Segurança Pública
Jornal restrito que circula entre militares se comunica com a tropa “das antigas”
Descubra como o Jornal da Inconfidência revela a perspectiva militar sobre a política no Brasil e o papel da classe armada em tempos de crise
Depois do inquérito referente aos atos de vandalismo do 8 de janeiro de 2023, que desembocou em investigações sobre o papel de alguns militares num alegado golpe de Estado, a “classe armada” (tanto ativa quanto reserva) ganhou a fama de ser golpista.
Supostamente, houve planos e discussões entre oficiais de alta patente no intuito de sepultar a democracia brasileira. Isso tudo recheado com tramoias de raptos e execuções sumárias de determinadas autoridades da República. Será que realmente existe um consenso entre os militares sobre os rumos políticos do Brasil? Será que há algo que se possa chamar de um ideário, um conjunto de pensamentos que se possam enfeixar e identificar como sendo o espírito político da soldadesca?
Bem, pode não ser tão fácil responder a essas perguntas. Há renomados estudiosos do assunto, que há décadas se debruçam sobre o tema. Não queremos parecer abusados a ponto de dizer: eis que temos a resposta! Não temos a resposta. Não para essas perguntas. Mas, temos uma pista.
Temos um indício – não de como os militares veem a política e o Brasil, mas – de pelo menos uma ferramenta por onde alguns comunicam essas idiossincrasias tão peculiares.
O pasquim do pensamento militar
Existe um veículo – que há alguns anos seria chamado de folhetim – de propagação desse ideário militarizado. Não se trata de um furo de reportagem. O jornal não é novo. Ostenta em algarismos romanos (XXX) seus trinta anos. Isto é, se a linha editorial do “inconfidente” pasquim é a mesma desde sempre, há trinta anos que ele está por aí, de mão em mão (agora, de celular em celular), do general ao tenente, entre os familiares destes, em suas casas e clubes, reverberando o “pensamento militar”.
O ato que salvou o Brasil de si mesmo
Uma das primeiras “matérias” da última edição a que tivemos acesso tem fotos dos ministros do STF, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Segundo o jornal, o primeiro foi advogado do PT e o segundo do PCC. Na mesma página, políticos da esquerda são retratados e recebem alcunha de terroristas golpistas.
Um dos artigos, escrito por um oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro, faz defesa contundente de opiniões muito difundidas pelo “filósofo” falecido Olavo de Carvalho. Reproduzimos o início abaixo:
“A Contra Revolução de 31 de março de 1964 veio acabar com a Revolução Comunista no Brasil iniciada no final da década de 50. Agentes russos, cubanos e albaneses se infiltraram no País inclusive o Che Guevara, que ficou escondido num apartamento no Largo da Glória, na cidade do Rio de Janeiro. Vários terroristas brasileiros foram à Cuba afim de fazerem o Curso de Guerrilha, dentre eles José Dirceu.
“Senão fosse a reação do povo brasileiro juntamente com a Igreja e as Forças Armadas, o Brasil seria uma Mega Cuba Sul Americana. Durante o Regime Militar (nunca foi uma Ditadura pois os seus Presidentes eram eleitos indiretamente pelo Congresso Nacional e só ficavam quatro anos no Poder) houve as seguintes realizações”, etc.
Por fim, há o libelo em defesa do Ato Institucional nº 5, publicado pelo regime militar em 1968, que vai reproduzido em parte:
“Movimento Cívico-militar de 1964, que representou um contragolpe — ataque preliminar — nas forças comunistas que se preparavam para derrubar o governo João Goulart/Leonel Brizola, indubitavelmente para implantarem a ditadura do proletariado e que se preparavam para a luta armada, como atesta Jacob Gorender, líder comunista de expressão”, etc.
O general que é comparado a um nazista
A maior parte do Jornal Inconfidência consiste em quadros aleatórios de figuras públicas e frases ou pequenos textos de propaganda. Numa delas, por exemplo, o editor compara o general do Exército Brasileiro, Gustavo Dutra com Adolf Eichmann, e chama o militar de “arquiteto da traição aos cidadãos patriotas” presos pelo 8 de janeiro.
Pouca coisa do que é publicado pelo Jornal da Inconfidência é muito diferente do que encontramos nos chamados grupos de “tios do zap”. Por ser editado e divulgado por um militar de alta patente, pode facilmente ser confundido com o pensamento militar em geral. Contudo, muito do que está nele pode ser encontrado em milhões de celulares Brasil afora.