caso o genitor não cumpra com o seu dever jurídico de cuidado, responderá por sua omissão legal, pois a lei estabelece de forma implícita o dever legal de cuidado. Para Barboza (2011, p. 88),
Reconhecido como valor implícito do ordenamento jurídico, o cuidado vincula as relações de afeto, de solidariedade, de responsabilidade não só familiar, pois é ‘preciso identificar o cuidado dentre as responsabilidades do ser humano como pessoa e como cidadão’. Nesse sentido o cuidado conduz a compromissos efetivos e ao envolvimento necessário com o outro, como norma ética da convivência. Entendido como ‘valor informado da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva nas situações existenciais’, tem importante papel da interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Para a aludida autora, o dever implícito de cuidar do filho estaria compreendido em:
Ações concretas, atitudes e valores devem evidenciar o cuidado com os filhos, desde o que diz respeito ao seu conforto físico e psíquico, a higiene do corpo e do ambiente, o apoio emocional e espiritual, até a proteção no sentido de segurança. Aqui também estão presentes diferentes significados de cuidado, como aceitação, compaixão, envolvimento, preocupação, respeito, proteção, amor, paciência, presença, ajuda, compartilhamento.
Ainda, é salutar reiterar que o dever de cuidado não se confunde com o amor, sendo esse um ponto nodal que fora muitas vezes utilizado como justificativa e como empecilho para o não reconhecimento da reparação por dano moral decorrente de abandono afetivo. Nesse ponto, o trecho em que a Relatora do julgado afirma que “amar é faculdade, cuidar é dever”, elucida como amar e cuidar são valores diferenciados e não se confundem entre si.
Até mesmo porque, o cuidado com o filho pode ser mensurado objetivamente através da observação concreta dos atos e atitudes paternas que podem atestar o cumprimento do dever de cuidado, como a presença no cotidiano do filho, o amparo, a solidariedade em suas ações e a convivência, enquanto o amor, como sentimento subjetivo que é, não permite a valoração pelo julgador.
Para Calderón (2013, p. 359), “a subjetividade inerente ao amor impede que este seja tratado como categoria jurídica, visto que o Direito exige, para sua fundamentação e aplicação, um mínimo de objetividade”, sendo que “amar é uma coisa, cuidar, outra”. A esse respeito, Rodrigues Junior (2012, p. 4) aduz que,
O ‘amor’, e é bom que se volte a ele, definitivamente, não é jurídico. Sua juridicização pode até ocorrer, o que realmente se deu em casos excepcionais na legislação nacional e estrangeira. […] As fronteiras do amor e do Direito devem ser mantidas, ainda que exceções sirvam apenas para confirmar a diferença de planos. O ‘amor’ não pode ser o novo ‘deus laico. Ele é sublime demais para se conspurcar com o Direito, que só é nobre quando seus realizadores conseguem sê-lo.
Assim, a paternidade responsável veio para concretizar o fato de que “a convivência dos filhos com os pais não é direito, é dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele”, pois “o distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida” (DIAS, 2013, p. 470). Desse modo,
O adimplemento do dever de visita sempre ficou exclusivamente à mercê da vontade do genitor, que escolhia a seu bel-prazer a hora, o dia e a periodicidade de buscar os filhos. A estes só cabia aguardar pacientemente que o pai resolvesse vê-los. Também às vezes era o guardião que impedia o direito de visita do outro genitor, por vingança, decorrente de sentimento de abandono pela separação e, não raro, do inadimplemento da obrigação alimentar. Também é possível, ainda, imaginar hipóteses em que a “culpa” pelo abandono afetivo da prole possa ser imputado a ambos os genitores.
Verifica-se, portanto, que aquela tradicional concepção de que a única obrigação do genitor em relação à prole era a de pagar pensão alimentícia, já se encontra superada diante de uma interpretação civil – constitucional. Assim, diante do novo olhar sobre o direito das famílias, o qual enxerga a família como berço de afetividade e solidariedade, não é mais suficiente que o genitor apenas cumpra com sua obrigação de fornecer bens materiais ao filho, como se assim pudesse ficar livre dos filhos. O que prevalece na contemporaneidade são os laços de afetividade que são primordiais para um desenvolvimento psíquico, emocional e moral saudáveis da criança e do adolescente que, de agora em diante, não mais poderão ser rejeitado pelo genitor ou relegados a segundo plano, pelo menos perante o Poder Judiciário não mais!
3.5.2. Ato ilícito
Até o advento do recente entendimento do STJ, a maioria dos pedidos de reconhecimento abandono afetivo e de sua consequente reparação civil eram indeferidos pelos magistrados sob a fundamentação de o abandono afetivo não poderia ser considerado um ato ilícito.
Todavia, a doutrina mais recente, amparada pela nova jurisprudência trazida pelo STJ, representada por Tartuce (2012, p. 2), se manifesta no sentido de que,
Essa nova decisão, a qual se filia, demonstra um profundo impacto do reconhecimento do afeto como verdadeiro princípio da nossa ordem. Partindo-se para a análise técnica da questão, pontue-se que o dever de convivência dos pais em relação aos filhos menores é expresso pelo art. 229. da CF/1988 e pelo art. 1.634, incs. I e II do CC/2002. Se a violação desse dever – que se contrapõe a um direito subjetivo equivalente -, causar dano, estarão presentes os requisitos do ato ilícito civil (art. 186. do CC/2002). (grifo nosso)
Para o STJ, através de entendimento esboçado pelo referido Informativo nº496, “o descumprimento comprovado da imposição legal de cuidar da prole acarreta o reconhecimento da ocorrência de ilicitude civil sob a forma de omissão”, pois “tanto pela concepção quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole que ultrapassam aquelas chamadas necessarium vitae”. E, continua o aludido Informativo elucidando que,
É consabido que, além do básico para a sua manutenção (alimento, abrigo e saúde), o ser humano precisa de outros elementos imateriais, igualmente necessários para a formação adequada (educação, lazer, regras de conduta etc.). O cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, é um fator indispensável à criação e à formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica, capaz de conviver em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania.
Por sua vez, a Ministra Relatora Nancy Andrighi, explicou que, na apreciação do caso concreto de abandono afetivo em tela, “não se discute o amar – que é uma faculdade – mas sim a imposição biológica e constitucional de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos” (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Salientou a Ministra que “os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna e o tratamento como filha de segunda classe, que a recorrida levará ad perpetuam, é perfeitamente apreensível” e decorrem “das omissões do pai (recorrente) no exercício de seu dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela”, o que caracterizaria o dano in re ipsa, ensejando, assim, a devida reparação monetária pelo distanciamento do pai sofrido pela filha, o qual ainda a tratava com diferença em relação a outro filho havido de outro relacionamento (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Desta feita, com arrimo na fundamentação acima apresentada, foi dado provimento ao recurso do genitor tão somente para reduzir o valor da condenação por danos morais de R$ 415 mil para R$ 200 mil, com a devida correção a partir da data do julgamento proferido pelo tribunal de origem.
O julgado em questão do STJ, o qual serviu de paradigma para o advento da nova concepção no direito de família no sentido da possibilidade jurídica da existência de dano moral decorrente do abandono afetivo, considerou a ausência do genitor no cotidiano da filha como uma conduta omissiva, ainda que o pai tenha sempre adimplido com a obrigação alimentar em relação à filha.
Ao considerar a conduta omissiva do pai como um ato ilícito, o qual produz consequências no ordenamento jurídico, o STJ sedimentou o entendimento de que o cuidado é imperioso para o “desenvolvimento e a formação psicológica do infante, de modo que configuraria verdadeira obrigação dos pais o atendimento a este dever jurídico, sendo a negligência não justificável” um verdadeiro ato ilícito civil e culposo, segundo posicionamento do acórdão em tela (CALDERÓN, 2013, p. 365).
