Saúde
Testes clínicos do simufilam são retrocesso em meio a ano de avanços para o tratamento do Alzheimer
O desenvolvimento da droga já enfrentava desafios no meio científico, com estudos sendo retratados por revistas especializadas e a acusação de falsificação de dados por parte de um dos pesquisadores consultores. Mesmo em meio a essas polêmicas, a empresa seguiu com os testes clínicos de fase 3, a última necessária para submeter o produto à aprovação da FDA, agência de vigilância sanitária americana
Durante um ano de importantes avanços para o tratamento do Alzheimer, um dos retrocessos foi o interrupção dos testes clínicos do simufilam, medicamento que estava sendo desenvolvido pela empresa americana Cassava Sciences. Anunciada em novembro, a notícia foi recebida com decepção por pacientes e familiares, mas sem tanta surpresa pelos pesquisadores.
O desenvolvimento da droga já enfrentava desafios no meio científico, com estudos sendo retratados por revistas especializadas e a acusação de falsificação de dados por parte de um dos pesquisadores consultores. Mesmo em meio a essas polêmicas, a empresa seguiu com os testes clínicos de fase 3, a última necessária para submeter o produto à aprovação da FDA, agência de vigilância sanitária americana.
Os resultados, entretanto, não foram suficientes para reduzir de forma significativa e consistente o avanço da demência entre os quase 2.000 pacientes incluídos na pesquisa. Na última semana de novembro a empresa de biotecnologia decidiu interromper o investimento.
Para Claudia Suemoto, entretanto, 2024 foi um ano positivo para o tratamento e prevenção do Alzheimer, em particular para o Brasil. A pesquisadora e professora da USP (Universidade de São Paulo) destaca a importância do “Relatório Nacional sobre a Demência” e da “Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências”, um primeiro passo para o país aprovar um Plano Nacional de Demência.
“Acho que isso é um reflexo de a gente ter colocado o assunto em pauta. Acho que foi um ano muito importante”, observa Suemoto.
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A lei aprovada incentiva a capacitação de profissionais e o investimento em mais pesquisa. Também convoca o poder público a elaborar um plano de ação para combater essas doenças neurodegenerativas Já o relatório traz dados sobre a prevalência da condição entre o povo brasileiro, fundamental para a elaboração de políticas públicas assertivas e eficientes.
Entre os avanços, o desenvolvimento de um exame de sangue capaz de detectar a doença através de biomarcadores também foi celebrado entre especialistas e pacientes. O teste é capaz de identificar proteínas tau e beta-amiloides presentes no tecido sanguíneo e mostrou uma taxa de acerto em 90% dos casos -maior quando comparado ao diagnóstico clínico, que possui cerca de 73% de precisão.
Suemoto vê o avanço do diagnóstico com uma das principais novidades. Entretanto, ainda faltam passos importantes, segundo a especialista, para que o exame possa ser amplamente difundido. Entre eles, a validação dos testes para a população brasileira. “Esse é um caminho que irá transformar o diagnóstico de Alzheimer e de outras doenças”. Novos biomarcadores estão sendo investigados para diversas demências, como o Parkinson.
Também em 2024, dois novos fatores de risco foram reconhecidos pela prestigiada comissão da revista Lancet, que publica anualmente uma revisão ampla sobre estudos científicos sobre o tema. Somam-se aos 12 fatores já descritos anteriormente a perda de visão e o colesterol alto. Todos juntos respondem a metade dos casos de demência no mundo.
O colesterol alto influencia na saúde cardiovascular desses pacientes, e pode atrapalhar a irrigação dos vasos sanguíneos cerebrais, facilitando o surgimento de lesões importantes nesse órgão que podem levar ao desenvolvimento de demências como o Alzheimer. Já problemas como a perda de visão reduzem os estímulos mentais, favorecendo a morte de neurônios e a perda de cognição.
Os demais fatores são baixa escolaridade, lesões na cabeça, sedentarismo, tabagismo, alcoolismo, hipertensão, obesidade, diabetes, depressão, falta de contato social, perda de audição e poluição do ar. A comunidade médica e científica concorda que a eliminação ou redução desses fatores é primordial no combate à doença, embora a prevalência de cada um deles varie segundo a região geográfica e o estrato social.
Ao longo do ano, também progrediram os tratamentos com as drogas anti-amiloides, capazes de remover placas dessas proteínas que se formam no cérebro dos pacientes e são responsáveis pela progressão da doença. Em julho, a FDA aprovou o comércio do donanemab, da farmacêutica Eli Lilly. A droga deve circular com o nome comercial “Kinsula”. O medicamento está em avaliação pela Anvisa (Agência Brasileira de Vigilância Sanitária).
Por outro lado, a produção do aducanumab, que havia sido autorizada pela FDA em 2021, foi interrompida unilateralmente pela própria farmacêutica, a Biogen. Jamerson de Carvalho, especialista do Hospital Universitário da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), lembra que o resultado do uso de anti-amiloides ficou aquém do esperado pela comunidade científica.
Embora os anticorpos monoclonais tenham sucesso em remover as placas amiloides, eles não trazem benefícios significativos para a vida do paciente, reduzindo apenas discretamente a progressão da doença. Associado a isso, levam ao surgimento de diversos efeitos colaterais graves, como hemorragias e inchaço cerebral.
Apesar disso, o professor lembra que a expectativa de vida de pacientes com demência, e em particular com Alzheimer, aumentou devido sobretudo à melhoria dos cuidados das equipes interdisciplinares e de reabilitação. “Essa é uma coisa importante que não devemos esquecer.” E os avanços do último ano parecem apontar na mesma direção: em favor da prevenção e do diagnóstico precoce.