Internacional
Crise na República Democrática do Congo eleva violência sexual contra crianças
Unicef diz que número de casos de estupros subiu “cinco vezes em uma semana” e 30% das vítimas são menores de idade; outra preocupação é recrutamento de grupos armados que mira crianças com 12 anos; ex-comandante da Missão de Paz da ONU, Otávio de Miranda Filho, ressalta urgência de solução política para o conflito
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O aumento da violência no leste da República Democrática do Congo, RD Congo, está sendo acompanhado de “relatos horríveis” de violações contra crianças pelas partes em conflito nas províncias de Kivu do Norte e do Sul. A informação é do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef.
Em declaração à ONU News, o ex-comandante da Missão da ONU no país, Monusco, general Otávio de Miranda Filho, ressaltou a importância da busca por uma solução pacífica que volte a trazer esperança para a população.
Necessidade de solução política
“Na minha visão, a solução é política. Eu não enxergo mais uma solução militar para esse problema, tendo em vista o tamanho que o M23 atingiu. (Ele) se transformou em um movimento armado ilegal muito grande. Só dentro da (RD) Congo, nós temos aí em torno de 10 mil militares, muitos deles de uma força armada de um país vizinho, o que causa uma grande diferença”.
Com a saída de Miranda Filho, a Monusco passa a ser liderada por um outro general do Brasil, Ulisses de Mesquita Gomes, que chegou ao país africano nessa segunda-feira.
O grupo rebelde M23 tomou importantes cidades na província de Kivu do Norte, como Sake e Goma, e agora avança em direção à capital de Kivu do Sul.
O Unicef emitiu nota dizendo que casos de estupro e outras formas de violência sexual estão atingindo níveis que superam “qualquer coisa vista nos últimos anos”.
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General Otávio Rodrigues de Miranda Filho do Brasil, ex-Comandante da Força da Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo, Monusco
Relatos alarmantes
Durante a semana de 27 de janeiro a 2 de fevereiro deste ano, os parceiros da agência relataram que o número de vítimas de estupro tratadas em 42 unidades de saúde aumentou cinco vezes em uma semana. Cerca de 30% dos casos envolviam crianças.
Os serviços de assistência estão ficando sem os medicamentos usados para reduzir o risco de infecção pelo vírus HIV após uma agressão sexual.
A diretora executiva da agência, Catherine Russell, contou a história de uma mãe cujas seis filhas, a mais nova com apenas 12 anos, foram sistematicamente estupradas por homens armados enquanto procuravam comida.
Nos últimos meses, milhares de crianças vulneráveis em campos de deslocados foram forçadas a fugir, várias vezes, para escapar de bombardeios e tiroteios.
Mais de 1,1 mil crianças desacompanhadas
Russell explicou que em meio ao caos, centenas de crianças foram separadas de suas famílias, expondo-as a riscos elevados de sequestro, recrutamento por grupos armados e violência sexual.
Apenas nas últimas duas semanas, mais de 1,1 mil crianças desacompanhadas foram identificadas em Kivu do Norte e do Sul, e os números continuam aumentando.
As equipes do Unicef estão trabalhando para registrar crianças desacompanhadas e separadas, colocá-las em famílias adotivas temporárias e garantir que recebam cuidados médicos e psicossociais.
Mobilização de jovens para o combate
A agência afirma que mesmo antes da recente intensificação da crise, o recrutamento de crianças para grupos armados já estava aumentando na região. Agora, com as partes em conflito pedindo a mobilização de jovens combatentes, as taxas de recrutamento podem acelerar.
Os relatórios indicam que crianças de até 12 anos estão sendo recrutadas ou coagidas a se juntar a grupos armados.
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Um pai leva seu filho ferido para tratamento em um hospital perto de Goma, no leste da República Democrática do Congo
Mulheres grávidas sem acesso a cuidados
De acordo com o Fundo da ONU para Populações, Unfpa, Mais de 88 mil mulheres e meninas correm risco de violência de gênero. E espera-se que as gravidezes indesejadas aumentem devido ao colapso dos serviços de saúde.
A agência ressalta ainda a preocupação com as 220 mil grávidas estimadas em Kivu do Norte e do Sul, das quais mais de 12 mil estão deslocadas, sem acesso a cuidados médicos.
O Unfpa está atualmente operando oito clínicas móveis de saúde em toda a região, compostas por 27 parteiras que prestam cuidados maternos e reprodutivos.
Três unidades de saúde que dão suporte a pessoas deslocadas em oito campos de estão garantindo partos seguros, cuidados pré-natais e planejamento familiar para mais de 8 mil pessoas.
Serviços de apoio
No entanto, com a escalada do conflito, várias clínicas de saúde móveis e centros de escuta apoiados pelo Unfpa foram saqueados e destruídos, tendo que suspender temporariamente os serviços.
Nos locais que ainda operam, contraceptivos e outros suprimentos de saúde reprodutiva estão sendo distribuídos, apesar das interrupções de abastecimento. Para sobreviventes e aquelas em risco de violência de gênero, uma linha direta está oferecendo suporte imediato.
A agência apoia ainda cinco espaços seguros para mulheres e meninas que precisam de refúgio e cuidados psicossociais.