Como se trata de ato ilícito, para a correta aplicação da responsabilidade civil em casos de abandono afetivo, importa em verificar no caso concreto se há alguma hipótese de causa excludente de ilicitude, que neste caso seria o afastamento do genitor em virtude de circunstância alheias à sua vontade, seja por obstáculo colocado pela genitora, em situações em que o genitor não tem conhecimento de que tem um filho, ou nos casos em que a genitora impede seu convívio ou até mesmo seu contato com o filho, casos esses em que é comum a presença da chamada alienação parental.
Ainda, existem casos em que o genitor não convive com seu filho por morar em outra cidade ou em outro país, o que também configuraria uma excludente de ilicitude, pois a convivência no cotidiano da criança não se deu em razão da distância entre as cidades. Vale lembrar que esse argumento pode se tornar inválido diante da moderna tecnologia que tem cada vez mais aproximado as pessoas, motivo pelo qual cada caso deve ser apreciado concretamente diante de suas particularidades e perante a constatação dos esforços que o genitor empreendeu para estar o mais próximo possível de seu filho, apesar da distância física.
Sendo assim, o acórdão paradigma considerou como reprovável juridicamente a conduta omissiva que enseja o abandono afetivo, considerando-a como um ato ilícito culposo, em virtude da negligência do genitor.
3.5.3. Dano e nexo de causalidade
Os impactos negativos da ausência do genitor na vida do filho podem perfeitamente ser atestados por exames e laudos psicológicos, mas o mais importante é mencionar que o acórdão paradigma do STJ considerou que o dano moral nessa caso é in re ipsa.
Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 86).
Desta feita, o STJ entendeu como sendo “desnecessária qualquer prova dos danos pleiteados, posto que, em casos de abandono afetivo, estes seriam presumíveis para quem sofreu com a conduta tida como ilícita”, ou seja, “quem passou a infância e adolescência sem conviver afetividade com seu genitor, como filho e pai)”, pois tal ausência, nas palavras do voto da Relatora Ministra Nancy Andrighi, gerou
[…] sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação
(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
No caso em questão, em que pese a vítima tenha crescido sem o pai e tenha conseguido superar toda sorte de dificuldades emocionais e pessoais decorrentes do sentimento de abandono, tendo se formado, se casado, tido filhos, mas mesmo assim o STJ considerou que a omissão paterna gerou sofrimento, mágoa e tristeza, os quais já configuram danos suficientes a ensejar a responsabilidade civil.
De modo mais amplo, os direitos de personalidade oferecem um conjunto de situações definidas pelo sistema jurídico, inatas à pessoa, cuja lesão faz incidir diretamente a pretensão aos danos morais, de modo objetivo e controlável, sem qualquer necessidade de recurso à existência da dor ou do prejuízo. A responsabilidade opera-se pelo simples fato da violação (damnu in re ipsa); assim, verificada a lesão a direito da personalidade, surge a necessidade de reparação do dano moral, não sendo necessária a prova do prejuízo, bastando o nexo de causalidade (LÔBO, 2002, p. 347).
Outrossim, sendo o dano presumível, do mesmo modo é presumível o nexo causal decorrente da conduta omissiva paterna, tendo o acórdão em referência tratado do nexo causal tão somente nessa passagem:
esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício do seu dever de cuidado em relação à recorrida.
Contudo, Calderón (2013, p. 367) chama atenção para o fato de que nos casos de abandono afetivo deve ser exigida alguma relação entre a conduta omissiva paterna e os danos causados ao filho que devem ser indenizados, pois
Parece prudente exigir alguma vinculação dos danos com a conduta omissiva comprovada. Isto porque, não se mostra razoável permitir que, por não cumprir seu dever de cuidado, venha o genitor a responder por todo e qualquer dano presente na vida da pessoa que foi um dia abandonada afetivamente.
Isso porque, nas palavras de Moraes (2010, p. 432),
O ressarcimento, ou a compensação, dos danos morais não pode mais operar, como vem acontecendo, no nível do senso comum. Sua importância no mundo atual exige que se busque atingir algum grau de tecnicidade, do ponto de vista da ciência do direito, contribuindo-se assim para construir uma categoria teórica que seja elaborada o suficiente para conter as numerosas especificações do instituto. A ausência de rigor técnico e de objetividade da concepção da categoria tem gerado prejuízos ao adequado desenvolvimento do instituto da responsabilidade civil, além de perpetrar, quotidianamente, graves injustiças e incertezas aos jurisdicionados.
Esse posicionamento que denota certa preocupação com a inexistência de necessidade de comprovação dos danos causados à vítima pelo pai ausente se justifica diante do fato de que judicialmente para ser concedido dano moral, deve ser comprovado ao juiz o dano moral objetivo, sendo que o dano moral subjetivo, que é o sentimento da vítima, a sua dor e sua tristeza, são presumidos como presentes no momento em que se verifica a existência do dano moral objetivo, que é a lesão à dignidade da pessoa humana.
Faz-se necessária a adoção de critérios que permitam tal distinção, tendo em vista as diversas peculiaridades inerentes à incidência da responsabilidade civil no interior das relações familiares. Alguns chegam a citar o risco de uma “indústria do amor”, o que parece exagerado. Ainda assim, impende anotar que devem ser edificadas balizas jurídicas que permitam distinguir quais situações jurídicas são merecedoras de tutela jurisdicional indenizatória e quais não o são. […] Este proceder pode também contribuir para que se evite um incetivo despropositado ao ajuizamento de ações judiciais nesse sentido, de casos nos quais a reparação não seria cabível, situação esta que poderia até desestabilizar lares que seguem com razoável tranquilidade (Moraes, 2010, p. 432).
No entanto, no caso do abandono afetivo, o STJ fixou entendimento no sentido de que exatamente por ser a dor do abandono afetivo um elemento subjetivo que está no âmago e no coração de quem sente, não haveria como provar o dano moral subjetivo. Mas, importante ressalva é feita pela corrente doutrinária acima mencionada, para a qual, deveria haver nos casos de abandono afetivo também a necessidade de uma comprovação da existência do dano moral objetivo.
Os casos de abandono afetivo podem gerar danos patrimoniais ou extrapatrimoniais à vítima, ferindo a dignidade da pessoa humana, devendo o enfoque ser sobre a pessoa da vítima e o dano que fora causado, conforme aduz Hironaka (2010, p. 226):
A visualização primeira deve ser o dano e não a sua origem ou causa, propriamente ditas, pois o que corre à frente é a circunstância da vítima do dano. É pela vítima e pela expectativa de reorganizar, tanto quanto seja possível, a essência lesada que se procura sistematizar um novo perfil para a responsabilidade civil – como se esboça neste estudo -, quando a ausência afetiva tenha produzido danos ao partícipe da relação paterno – filial, mormente o filho.
Para Calderón (2013, p. 372), “os danos patrimoniais decorrentes dessa modalidade de abandono devem ser alegados e comprovados – com o que poderão ser indenizados”, pois para o aludido autor, “resta presente a necessidade de se demonstrar, conforme exposto, a ligação desses danos materiais com o abandono”. Nesse sentido, para Cavalieri Filho (2009, p. 84),
Dor, vexame, sofrimento e humilhação são possível consequência, e não causa. Assim como febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame, sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém.
Assim, consoante o escólio de Calderón (2013, p. 373), a ofensa à esfera extrapatrimonial da vítima, que diz respeito à esfera existencial do lesado, deveria ser comprovada, como é o caso de “um dano psíquico decorrente do abandono afetivo”. Todavia, caso a ofensa não tenha produzido um efeito extrapatrimonial aferível, como o mencionado dano psíquico, seria despicienda qualquer prova de dor ou sofrimento decorrente da ofensa em juízo, pois conforme entendimento do STJ, quanto ao aspecto subjetivo do dano “sempre haverá presunção judicial quanto à dor, sofrimento, humilhação ou vergonha”.
