Judiciário
Horrores da impunidade: um país sem esperança
A impunidade no Brasil compromete a justiça e incentiva a criminalidade. Como reverter a cultura de benefícios excessivos aos infratores sem ferir direitos fundamentais?
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Resumo:
- O texto aborda a impunidade e suas consequências deletérias para a sociedade.
- Destaca-se a definição de impunidade, suas causas no Brasil e os benefícios processuais concedidos aos acusados.
- São mencionadas súmulas e decisões judiciais que contribuem para a impunidade, além de reflexões finais sobre a situação atual do sistema jurídico brasileiro.
Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua discorrer sobre os horrores da impunidade e suas consequências deletérias para o tecido social.
Palavras-chave: Direito; penal; horrores; impunidade; consequências; sociais.
Introdução
As gerações ou dimensões do direito surgem da necessidade de proteger os direitos fundamentais do ser humano, agregando um conjunto de garantias civis e políticas relacionadas à liberdade de expressão e pensamento. Essa evolução percorre os direitos sociais, coletivos e difusos até alcançar áreas mais recentes, como a bioética. Após essa dinâmica transformação da sociedade, o Brasil, em particular, depara-se com o que chamo de “Direito à Impunidade”, um moderno e peculiar fenômeno jurídico que denominei como a “Sétima Geração” ou a “Sétima Maravilha do Mundo Jurídico”.
Do ponto de vista semântico, impunidade refere-se à ausência de punição ou à não aplicação das sanções previstas em lei. Trata-se de uma manifestação de falência múltipla e contagiosa do sistema de justiça, sustentada por mecanismos conservadores que insistem em manter um estado de degradação institucional, contrariando os princípios básicos da ciência jurídica e do interesse coletivo.
Segundo a definição da Wikipédia, sob uma perspectiva subjetiva, a impunidade corresponde à percepção compartilhada por membros da sociedade de que a punição dos infratores é rara ou insuficiente, gerando uma cultura marcada pela negligência na aplicação das penas. Dentro desse conceito, destacam-se situações que vão além do aspecto técnico, como:
- A lentidão excessiva no julgamento, que concede ao suspeito mais liberdade do que lhe seria razoável;
- A aplicação de penas mais brandas do que as esperadas pela sociedade ou por parte dela.
O crescimento da impunidade no Brasil tem múltiplas causas, de natureza jurídica e sociológica. Entre os fatores mais relevantes, destacam-se: a gestão pública ineficiente no sistema de persecução penal, a insuficiência de recursos logísticos e humanos, a morosidade na prestação jurisdicional, a fragilidade da legislação penal e um extenso rol de benefícios processuais concedidos aos acusados.
Dentre esses benefícios, é possível mencionar a assinatura de termo de compromisso nos crimes de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95), a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, a prisão domiciliar, a monitoração eletrônica, o acordo de não persecução penal, a transação penal, a suspensão condicional do processo (sursis), a saída temporária, a delação premiada, a progressão de regime, a detração penal e a remição de pena, inclusive por meio de estudo e leitura. Destaca-se, ainda, a flexibilização da prisão em flagrante prevista na Lei nº 12.403/2011, as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP), o indulto natalino, a anistia e o perdão judicial.
Todo esse aparato jurídico, somado à falta de espírito comunitário de parte dos agentes públicos e ao comportamento extremista de certos operadores do direito, reforça a consolidação do chamado “Direito à Impunidade”.
Atualmente, o delinquente tem a convicção de que, ao cometer um crime, seu direito à impunidade será garantido, respaldado por um sistema processual excessivamente garantista. A prisão exige um longo trâmite processual, e o acusado dispõe de amplos mecanismos para assegurar sua liberdade, especialmente após a introdução das medidas cautelares pela Lei nº 12.403/11, inspirada no artigo 197 do Código de Processo Penal de Portugal, cuja aplicação no Brasil revelou-se inadequada à nossa realidade social e criminal.
Quando alguém ousa enfrentar essa estrutura de impunidade, é prontamente atacado e desqualificado, tornando-se alvo de críticas vorazes nos bastidores do sistema de justiça.
Cesare Beccaria, em sua clássica obra Dos Delitos e das Penas, já ensinava que o mais eficaz freio aos crimes não é a severidade das penas, mas a certeza de sua aplicação. Para ele, “a certeza de um castigo, ainda que moderado, causa uma impressão mais intensa do que o temor de uma pena mais grave, mas incerta”. Beccaria também adverte que a finalidade da pena não é atormentar ou afligir o condenado, mas impedir que ele cause novos danos à sociedade e dissuadir outros de seguir o mesmo caminho.
Entretanto, no Brasil atual, as benesses processuais multiplicam-se em favor dos criminosos, fortalecidas por entendimentos sumulares dos Tribunais Superiores. Destacam-se, nesse contexto, a Súmula Vinculante nº 56 do STF, que impede a manutenção de condenados em regime mais gravoso por falta de estabelecimento adequado, e a Súmula Vinculante nº 59, que garante o direito ao regime aberto e à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos condenados por tráfico privilegiado, desde que preenchidos os requisitos legais.
