Saúde
Casos de gonorreia e sífilis atingem recorde na Europa
Infecções sexualmente transmissíveis estão em alta, principalmente entre jovens adultos europeus. No entanto, uma IST específica teve queda do número de casos que os cientistas não sabem explicar
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As infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) vêm aumentando em todas as nações europeias, de acordo com dados anuais divulgados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (EDCD).
O relatório mais recente, publicado em meados de fevereiro, relativo aos dados de 2023, mostra que as taxas de infecções bacterianas, como gonorreia e sífilis, aumentaram novamente na União Europeia (UE) e no Espaço Econômico Europeu (EEE) – bloco de países formado pelos 27 Estados-membros da UE, mais a Islândia, Lichtenstein e Noruega.
Um recorde de quase 100 mil novos casos de gonorreia foi registrado, superando os cerca de 74 mil em 2022. Os dados de 2023 são mais de quatro vezes maiores do que os relatados dez anos antes.
As infecções com gonorreia foram mais frequentes entre as mulheres de 20 a 24 anos e os homens de 25 a 34 anos. Os homens que mantêm relações homossexuais representaram mais da metade de todos os casos. As taxas de sífilis também estiveram 13% acima dos níveis de 2022, com mais de 40 mil casos relatados, sendo cerca de metade entre homens homossexuais.
A clamídia continua sendo a IST mais frequentemente relatada na Europa, com prevalência particularmente alta em mulheres e homens de 20 a 24 anos (577 casos em cada 100 mil).
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A questão não é o sexo, mas como se faz
Apesar de preocupados, os especialistas sabem que há uma explicação simples. “As pessoas estão fazendo sexo”, comenta Maria Wessman, chefe da seção de infecções transmitidas pelo sangue e pelo sexo do Statens Serum Institut da Dinamarca, que não participou da compilação de dados do ECDC.
Sua declaração é factual e também óbvia. Mas, para ela, a questão é como se está fazendo sexo: o que estaria por trás da alta ocorrência de ISTs bacterianas na Europa é provavelmente uma redução do uso de preservativos, especialmente entre os jovens.
Num relatório de 2024 da Organização Mundial da Saúde (OMS), um quinto dos meninos e um sétimo das meninas de 15 anos se declarou sexualmente ativo. Do total, 30% disseram não usar nenhum método contraceptivo.
“Algo mudou no uso dos preservativos; ou as pessoas têm mais parceiros, talvez diferentes tipos de parceiros ou mais parceiros ao mesmo tempo”, deduz Lina Nerlander, especialista-chefe em do ECDC infecções sexualmente transmissíveis.
Outra explicação seriam as melhorias contínuas dos testes e da monitoração, ou seja, a detecção e notificação das doenças são mais eficazes, e mais casos estão sendo identificados.
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Responsáveis pela maioria dos casos de ISTs bacterianas, os homossexuais também são os mais propensos a fazer testes regularmente e buscar tratamento. E Wessman lembra que, “quando são tratados com medicamentos preventivos contra HIV, eles são obrigados a fazer um exame de IST a cada três meses”. Não obstante, “acho que homens e mulheres heterossexuais jovens estão se preocupando mais em fazer o teste. Há mais conscientização sobre ISTs do que há alguns anos”.
Mudanças genéticas impulsionam a gonorreia
Gonorreia, sífilis e clamídia são causadas por infecções bacterianas e transmitidas sobretudo por sexo vaginal, oral ou anal desprotegido. Mas enquanto aumentam as taxas de gonorreia e sífilis, as de clamídia parecem estar diminuindo. Os cientistas não conseguem explicar as tendências contrastantes, já que todas essas doenças são transmitidas de forma semelhante.
“Precisamos analisar mais, para explicar por que esse declínio está acontecendo de repente”, comenta Wessman. Em toda a Europa é utilizado o sequenciamento do genoma completo para identificar mudanças genéticas em espécies bacterianas e aprender quais podem estar agravando essas tendências.
“Temos uma grande amostra de cepas de gonorreia de toda a UE, e estamos fazendo sequenciamento genético para ver quais se espalham em quais populações. Mas não há respostas claras até hoje”, explica Nerlander.
A compreensão detalhada dos comportamentos sexuais também pode ajudar a identificar se certos tipos de sexo facilitam a transmissão de IST, mas a UE ainda não dispõe dessas informações.
Mais conversa (e ação) sobre sexo seguro
Os especialistas são unânimes em aconselhar os indivíduos sexualmente ativas a continuarem usando preservativos, a fim de prevenir a disseminação de ISTs na Europa. Mas também é preciso conversas mais abertas sobre sexo, além de um esforço para desestigmatizar as ISTs.
Para Mojca Matičič, que lidera um serviço ambulatorial de ISTs no Centro Médico Universitário de Liubliana, na Eslovênia, o comportamento sexual de risco pode estar por trás do aumento nas infecções, e “tanto os profissionais de saúde quanto os legisladores precisam estar cientes disso”.
“A estigmatização dessas doenças é uma das principais razões por que as pessoas não vão ao médico, não procuram ajuda. Portanto está claro que precisamos mudar o comportamento sexual.”
Não se trata de impedir que se faça sexo, mas de torná-lo mais seguro: para Matičič, o “chem sex” (“sexo químico”, envolvendo consumo de drogas) e os aplicativos de namoro criam um ambiente que propicia os encontros fortuitos, aumentando o risco de disseminação de ISTs.
Como é o sexo seguro na Europa hoje?
Matičič define “sexo seguro” como o que ocorre entre dois parceiros permanentes, não infectados e monogâmicos, sem o uso de preservativo. Em todos os outros casos, deve-se usar preservativos.
Especialistas enfatizam a importância de fazer um teste de IST após o sexo desprotegido com um novo parceiro. E “se você vai fazer sexo com um novo parceiro sem preservativo, é uma boa ideia fazer o teste antes”, acrescenta Lina Nerlander.
“Mas se você não conseguir fazer antes do sexo desprotegido, faça depois”, e especialmente se surgir algum sintoma, como dor ao urinar, corrimento, e erupção cutânea ao redor dos órgãos genitais e/ou da boca.