Desse modo, para essa parte da doutrina, uma coisa seria a ofensa ao interesse extrapatrimonial da vítima, que seria provada pela prova concreta do dano, e outra coisa seria a dor, o sofrimento ou a tristeza da vítima causados pela ofensa, sendo esses tão somente efeitos da ofensa perpetrada e que não necessitariam ser provados, uma vez que são presumidos. Ao esposar esse entendimento, iria-se distinguir a lesão em si da dor e do sofrimento que ela causou.
Caberá, in casu, ao requerente do pedido reparatório decorrente de abandono afetivo descrever quais foram as lesões à sua esfera extrapatrimonial, sendo esta tarefa essencial. Portanto, é necessária a descrição da ofensa ao direito da personalidade da vítima e da sua vinculação com a conduta reprovável do infrator. Repita-se que a demonstração deste aspecto do dano (objetivo) se restringe a comprovação da ofensa e sua esfera existencial. Por óbvio, os danos extrapatrimoniais decorrentes de abandono afetivo não se restringem aos casos em que houve uma sequela psíquica para a vítima. Estas sequelas são inerentes ao seu aspecto subjetivo (tal como a dor ou o sofrimento), e podem estar presentes ou não, mas não são pré-requisito para se constatar a presença do dano indenizável. Fato é que, havendo abalo psíquico para a vítima em decorrência do abandono, restará mais do que comprovado o dano moral compensável (CALDERÓN, 2013, p. 375).
Assim, para a corrente apresentada acima, ainda que o STJ tenha perfilhado entendimento de que seja desnecessária qualquer comprovação de dor ou de sofrimento causados à vítima, é luzente que a vítima deverá, ao menos, mencionar quais as lesões provocadas à sua esfera existencial objetivamente e o respectivo liame existente com o abandono afetivo sofrido.
Para Calderón (2013, p. 379), “a relevância do dano no contexto atual da responsabilidade civil não pode ser ignorada. Consequentemente, deve ser comprovada a alegada lesão à esfera extrapatrimonial em apreço”, prova essa que não seria da dor, do sofrimento ou da tristeza. É cediço que seria prudente a exigência de alguma prova do dano de forma concreta e objetiva nos casos concretos de abandono afetivo.
A esse respeito acrescenta Schreiber (2012, p. 182),
Isto não exclui o dever do autor de demonstrar que tal interesse foi efetivamente afetado, ou seja, que a ausência de sustento, guarda, companhia, criação ou educação afetaram concretamente a formação da sua personalidade.
Nesse sentido, vaticina Calderón (2013, p. 380) que,
É evidente que o desenvolvimento da infância e da adolescência sem o convício afetivo paterno / materno se dá com prejuízo à integridade pessoal, à esfera da dignidade humana e aos direitos da personalidade de quem foi abandonado. A ausência de um efetivo vínculo afetivo paterno / materno deixa marcas que não podem ser mitigadas. Não se pretende aqui afastar uma presunção de tal magnitude. Também não se defende que a vítima venha a juízo provar sua dor, seu sofrimento anímico. Estas questões subjetivas são presumíveis e devem continuar sendo, mesmo nos casos de abandono afetivo (sob pena de retomarmos barreiras probatórias que levem à total irreparabilidade desses danos). O que se sustenta, aqui, é apenas que se exija um mínimo de demonstração de que efetivamente existiu uma lesão à esfera extrapatrimonial do ofendido, uma ofensa à dignidade e à personalidade da vítima com tal afastamento, que a ofensa se consubstanciou faticamente, que o convívio não foi suprido por outrem, que a vítima desenvolveu sim sua infância e sua adolescência sem o exercício efetivo daquele vínculo parental e que isto trouxe consequências objetivas na sua formação.
Por sua vez, Moraes (2010, p. 450), discorre especialmente sobre as consequências da situação de abandono afetivo:
Há que se melhor explicar o posicionamento aqui defendido. Para configuração de dano moral à integridade psíquica de filho menor, é preciso que tenha havido o completo abandono por parte do pai (ou da mãe) e a ausência de uma figura substituta. Se alguém ‘faz as vezes’ de pai (ou de mãe), desempenhando as suas funções, não haverá dano a ser indenizado, não obstante o comportamento moralmente condenável do genitor biológico. Não se admite qualquer caráter punitivo à indenização do dano moral. Não se trata, pois, de condenar um pai que abandonou seu filho (eventual ‘dano causado’), mas de ressarcir o dano sofrido pelo filho quando, abandonado pelo genitor biológico, não pôde contar nem com seu pai biológico, nem com qualquer figura substituta, configuram-se, então, só aí, o que se chamou de ‘ausência de pai’ (isto é, ausência de figura paterna).
É inegável, porém, que é de suma importância perquirir se o papel do genitor ausente não foi preenchido por outra pessoa, como um avô, configurando a paternidade socioafetiva. Para parte da doutrina, esse vínculo socioafetivo estabelecido com outra pessoa seria tão relevante que afastaria por si só a lesão ocasionada pelo abandono afetivo, enquanto que, para outra parte da doutrina, os laços afetivos nutridos pelo pai socioafetivo nunca romperiam os danos ocasionados pelo abandono afetivo do genitor biológico.
As relações familiares são influenciadas por incontáveis pormenores e fatos que se sucedem ao longo do tempo, na intimidade do lar, no torvelhinho das relações em família. Tudo isso corrobora a posição de se exigir uma prova mínima da lesão sofrida pela vítima, da ausência de suprimento por outrem do vínculo não exercido pelo genitor, da consagração fática ao longo do tempo daquele distanciamento parental, deixando as presunções apenas para p aspecto subjetivo do dano, de modo a se adotar um filho que permita “separar o joio do trigo” (CALDERÓN, 2013, p. 384).
Como as relações familiares são muito dinâmicas, seria possível ainda haver o caso de multiparentalidade, casos em que o abandono afetivo se deu apenas por determinados períodos de tempo na vida do filho, casos em que a pessoa cresce sem saber quem é seu pai biológico, mas é amado e bem cuidado em um lar repleto de afeto por um pai socioafetivo. Inúmeras são as estruturas familiares e cada caso concreto merece ser apreciado com especial cuidado, por isso que, de fato, “sustenta-se que não se deve considerar o dano moral decorrente dos casos de abandono afetivo sempre e totalmente in re ipsa”, pois “alguma prova objetiva, ainda que estreita, pode ser perquirida conforme cada caso concreto apresentado”, não se apresentando uma solução única para casos tão diversificados (CALDERÓN, 2013, p. 384).
3.6. O preço da dor do abandono nos tribunais brasileiros
O julgado do STJ em estudo veio em boa hora para solucionar alguns percalços sobre os quais a jurisprudência até então se esbarrava e, em virtude deles, acabava por negar a reparação por abandono afetivo.
Uma relevante elucidação foi o afastamento do conceito de afetividade com o conceito de amor, pois até então muitos julgados faziam alusão ao afeto como se fosse sinônimo de amor e, considerando que ninguém pode ser compelido a amar outra pessoa, ainda que seja seu filho, os tribunais acabavam por não reconhecer a obrigação de reparação por dano afetivo. No entanto, consoante melhor esclarece Tartuce (2012, p. 1),
Para os devidos fins de delimitação conceitual, deve ficar claro que o afeto não se confunde necessariamente com o amor. Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas, podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente, ambas as cargas estão presentes nas relações familiares.
No mesmo sentido, para Calderón (2013, p. 348),
Afetividade não se confunde com o amor, visto que este último escapa ao Direito; já a afetividade decorre de uma atividade concreta exteriorizadora de uma manifestação de afeto. Ao ser reconhecida pelo direito, assume o perfil de afetividade jurídica a partir das balizas que lhes são impostas. Para um melhor tratamento jurídico da afetividade deve ser destacada tal distinção.
Assim, para a relatora do julgado em apreço, a Ministra Nancy Andrighi, o dano moral por abandono afetivo se faria presente no caso concreto em questão “diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico”. Sendo assim,
A magistrada deduziu pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: ‘amar é faculdade, cuidar é dever’ (TARTUCE, 2012, p. 2).