No âmbito do STJ, a Súmula nº 492 protege adolescentes em conflito com a lei ao determinar que o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não autoriza a imposição automática de medida socioeducativa de internação.
Além disso, a adesão do Brasil a convenções e tratados internacionais, como as Regras de Tóquio, as Regras de Mandela e as Regras de Bangkok, fomenta a aplicação de penas alternativas em detrimento do encarceramento. Decisões do STF em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), como a de nº 635, reforçam essa tendência permissiva.
Reflexões Finais
Um Lugar Cadavérico. Nas curvas da vida, bifurca o caminho; escolhas moldando destino e vizinho. Reside em saber o segredo de amar. No outro enxergar, jamais ignorar. A dor que ecoa na pele ferida, miséria que assombra a humana lida. Ser solidário, de hábitos puros, sonhar com mundos mais justos e seguros. Mas, ai, que o homem há muito expirou, perdido na terra, seu ser se apagou. Cadáver que anda, em vida estagnado, esqueleto insensível, ao bem fechado. No peito gelado, pulsa um engano, coração necrosado, rancor tão humano. O sangue que corre não leva calor, só vaidade e vingança, desdém e rancor. E o ataúde, silente, espera o final, levando ao abismo o ser tão banal. Distante da vida, do sonho e da luz, onde a esperança já não mais conduz. Por isso, clamamos por mais sentimento, amor que construa um novo alento. Que o homem renasça em fraternidade, tecendo os fios da humanidade. Sonhemos, pois, mas de olhos abertos, por dias de paz, caminhos mais certos. Sem medo ou bala que roube o andar, num mundo de afeto a nos abraçar. Que floresça a vida em cada jornada, com menos juízos, e lei mais amada. Por um amanhã de amor verdadeiro, solidário, humano, mais justo e inteiro.
Diante desse cenário, é possível afirmar, com absoluta convicção, que o delinquente no Brasil transita livremente e precisa fazer um esforço extraordinário para permanecer preso. O país, em sua exuberância romântica, poética e cívica, exibe um “berço esplêndido” de garantias que, paradoxalmente, transformam-se em escudo para a impunidade.
Vivemos, portanto, em um país sustentado por um sistema jurídico deformado. E um “muro torto” não se conserta – deve ser derrubado e reconstruído com bases sólidas e retas. Infelizmente, essa reconstrução não parece estar ao alcance das gerações atuais, já habituadas a um ciclo permanente de corrupção e injustiça, que vitimiza milhares de famílias dilaceradas pela crueldade de uma sociedade hipócrita e complacente com o crime.
Portanto, a impunidade habita um corpo social de controle, mecanicamente formatado, acometido por uma grave enfermidade em fase terminal, um verdadeiro terrorismo social que aniquila o sistema formal de Justiça e desafia o já frágil, impotente e exangue sistema de persecução penal. O maior responsável por essa realidade são as Instituições Públicas, inundadas por influências do devastador e abjeto poder político, especialmente o mecanismo de Segurança Pública, que, com frequência, é gerenciado estrategicamente por apadrinhados políticos. São pessoas que não compreendem a origem dos problemas, estão desorientadas apesar de estarem belicamente dispostas, e muitas vezes se comportam como narcisistas profissionais, fascinados pelos holofotes midiáticos. Esses agentes, que se autointitulam detentores do monopólio da sabedoria, ostentam na epiderme o símbolo da prepotência, a tatuagem da arrogância, e carregam em sua postura traços obsessivos paranoicos, evidentes de tirania, opressão, boçalidade e um cabotinismo exacerbado.
Somando-se a todo esse forte arrazoado fático, observa-se uma falência sistêmica, uma dicotomia entre leis frágeis e gestores destituídos de profissionalismo, aprofundando a sociedade em uma crise sem precedentes. Trata-se de um insofismável show de horrores, um verdadeiro filme de terror, com uma sociedade mergulhada em um poço profundo, sem colete e sem salva-vidas, prestes a sucumbir em um vasto oceano. Tudo isso decorre da inapetência estatal, que se revela incapaz de reagir, exangue, sem determinação, pois lhe falta sensibilidade humanística e a visão estadista necessária para evitar esse iminente colapso.
Referências
BOTELHO. Jeferson. As dimensões do Direito e a Segurança Pública. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27710/as-dimensoes-do-direito-e-a-seguranca-publica>. Acesso em 20 de fevereiro de 2025.
BRASIL. Lei nº 12.403/2011. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm>. Acesso em 20 de fevereiro de 2025.
BRASIL. Lei nº 9.099, de 1995. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 20 de fevereiro de 2025.
Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro – FENORD – Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática – Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento – Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte – 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO – União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.