Em que pese o entendimento dos ministros não tenham sido por unanimidade, tendo havido voto em posição contrária do Ministro Massami Ueda, o qual se posicionou em prol do entendimento anterior seguido pelo Superior Tribunal, a relatora obteve apoio dos Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino.
Quanto à conceituação do que seja o abandono afetivo, Calderón (2013, p. 348) assevera que,
Embora seja cada vez mais recorrente e remissão à afetividade tanto pela doutrina como pela jurisprudência de direito de família, ainda não se percebe a consolidação e a estabilização do seu sentido jurídico na atualidade, o que pode ser um dos motivadores das inquietações advindas do referido julgado sobre abandono afetivo. É recomendável o enfrentamento do tema pelos juristas para verticalização desses significados, na esteira do que – de certo modo e ainda que brevemente – fez o acórdão que é objeto da presente análise.
Assim, por ser um tema novo que ainda desperta polêmicas e inquietações nos juristas, não existe no ordenamento jurídico um conceito expresso sobre o que seja abandono afetivo, tendo a jurisprudência e a doutrina um papel fundamental nessa maturação sobre o conceito, o alcance e os limites desse novo instituto consagrado pelo STJ, rompendo com visões tradicionais do direito que, até então, acreditavam que a afetividade não era assunto para o Poder Judiciário.
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás possui julgado do ano de 2013 fixando a indenização por abandono afetivo. Afinal, o juiz de direito, Dr. Danilo Luiz Meireles dos Santos, da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Anápolis, condenou um genitor que foi ausente na criação de seu filho a pagar indenização por abandono afetivo.
Na referida condenação, o valor fixado foi de R$ 22.420,00, além do pagamento de alimentos ao adolescente, na quantia corresponde a 50% do salário mínimo por mês e, ainda, 50% de eventuais gastos com assistência médica, medicamentos e materiais escolares. Para o juiz,
A indenização tem, além do caráter punitivo e compensatório, função pedagógica, pois visa combater as atitudes que afrontam os princípios constitucionais de proteção e garantia da dignidade humana. No caso específico, as consequências psicológicas são consideradas irreversíveis e permanentes, pois nenhuma conduta do pai poderá amenizar os danos do abandono (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, 2013, p. 01).
Em que pese o genitor tenha registrado o filho após o seu nascimento, ele nunca foi presente em seu crescimento, motivo pelo qual o filho alegou em Juízo que a ausência afetiva do pai produziu danos em sua formação psicológica e social.
O juiz entendeu que o abandono afetivo paternal feriu o princípio da dignidade humana, senão vejamos.
A afetividade se trata de um dever familiar, fundamental na formação do menor. Assim, se conclui que não se trata de mensurar os sentimentos, no caso, o amor paterno, mas sim, analisar se houve o descumprimento de uma obrigação legal (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, 2013, p. 01).
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás tem se manifestado em seus julgados favoravelmente a inserção do conceito de afetividade no seio da família. Prova disso é que neste ano, no mês de janeiro, a 4ª Câmara Cível do Tribunal determinou a perda da guarda de trigêmeos recém-nascidos abandonados pelos genitores por 43 (quarenta e três) dias na maternidade.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ABANDONO MATERIAL E AFETIVO. 1. O abandono, capaz de ensejar a destituição do poder familiar, se caracteriza também pela atitude omissiva dos genitores no que diz respeito à saúde, educação, formação, interesses morais, sociais e afetivos dos filhos, elementos essenciais que concorrem para a formação do indivíduo. 2. Na hipótese, tendo os genitores biológicos abandonado os recém-nascidos na maternidade, deixando ambos de se envolver com a criação dos infantes, mesmo após receberem alta hospitalar e, diante da desestrutura familiar e violência conjugal e o abandono material e afetivo dos trigêmeos, a destituição do poder familiar é medida impositiva, em atenção ao princípio do melhor interesse das crianças. 3. APELOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA.
(TJGO, APELACAO CIVEL 243445-19.2011.8.09.0052, Rel. DES. KISLEU DIAS MACIEL FILHO, 4A CAMARA CIVEL, julgado em 18/12/2014, DJe 1708 de 16/01/2015)
Outo exemplo em que o Tribunal de Justiça de Goiás destaca posicionamento pautado pela imprescindível existência de vínculos afetivos no seio familiar é o seguinte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR C/C MEDIDA PROTETIVA DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR E ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. GUARDA PROVISÓRIA DEFERIDA. PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO INTERESSO DO MENOR. 1. A manutenção de criança no seio da família biológica pressupõe a existência de vínculos afetivos, o que costuma se estabelecer com o convívio. De outra parte, verificando-se o abandono da criança pela genitora, a paternidade desconhecida da infante, a boa-fé dos agravantes, o ambiente familiar favorável oferecido pelos guardiões de fato, bem assim o estreitamento do vínculo afetivo estabelecido entre eles e a infante durante o período de convivência, impõe-se a permanência da guarda provisória da menor aos cuidados dos agravantes. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 149949-24.2013.8.09.0000, Rel. DES. ORLOFF NEVES ROCHA, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 22/04/2014, DJe 1532 de 30/04/2014)
Em sua 1ª Câmara Cível, o Tribunal de Justiça goiano foi expresso no sentido de que o abando afetivo merece ser indenizado economicamente, senão vejamos.
AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. VALOR DA PENSÃO. POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE. LIMITADA. REDUÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. DEVIDO. MINORAÇÃO DO QUANTUM. AUSÊNCIA DE FATO NOVO. PREQUESTIONAMENTO. 1. Na fixação do valor dos alimentos ao filho menor o julgador deve avaliar as possibilidades do alimentante, bem como as necessidades do alimentando, nos termos do art. 1.694, § 1º, do Código Civil, a fim de estipular pensão condizente com a situação fática do caso concreto. Constatado que os alimentos afiguram-se desproporcionais à capacidade financeira do alimentante, em razão do comprometimento de seus rendimentos integrais com outros gastos, torna-se razoável a redução do valor da verba fixada pelo magistrado singular. 2. O abandono afetivo por parte do genitor, capaz de gerar dor, vergonha e sofrimento, caracteriza dano moral passível de indenização. O valor arbitrado a título de indenização, deve atender aos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. 3. Se a parte agravante não traz argumento suficiente para acarretar a modificação da linha de raciocínio adotada na decisão monocrática, impõe-se o desprovimento do agravo regimental, porquanto interposto sem elementos novos capazes de desconstituir o ‘decisum’ que deu parcial provimento ao apelo interposto pelo ora agravado. 4. No tocante ao prequestionamento, esclarece-se que dentre as funções do Judiciário não se encontra a de órgão consultivo. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
(TJGO, APELACAO CIVEL 356778-53.2012.8.09.0006, Rel. DR(A). CARLOS ROBERTO FAVARO, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 14/01/2014, DJe 1472 de 27/01/2014) (grifo nosso)
Consoante julgado da 3ª Câmara Cível do mesmo Tribunal, o tema em estudo é naturalmente polêmico na jurisprudência e na doutrina, mas ressalva que para a fixação de ressarcimento pelo abandono afetivo, é imperioso a prova do parentesco, seja ele registral, biológico ou socioafetivo.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO, ALIMENTOS E DANOS MORAIS POR ABANDONO AFETIVO. RÉU REVEL CITADO POR EDITAL. NOMEAÇÃO DE CURADORA ESPECIAL – ART. 9º, II, CPC. EXAME DE DNA CONCLUSIVO. ALIMENTOS. ATENDIMENTO AO BINÔNIMO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE – ART. 1.694, § 1º, CC. DANOS MORAIS POR ABANDONO AFETIVO NÃO CONFIGURADOS NA ESPÉCIE. JUSTIÇA GRATUITA DENEGADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDIMENSIONADOS. […] 5 – A indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo nas relações parentais afigura-se matéria naturalmente polêmica, rendendo acirrado debate na doutrina e jurisprudência. 6. – Ainda que acolhida a tese de que possível o ressarcimento pelo abandono afetivo, consubstanciado no desrespeito aos primados constitucionais e atingindo a esfera dos direitos de personalidade do filho, notadamente o direito a ser cuidado, amado e respeitado, exige-se, para o acolhimento da teoria, a prova do parentesco, seja registral, biológico ou socioafetivo. Isso porque não se pode compelir a conduta de pai a alguém que intimamente não nutre essa convicção, nem punir sujeito que, suspeita-se, seja o genitor, mas não com plena certeza. […] 9 – Apelo conhecido e parcialmente provido.
(TJGO, APELACAO CIVEL 199947-24.2010.8.09.0110, Rel. DR(A). FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 03/12/2013, DJe 1449 de 17/12/2013)
Ainda, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás reafirmou o entendimento sedimentado pelo STJ, favoravelmente à aplicação da responsabilidade civil ao seio familiar, destacando que o genitor que descumpre o dever objetivo de cuidado, pratica ato ilícito na modalidade omissiva, ensejando danos morais por abandono psicológico, caso estejam presentes os requisitos imprescindíveis à responsabilidade civil.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO. 1- O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2- O descumprimento do dever objetivo de cuidado paterno caracteriza ato ilícito na modalidade omissiva, ensejador da compensação por danos morais por abandono psicológico, acaso presentes os requisitos da responsabilidade civil (conduta, dano, nexo de causalidade e dolo/culpa). 3- Não havendo comprovação nos autos de que o pai possuía consciência do vínculo biológico e de sua omissão no dever de cuidado e educação de seu filho anteriormente à realização do exame de paternidade e da propositura da respectiva ação judicial, não há que se falar em omissão voluntária a ensejar ato ilícito e indenização por danos morais, nos termos do artigo 186 do Código Civil, posto que ausente o elemento subjetivo: dolo ou culpa. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJGO, APELACAO CIVEL 372372-97.2010.8.09.0129, Rel. DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 07/08/2012, DJe 1124 de 15/08/2012)
Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também esposa o mesmo entendimento, consagrando a afetividade nos laços familiares e a possibilidade jurídica da fixação de indenização em pecúnia em caso de abandono afetivo. Assim, em seu julgado, a 7ª Câmara Cível do referido Tribunal entendeu que:
[…] A fixação do quantum indenizatório requer prudência, pois, além de se valer para recuperar – quando é possível – o status quo ante, tem função pedagógica e compensatória, com o intuito de amenizar a dor do ofendido. 3. – É razoável o valor fixado na r. sentença, uma vez que a quantia de 100 (cem) salários mínimos nacionais é suficiente, no caso concreto, para indenizar o autor do abalo injustamente sofrido pelo filho apelante. Recurso do réu não conhecido e Recurso do autor desprovido.
(TJRS – 7ª Câm. Cível; ACi nº 70021592407-São Leopoldo-RS; Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel; j. 14/5/2008; v.u.)
A 2ª Câmara Cível do mesmo Tribunal enfatiza, ainda, que a afetividade configura-se como fato tão primordial nos laços familiares que sua ausência poderia ser fundamento suficiente, até mesmo, para a destituição do poder familiar.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ADOÇÃO. REQUISITOS DO ARTIGO 1.638 DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DO INTERESSE DO MENOR. 1. – O poder familiar, antes de ser uma prerrogativa, constitui verdadeiro dever dos pais, a quem incumbe dirigir a criação e educação dos filhos. A sua destituição não é matéria entregue livremente ao arbítrio do Juiz, sendo necessário o atendimento de determinados requisitos, estabelecidos pelo artigo 1.638 do Código Civil. A destituição do poder familiar é sanção também aplicável à mãe ou ao pai que deixaram de demonstrar qualquer sentimento pelos filhos, deixando caracterizado o abandono afetivo. 2. – Declarada a destituição do poder familiar da mãe biológica e reconhecido o fato de que a convivência com a família substituta é a que melhor atende o interesse da menor, é de se julgar procedente o pedido de adoção, com a alteração do nome e averbação junto ao Cartório competente. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
(TJGO, APELACAO CIVEL 286506-34.2004.8.09.0032, Rel. DR(A). AMARAL WILSON DE OLIVEIRA, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 28/09/2010, DJe 684 de 20/10/2010)
Por sua vez, a 1ª Câmara Cível ressaltou, em um caso concreto, que não é suficiente que genitor pague pensão alimentícia à filha, sendo imperiosa sua presença e cuidado no crescimento e no cotidiano da filha, sob pena de a filha sofrer abandono afetivo.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACAO DE SEPARACAO JUDICIAL LITIGIOSA. ALIMENTOS PROVISORIOS. CRITERIO DE FIXACAO DO QUANTUM. PEDIDO DE REDUCAO AFASTADO. VISITACAO. DIREITO GARANTIDO AQUELE QUE NAO DETEM A GUARDA DA INFANTE. […]. III – O DEVER DO PAI NAO SE LIMITA APENAS A CUSTEAR A MANTENCA DA FILHA, MAS TAMBEM DE PARTICIPAR ATIVAMENTE DA VIDA DELA, SOB PENA DA FILHA SOFRER ABANDONO AFETIVO, MORMENTE PORQUE A CRIANCA NAO PRECISA APENAS DO AMPARO MATERIAL, MAS TAMBEM DE CARINHO E DA PRESENCA PATERNA. […]. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE.
(TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 76830-3/180, Rel. DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 06/10/2009, DJe 452 de 04/11/2009) (grifo nosso)
Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, representado por sua 5ª Câmara Cível, em um caso concreto levado à sua apreciação, posicionou-se no sentido de que a ausência afetiva do genitor configura ato ilícito passível de indenização por danos morais, senão vejamos.
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DANOS MORAIS – ABANDONO AFETIVO DE MENOR – GENITOR QUE SE RECUSA A CONHECER E ESTABELECER CONVÍVIO COM FILHO – REPERCUSSÃO PSICOLÓGICA – VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR – INTELIGÊNCIA DO ART. 227, DA CR/88 – DANO MORAL – CARACTERIZAÇÃO – REPARAÇÃO DEVIDA – PRECEDENTES – ‘QUANTUM’ INDENIZATÓRIO – RATIFICAÇÃO – RECURSO NÃO PROVIDO – SENTENÇA CONFIRMADA. – A responsabilidade pela concepção de uma criança e o próprio exercício da parentalidade responsável não devem ser imputados exclusivamente à mulher, pois decorrem do exercício da liberdade sexual assumido por ambos os genitores.
(TJ-MG – AC: 10145074116982001 MG , Relator: Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 16/01/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/01/2014)
Sendo assim, verifica-se que a jurisprudência pátria tem se posicionado favoravelmente à fixação de indenização em caso de abandono afetivo paternal. Contudo, como é natural de um tema tão polêmico, uma parte minoritária esposa entendimento em sentido contrário, senão vejamos.
ACAO DE INDENIZACAO – DANOS MORAIS – ABANDONO AFETIVO – REQUISITOS PARA CONFIGURACAO DA RESPONSABILIDADE CIVIL – INEXISTENCIA. 1. – A RESPONSABILIDADE CIVIL ASSENTA-SE EM TRES INDISSOCIAVEIS ELEMENTOS, QUAIS SEJAM: ATO ILICITO, DANO E NEXO CAUSAL, DE MODO QUE, NAO DEMONSTRADO ALGUM DELES, INVIAVEL SE TORNA ACOLHER QUALQUER PRETENSAO RESSARCITORIA. 2. – O ABANDONO AFETIVO DO PAI NAO RENDE AO FILHO DIREITO A INDENIZACAO, JA QUE NAO NO ORDENAMENTO JURIDICO OBRIGACAO LEGAL DE AMAR OU DE DEDICAR AMOR. 3. – O DANO MORAL DECORRE DE SITUACOES ESPECIAIS, QUE CAUSAM IMENSA DOR, ANGUSTIA OU VEXAME, NAO DE MEROS ABORRECIMENTOS DO COTIDIANO, QUE ACONTECEM QUANDO SAO FRUSTRADAS AS EXPECTATIVAS QUE SE TEM EM RELACAO AS PESSOAS QUE NOS CERCAM. 4. – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENCA MANTIDA.
(TJGO, APELACAO CIVEL 131468-4/188, Rel. DES. GERALDO GONCALVES DA COSTA, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 18/08/2009, DJe 418 de 14/09/2009) (grifo nosso)
O fato é que o novo direito das famílias oxigenado por princípios constitucionais de alta carga axiológica tem feito a comunidade jurídica (re) pensar os velhos posicionamentos e as antigas concepções, mostrando que a principal finalidade do direito das famílias é a busca pela felicidade de seus membros e a efetivação em seu seio dos direitos fundamentais da pessoa humana.
3.6.1. A crescente aceitação na jurisprudência da afetividade
A expressiva novidade em estudo trazida ao ordenamento jurídico ensejou profundas divergências no que concerne ao reconhecimento de que o pai pode ser compelido a pagar indenização por danos morais por não ter sido presente nos momentos mais especiais da vida seus filhos e no seu cotidiano, ainda que tenha sempre cumprido com o seu dever de pagar alimentos.
Esse entendimento é fundamentado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, aplicado ao direito das famílias através de uma interpretação civil-constitucional, como reconheceu, inclusive, o julgado a seguir colacionado, o qual foi o primeiro a reconhecer que a dor do abandono pode e merece ser indenizada.
Indenização. Danos morais. Relação paterno-filial. Princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.
(TJMG, AC 408.550-5, 7ª C. Cív., Rel. Unias Silva, j. 01/04/2004).
No entanto, tendo sido levado à apreciação do STJ, no ano de 2005, o Egrégio Tribunal reformou a decisão no sentido de que o abandono afetivo não renderia reparação pecuniária, senão vejamos.
Responsabilidade Civil. Abandono moral. Reparação. Danos morais. Impossibilidade. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159. do CC/16 [arts. 186. e 927, CC/02] o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. Recurso Especial conhecido e provido.
(STJ, REsp 757.411 – MG, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29/11/2005).
Mais tarde, no ano de 2012, o STJ, por sua Terceira Turma, reconheceria pela primeira vez a existência de dano moral em virtude do abandono afetivo, conforme apresentado em linhas volvidas.
Pois, o fato é que, nas palavras de Madaleno (2012, p. 01)
Volta e meia, juízes e tribunais têm se deparado com demandas buscando atribuir valor venal à negligência do afeto em postulações fundadas no inarredável princípio da dignidade da pessoa humana, no valor supremo de uma paternidade responsável, sobretudo, quando também é dever primordial da família, da sociedade e do Estado colocar a criança e o adolescente salvo de toda a forma de negligência, crueldade ou opressão.
Para Dias (2013, p. 471), “quem causa dano é obrigado a indenizar”, e no caso da reparação por abandono afetivo, “a indenização deve ser em valor suficiente para cobrir as despesas necessárias para que o filho possa amenizar as sequelas psicológicas”. Ainda, continua a referida autora afirmando que,
Não só o genitor que abandona o filho, mas também aquele que oculta do outro a existência do filho, impedindo o estabelecimento do vínculo de paternidade, deve ser responsabilizado. Tanto sofre dano o filho que não conheceu o pai, como este que, por não saber da existência do filho, ou ter sido dele afastado de forma a não conseguir conviver com ele. A genitora pode ser penalizada por sua postura e, ser condenada a indenizar o pai e o filho por ter ocasionado a ambos o dano afetivo.
A esse respeito, quando a genitora omite a gravidez e a paternidade, ou impende que o genitor venha a conviver com seu filho, tem-se o julgado a seguir colacionado, em que a reparação por abandono afetivo não é reconhecida em face do genitor pelo fato de que a ausência na vida de seu filho não se deu por sua vontade, senão vejamos.
Responsabilidade Civil. Família. Apelação em ação de compensação por danos morais. Abandono afetivo. Possibilidade excepcionalmente. Necessidade de demonstração de elementos atentatórios ao direito da personalidade. Não configuração de conduta do genitor contrária ao ordenamento jurídico. Improcedência. 1. A compensação por danos morais em razão de abandono afetivo é possível, em que pese exista considerável resistência da jurisprudência pátria, mas é hipótese excepcional. 2. Na espécie, o réu descobriu a existência de seu filho apenas 20 anos após o nascimento deste, sendo que aquele morava na Rússia em razão de serviço público. 3. A conduta do genitor apta a dar azo à “reparação” de direito da personalidade deve conter negativa insistente e deliberada de aceitar o filho, além do desprezo com relação a sua pessoa. 4. Não se vislumbram tais requisitos se o pai, tanto por desconhecimento desta condição, quanto por contingências profissionais, aceitou a paternidade sem contestar, mas não pôde ter contato mais próximo com seu filho, mormente tendo em vista jamais ter a genitora o procurado para exigir participação na criação da criança ou ao menos dizer que estava grávida. 5. Recurso conhecido e provido.
(TJDF, AC 20090110114820, 2ª C. Cív., Rel. Des. J. J. Costa Carvalho, j. 13/04/2011).
Faz-se imprescindível “reconhecer o caráter didático dessa orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos”, pois “mesmo que os genitores estejam separados, a necessidade afetiva passou a ser reconhecida como bem juridicamente tutelado” (DIAS, 2013, p. 472).
A indenização por abandono afetivo pode converter-se em instrumento de extrema relevância e importância para a configuração de um direito das famílias mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar papel pedagógico no seio das relações familiares (DIAS, 2013, p. 472).
Insta consignar que é luzente que um relacionamento ou um vínculo sustentado sob a ameaça de indenização financeira não se apresenta como a forma mais eficaz para se manter laços afetivos, mas, “ainda que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que gerar no filho o sentimento de abandono”. Afinal de contas, “se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que não pediram para nascer, imperioso que a justiça imponha coactamente essa obrigação” (DIAS, 2013, p. 472), e continua a referida autora afirmando que,
No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira, quem primeiro levou o tema à justiça, o abandono parental deve ser entendido como uma lesão extrapatrimonial a um interesse jurídico tutelado, causada por omissão do pai ou da mãe no cumprimento do exercício do poder familiar (CC, 1.634), o que configura um ilícito, sendo, portanto, fato gerador de obrigação indenizatória para as funções parentais. Dessa forma, o dano à dignidade humana do filho em estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes, mas, principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme posição do Judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito alto na nova configuração familiar.
Para Madaleno (p. 05), “Há vozes que se posicionam em contrário à reparação do afeto que foi negado aos filhos, temendo que o pai condenado à pena por sua ausência jamais tornará a se aproximar daquele rebento”, caso em que nada contribuiria pedagogicamente “o pagamento da indenização para restabelecer o amor”.
Ainda, Madaleno (p. 01) acrescenta que, “A omissão injustificada de qualquer dos pais no provimento das necessidades físicas e emocionais dos filhos sob o poder parental tem propiciado o sentimento jurisprudencial e doutrinário de proteção” à criança e ao adolescente dos danos emocionais e psíquicos provocados pela privação de afeto na formação de sua personalidade.
Isso porque, “os filhos têm o direito à convivência com os pais e têm a necessidade inata do afeto do seu pai e da sua mãe, porque cada genitor tem uma função específica no desenvolvimento da estrutura psíquica de sua prole” (MADALENO, p. 03), de maneira que,
Tem gravíssima repercussão negativa qualquer injustificada frustração ao exercício do direito de visitas e do poder parental, quando os pais se omitem deste fundamental ditame da consciência e da natureza, cuja ausência consciente implica assumir a responsabilidade por irreparáveis efeitos negativos no resto da vida dos filhos, com sintomas de depressão, ansiedade, tristeza, insegurança e complexo de inferioridade na comparação com seus conhecidos e amigos (MADALENO, p. 03).
O novo olhar sobre direito das famílias fez com que a família deixasse de estar coberta por um manto que impedia que fosse enxergada como berço de danos que devem ser indenizados em pecúnia.
Nesse sentido, Madaleno (2012, p. 03) assevera que não se trata de ato ilícito no seio da família, mas sim de abuso de direito previsto no art. 187. do Código Civil Brasileiro, uma vez que,
O abuso de direito independe da culpa, pois sua noção extrapola a teoria da responsabilidade civil. Trata da imposição de restrições éticas ao exercício de direitos subjetivos, tendo em conta que no âmbito do conteúdo do direito de visitas e na obrigação de comunicação com seus filhos, existem espaços que não podem ser relegados e barreiras que não podem ser ultrapassadas. E no abuso do direito a pessoa justamente excede as fronteiras do exercício de seu direito, sujeitando-se às sanções civis, que passam pelas perdas e danos aferíveis em dinheiro. Existe uma linha tênue entre abuso do direito (art.187 do CC), e o abuso do poder familiar (ar. 1.630. do CC), sendo difícil e arriscado generalizar seus diagnósticos, pois cada situação exige um detido exame e talvez seu único denominador em comum seja que, de uma maneira ou de outra, em todas as hipóteses de abuso estará sendo comprometido o bem-estar psíquico e o interesse do menor. Abusa do direito de visitas o genitor que se omite do filho; que não tem afeto pela prole e nem lhe proporciona proteção, vestuário, alimentação adequada, afastando-se do dever que tem de transmitir aos filhos carinho e orientação.
O que é relevante, contudo, é a percepção da introdução da responsabilidade civil no seio familiar, impedindo abusos e trazendo à luz a valorização de conceitos imprescindíveis para toda família, qual seja, o afeto entre seus membros e a dignidade de seus integrantes.
3.6.2. A quantia a ser fixada na reparação pecuniária pelo abandono afetivo
Quanto à questão da reparação do dano causado pelo abandono afetivo, o STJ apenas mencionou que não lhe caberia intervir no valor fixado, de forma que apenas adentraria ao tema em casos de valores notoriamente irrisórios ou exacerbados.
No caso concreto levado à sua apreciação, o Superior Tribunal acabou por intervir por considerar o valor muito elevado.
Na hipótese, não obstante o grau das agressões ao dever de cuidado, perpetradas pelo recorrente em detrimento da sua filha, tem-se como demasiadamente elevado o valor fixado pelo Tribunal de origem – R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais) -, razão pela qual reduzo para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), na data do julgamento realizado pelo Tribunal de origem (26/11/2008) – e – STJ, fl. 429), corrigido desde então
(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
A Ministra Relatora não apresentou em seu voto a justificativa dos critérios dos quais se valeram para fixar o valor na quantia acima mencionada. No entanto, deveriam ter sido elucidados quais foram os pressupostos que foram determinantes para a fixação da importância arbitrada, pois
O magistrado deve justificar detalhadamente a sua decisão, especificamente no que diz respeito à determinação da verba indenizatória. A decisão necessita ser adequadamente motivada, para que, tanto quanto possível, se reduza o ato nível de subjetivismo constante das decisões judiciais que hoje se vem proferindo em matéria de dano moral. Motivação, sublinhe-se, especificamente, do quantum debeatur. Só a sua fundamentação lógico – racional permitirá que se construa um sistema de indenizações justo, do ponto de vista da cultura do nosso país e do nosso tempo (MORAES, 2009, p. 334)
Por sua vez, o Ministro Sidnei Beneti destacou em seu voto que “é excessivo o valor fixado, porque não observada a proporcionalidade de ação e omissão do genitor, ora Recorrente, na causação do sofrimento moral à filha, ora Recorrida” (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012). Segundo Calderón (2013, p. 387),
O critério final utilizado para fixar o valor da indenização pelo Ministro Beneti foi partir da análise dos seis fatos narrados principais na petição inicial como caracterizadores do abandono, todos com foco central na conduta paterna: 1 – aquisição de propriedades, por simulação, em nome de outros filhos; 2 – desatendimento a reclamações da autora quanto a essa forma de aquisição disfarçada; 3 – falta de carinho, afeto, amor e atenção, apoio moral, nunca havendo sentado no colo do pai, nunca recebendo conselhos, experiência e ajuda na escola, cultural e financeira. 4. – falta de auxílio em despesas médicas, escolares, abrigo, vestuário e outras; 5 – pagamento de pensão alimentícia somente por via judicial; 6 – somente ser reconhecida judicialmente como filha. Na sequência de sua análise, declarou o Ministro que os itens 1, 5 e 6 seriam de responsabilidade exclusiva paterna (e deveria assim balizar a fixação), já os demais – itens 2, 3 e 4 – poderiam ser de responsabilidade compartilhada ou obstados pela genitora, o que deveria ser ponderado e sopesado no momento da fixação do valor reparatório.
Com isso, o Ministro Sidnei Beneti entendeu que,
Deve-se dosar o valor dos danos morais, proporcionalmente à responsabilidade do genitor, ora Recorrente, em valor próximo à metade do valor fixado pelo Acórdão, ou seja, R$ 200.000,00, à mesma data do julgamento do Tribunal de Origem
(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
É possível observar que o enfoque é sempre direcionado ao ofensor, afastando para segundo plano a dor e as lesões causadas à filha que foi vítima, de maneira que a finalidade é sempre penalizar o ofensor, e não propiciar uma compensação integral, adequada e digna à vítima pelos danos que lhe foram causados.
Mas, o ideal seria que a reparação nos casos de abandono afetivo não se desse somente através da quantificação em pecúnia pelo abandono sofrido, devendo haver formas alternativas para recomposição do dano afetivo, pois, a princípio, não seria viável fixar remuneração financeira para reparar um dano extrapatrimonial que não possui valor em pecúnia.
O dano afetivo atinge a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, os quais estão acima de qualquer quantificação monetária. No entanto, a responsabilidade civil não apresenta outra forma de reparação de danos que não seja a financeira.
É imprescindível o cuidado para que não haja uma monetarização do afeto, havendo até alguns que falam em “indústria do amor”, devendo-se evitar “uma patrimonialização excessiva das relações familiares” (CALDERÓN, 2013, p. 390).
Isso porque, “O dano gerado pelo abandono afetivo deve ser compensado, inclusive financeiramente na ausência de outra composição mais adequada, sendo esta forma usual para indenizar casos de dano moral em nosso sistema” (CALDERÓN, 2013, p. 391).
Os danos sofridos pelos filhos em função destes descumprimentos devem ser compensados, mas, dependendo da natureza daqueles, de forma diferente da habitual, ou seja, dinheiro. Caso o dano seja emocional, ou seja, se atingiu a psique da vítima, dever-se-ia compensá-la pelo pagamento de um tratamento psicológico ou até mesmo psiquiátrico […]. Consequentemente, quando este tratamento for ineficaz ou não recomendável, diante de diagnóstico realizado por profissional habilitado, a compensação deverá ser mesmo em dinheiro (VIANNA, in TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p. 447).
Certamente, o melhor é que não se permita a ocorrência de abandono afetivo parental, o que deve ser um compromisso de toda a sociedade. Mas, caso ele exista, a lesão causada na vítima deve ser reparada, e a única forma que o direito pode compelir o genitor a compensar os danos causados é através do pagamento de indenização.
Nesse sentido, leciona Rolf Madaleno (p. 14),
Foi-se o tempo dos equívocos das relações familiares gravitarem exclusivamente na autoridade do pai, como se ele estivesse acima do bem e do mal apenas sua antiga função provedora, sem perceber que deve prover seus filhos muito mais de carinho do que de dinheiro, ou vantagens patrimoniais.
É cediço que, caso o magistrado vislumbre no caso concreto outra maneira de compensar o dano causado, como através de conciliação entre as partes ou pela aproximação afetiva entre genitor e filho, seria mais aconselhável do que a fixação de indenização financeira. Porém, não tem como o magistrado compelir o genitor a se aproximar do filho e a lhe proporcionar afeto, então o ordenamento jurídico fez o que pôde, fez o que estava a seu alcance e, como o dano sofrido da vítima não pode ficar sem reparação, deve fixar-se a compensação mesmo que financeira, mas sempre com a finalidade precípua de proteção à vítima e em consideração ao sofrimento que lhe fora ocasionado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As transformações ocorridas na sociedade contemporânea e, sobretudo, na família, trouxeram ao Direito novos desafios a serem enfrentados. A presença de afetividade e a necessidade de humanização das relações familiares fez surgir uma nova concepção sobre os institutos de direito de família.
A família existente no passado, aprisionada a modelos pré definidos, em que se priorizava o núcleo em detrimento de seus integrantes, foi, ao longo do tempo, perdendo espaço para uma nova e promissora maneira de enxergar a família: sob o a perspectiva do ser humano!
O direito de família de tempos atrás não tinha por finalidade a consecução da felicidade, da dignidade e da realização de membros, pois o que era relevante era tão somente a rígida manutenção do casamento, ainda que isso significasse um verdadeiro repúdio aos filhos havidos de relações fora do matrimônio. Para diferenciar esses filhos frutos de relacionamentos extraconjugais, eram previstas pela própria lei nomenclaturas pejorativas e notadamente discriminatórias, taxando esses filhos não planejados de ilegítimos ou bastardos.
Desta feita, os filhos não havidos na constância do casamento carregavam por toda a vida esse estigma e essa diferenciação em relação aos demais irmãos concebidos no casamento. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o texto constitucional proibiu quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, sedimentando a igualdade de direitos dos filhos, sejam eles havidos ou não em uma relação matrimonial.
A Carta Magna de 1988 ainda fez muito mais. Trouxe uma série de princípios que verdadeiramente promoveram uma evolução sem precedentes sobre a forma de enxergar e se conceber o direito das famílias, forçando uma reformulação de todos os institutos de direito de família, os quais a partir de então passaram a se amparar em novos fundamentos, dentre eles, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Foram diversos os princípios constitucionais que promoveram essa evolução sobre a forma de pensar a família. Pode-se dizer que o macroprincípio, vértice orientador de todo ordenamento jurídico, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana já seria suficiente para produzir essa nova consciência em torno da família. Mas, o constituinte foi mais além, trouxe, ainda que de maneira implícita, princípios com alta carga axiológica capazes de promover essa profunda e necessária evolução do direito das famílias.
Esses princípios foram o princípio da afetividade, princípio da solidariedade familiar e princípio da paternidade responsável, os quais foram introduzidos no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição Federal de 1988 e, sobretudo, com o fenômeno do neoconstitucionalismo passaram a ter força normativa e valorização no processo de aplicação do Direito.
Assim, os laços familiares e os institutos de direito de família tiveram que ser (re) pensados à luz dos princípios constitucionais aplicáveis à família, produzindo uma luzente oxigenação das normas de direito privado, flexibilizando a rigidez do legalismo e da formalidade até então existente.
Sendo assim, até então, bastava que o genitor pagasse ao filho a quantia estipulada na pensão alimentícia, pois ao pagar tal valor ao filho, o pai se via livre de qualquer outro dever em relação a ele.
Esse pensamento, porém, prestigiava a patrimonialização do direito de família. Era, pois, como se o direito se prestasse apenas a reger os patrimônios, as rendas e as finanças afetas à família. Chegava-se ao cúmulo de o pai pagar alimentos corretamente ao filho, mas desprezá-lo afetivamente, abandonando-o e fazendo notória distinção entre um filho em detrimento dos demais, mas como somente era competência do direito de família reger a obrigação de pagar alimentos, o abandono afetivo não era tema tratado pelo direito.
Desta feita, se o genitor pagasse em dia suas obrigações alimentícias, diante do ordenamento jurídico seu dever em relação ao filho estava adimplido, nada mais poderia fazer o Direito. No entanto, a irradiação dos princípios constitucionais sobre o direito de família trouxe à baila a imprescindível necessidade de afetividade nos laços familiares.
Não se trata de obrigação de amar o filho, pois amor é um sentimento subjetivo, alheio à seara jurídica, uma vez que nenhum juiz poderia compelir um pai a amar um filho. A afetividade, contudo, é pautada e aferida por atitudes e fatos objetivos, capazes de serem notados no mundo existencial, como o cuidado e o amparo aos filhos.
Dessa maneira, a obrigação de oferecer afeto ao filho nada mais é do que a imperiosa presença no cotidiano do filho, cuidando, amparando, fazendo parte de sua vida e da formação de sua personalidade. Esse foi o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o qual, embora não se possa forçar a existência de sentimento de amor entre pai e filho, o afeto deve-se fazer presente, consubstanciando-se em cuidados e amparo aferíveis objetivamente.
A questão basilar a ser ressaltada em relação a responsabilidade civil decorrente da ausência de afeto, consiste na premissa de que de nada adiantaria reconhecer que a afetividade deve sempre estar presente nas relações paterno-filiais se não houvesse uma penalidade como consequência para o genitor que abandonou o filho afetivamente. Pois, como é cediço, a ausência de responsabilidade civil poderia retirar a eficácia da afetividade como valor jurídico a ser observado nos laços familiares.
Além disso, como o abandono afetivo gera danos ao filho, esse dano merece ser reparado, conforme escólio do Superior Tribunal de Justiça, ainda que o dinheiro não possa jamais trazer de volta esses momentos em que o filho sofreu pela ausência do pai.
O fato é que essas ausências não têm preço. Nunca terão. O reconhecimento do valor jurídico do afeto possui como escopo a constatação de que não basta que o pai pague alimentos ao filho, isso é considerado ínfimo se comparado a profunda ausência que um genitor pode simbolizar na vida de um filho. Vale destacar que cada caso precisa ser apreciado em concreto, com suas especificidades, com suas particularidades para que as consequências jurídicas sejam fixadas.
O que não se pode negar é que o princípio da afetividade veio na contramão de um passado de infelicidades em que a irresponsabilidade paterna acabava sendo presenteada pela falta de previsão legal do abandono afetivo paternal.
A afetividade se encontra consagrada no ordenamento jurídico pátrio, tanto de maneira implícita pela Constituição Federal, como pelo esforço da doutrina e da jurisprudência que aos poucos têm se posicionado em favor do reconhecimento do valor jurídico do afeto.
As peculiaridades e os contornos da aplicação desse princípio deverão ser elaboradas na prática judiciária, pois ainda se trata de um tema novo e ainda com muitas facetas a serem enfrentadas.
O Direito, finalmente, passa na contemporaneidade a ser enxergado sob seu principal viés: do lado esquerdo do peito! Afinal, em um século em que os direitos humanos se encontram sobejamente tutelados e garantidos, há quem diga que o mais humano de todos os direitos seja o direito das famílias!
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Loyanne Verdussen de Almeida Firmino Calafiori
Escrivã Judiciária e Encarregada de Escrivania de Família, Sucessões, da Infância, da Juventude, Cível e Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Graduada em Direito pela Pontífica Universidade Católica de Goiás. Pós-graduada em "Direito Civil – Atualização no novo Código Civil de 2002" pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduada em "Direito Material e Processual do Trabalho" pela Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduanda em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera (UNIDERP). Mestra em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pelo programa de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, tendo obtido nota máxima na banca de defesa de dissertação. Durante seu mestrado, foi selecionada como bolsista integral da CAPES. Exerceu a advocacia entre os anos de 2012 e 2013, até ter sido aprovada em concurso público para integrar o quadro de servidores efetivos do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, onde ocupa, ainda, a função de Tutora dos Cursos de Ensino à Distância da Escola Judicial e Técnica em Preparação Psicossocial e Jurídica de Adotantes.