Educação & Cultura
Como desenvolver o letramento científico nos Anos Finais?
Explore estratégias práticas e inovadoras que transformam a pesquisa em aprendizado significativo
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“Fazer do saber acadêmico um saber popular e do saber popular um saber escolar.” Li essa frase pela primeira vez enquanto estudava sobre o tema que discutiremos, que é letramento científico. Confesso que ela me fez questionar: o que os meus alunos entendem por ciência?
Somos seres sociais com diferentes formas de experimentar e perceber o ambiente e, erroneamente, fomos educados a acreditar que estamos acima de todas as espécies.
Entretanto, nós, que vivenciamos o dia a dia da sala de aula, podemos afirmar com certeza que essa “ciência tão bela” parece ser extremamente desinteressante para os estudantes. Talvez isso ocorra devido à própria estrutura da construção do conhecimento científico, pouco conhecida pelas massas. O fato é que a ciência não é popular entre os alunos.
Muitas vezes, independentemente do componente curricular, os conteúdos aplicados em sala — ou seja, o próprio conhecimento científico — parecem não ter serventia alguma no dia a dia. Tanto que, certamente, meu caro colega, você já ouviu: “Professor, para que eu preciso saber disso? Onde isso vai me ajudar na vida?” E se isso lhe fez pensar, então você está no lugar certo!
Ciência um meio de ler o mundo
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “ao longo do Ensino Fundamental, a área de Ciências da Natureza tem um compromisso com o desenvolvimento do letramento científico, que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e processuais das ciências”.
Esse pensamento evidencia a importância de desenvolver em nossos estudantes a visão da ciência como um meio de leitura e interpretação do mundo.
Dessa forma, fica fácil perceber por que o autor da frase citada no início deste texto defende a correlação entre o saber acadêmico, escolar e popular. Não basta apenas que nossos alunos entendam os meios técnicos de “fazer ciência”; é necessário estimulá-los a olhar para fora, para seu território, para a realidade que experimentam, e encontrar nela os meios corretos de aplicação da ciência. Então, vamos aos finalmentes!
A pesquisa como princípio pedagógico
O saudoso Carlos Chagas Filho afirma, em uma de suas máximas, que “na Universidade se ensina porque se pesquisa”. Em outras palavras, sem a curiosidade e o exercício da busca pelo conhecimento, não haveria conhecimento a ser transmitido e ensinado.
Para promover o letramento dos alunos, devemos, inicialmente, abandonar os modelos tradicionais de questões e atividades aos quais estamos acostumados. Muitas vezes, as questões formuladas não estimulam o aluno a pensar e pesquisar para construir as respostas necessárias, baseando-se, com frequência, na memorização de definições ou na simples reprodução de trechos de livros didáticos e sites.
É necessário que a pesquisa se torne um princípio pedagógico, permitindo que os alunos apliquem as bases do conhecimento teórico recebidas em sala para resolver situações que podem estar ligadas a questões do entorno. Você pode reduzir a quantidade de questões dos exercícios, priorizando sua complexidade e sua capacidade de estimular o pensamento crítico da turma.
Atividades rotineiras em sala de aula, como exercícios, jogos, projetos e debates, devem assumir uma abordagem investigativa pautada na pesquisa. Dessa maneira, os alunos são incentivados a aplicar o conhecimento adquirido em situações contextualizadas, estimulando sua capacidade de análise e resolução de problemas.
Aplicando em sala
Certa vez, durante as aulas de método científico, busquei estimular a capacidade dos meus alunos de resolver problemas complexos. Compreender o passo a passo da construção do conhecimento científico é vital para determinar um caminho didático claro e objetivo, possibilitando a criação de situações favoráveis à construção de hipóteses de pesquisa.
No período de realização da atividade, Mogeiro havia perdido um de seus principais empreendimentos, que empregava diversas pessoas. Muitos dos estudantes, aliás, eram filhos dos funcionários, portanto, experimentavam diretamente o impacto da situação.
Nas atividades, os alunos, divididos em equipes, assumiram o papel de um conselho gestor, que, deveria desenvolver medidas para minimizar os danos à população, bem como para promover novos empregos.
O momento rendeu diversas discussões e levantamentos de ideias, mas, acima de tudo, despertou nos estudantes a necessidade de pesquisar, entender as possíveis causas que levaram ao fechamento do estabelecimento e buscar meios para reaproveitar a mão de obra e atrair novas fontes de emprego.
Desenvolver a interdisciplinaridade pode tornar o processo ainda mais enriquecedor. Por exemplo, nas aulas de Matemática, os alunos puderam compreender questões como o seguro-desemprego dos funcionários, seu tempo de duração, o impacto financeiro da situação e o planejamento de despesas necessário até que os funcionários conseguissem um novo meio de renda.
A Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) também pode ser uma forte aliada na promoção do letramento científico. O caráter prático do desenvolvimento de projetos permite ao professor construir diversas atividades que estimulem o pensamento crítico e criativo dos alunos.
Ciência na Veia
A promoção do letramento científico foi o estopim inicial para a construção e fundação do Ciência na Veia (CNV), o programa de iniciação científica júnior da EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo. O programa visa promover a educação científica e tecnológica em etapas mais precoces da vida escolar, por meio de um modelo metodológico que utiliza a pesquisa como princípio pedagógico, modificando o currículo estudantil e tornando-o dinâmico e contextualizado.
O programa oferece aos alunos regulares da instituição um espaço para a continuidade do desenvolvimento de suas pesquisas após a conclusão do 9° ano, mantendo-os ligados à escola por meio do programa de mentoria. Esse programa busca desenvolver a atitude científica dos estudantes, formando jovens líderes criativos e transformadores, capazes de trabalhar em prol do desenvolvimento socioambiental com consciência, responsabilidade, ética e solidariedade.
Os mentores formam uma rede de apoio que auxilia os alunos regulares da escola no desenvolvimento de projetos científicos, integrados à estrutura da feira de ciências da instituição. Esse modelo de iniciação científica, antes restrito ao ensino superior, tem sido apontado por diversos autores como uma ferramenta fundamental para a promoção do letramento científico em fases mais iniciais da vida escolar.
Na escola, o CNV desenvolve suas atividades por meio de uma proposta curricular interdisciplinar, principalmente na área das ciências naturais, estimulando a observação e o pensamento crítico dos estudantes. O caminho formativo do programa, estruturado para mentores e alunos regulares, engloba aspectos acadêmicos e humanísticos, fundamentando o desenvolvimento integral do estudante e alinhando-se ao Plano Político-Pedagógico (PPP) da escola e ao Plano Municipal de Educação (PME).
O programa conta com o apoio da gestão escolar, da Secretaria Municipal de Educação e do Instituto Alpargatas. Atualmente, possui 29 ex-alunos, entre 14 e 19 anos, que ingressaram no programa de mentoria. Ao longo de três anos, as ações de orientação dos mentores já auxiliaram cerca de 1.335 alunos no desenvolvimento de projetos científicos ligados às demandas do território.
Feira de Ciências
A estrutura da feira de ciências promovida na escola segue o passo a passo proposto pelo método cientifico e estimula a construção de soluções criativas desenvolvidas pelos alunos, para demandas encontradas no território.
O evento ocorre durante o Circuito de Conhecimentos da EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, momento em que os alunos comunicam os resultados de suas pesquisas à comunidade e a instituições de ensino, tanto dentro quanto fora do município.
A construção das pesquisas e projetos acontece ao longo de oito meses (de março a outubro), atrelada às vivências de letramento científico propostas para o currículo. O primeiro passo, que envolve o esboço das ideias e a análise das demandas, ocorre durante as aulas de Metodologia Científica, nas quais os discentes são incentivados a investigar desafios socioambientais enfrentados em seu território.
O desenho dos projetos segue o modelo do Guia de Pensamentos, baseada no processo de construção proposto pelo Design Thinking. A ferramenta consiste em 10 passos pré-definidos:
- Problemática: O discente determina seu objeto de estudo por meio da observação do entorno, delimitando uma demanda do território para a qual desenvolverá uma solução.
- Pesquisa Bibliográfica: Após definir os objetivos da pesquisa, os alunos realizam seminários pitch, que consistem em vídeos criativos para apresentar a temática e sua relevância para a comunidade.
- Pergunta Norteadora: O aluno elabora a questão principal de sua pesquisa, que norteará as próximas etapas de desenvolvimento.
- Metas e ODS: Análise e alinhamento dos Índices de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do território e das metas estabelecidas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
- Ideação: Desenvolvimento das primeiras ideias para possíveis soluções do problema de pesquisa.
- Metodologia: Definição do passo a passo metodológico necessário para a construção de protótipos e para o levantamento e análise de dados.
- Prazo e Organização do Trabalho: Estruturação das etapas da pesquisa, alinhando objetivos e prazos de entrega.
- Prototipação: Construção da versão de teste do produto desenvolvido.
- Testes: Aplicação e validação do produto no contexto da pesquisa.
- Produto Final: Aperfeiçoamento e finalização do protótipo ou iniciativa.
Todo o trabalho é desenvolvido em equipes de até cinco integrantes, escolhidas pelos próprios alunos no início do ano letivo. A colaboração nas atividades fortalece o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, promovendo o trabalho em equipe e a capacidade de gestão de conflitos.
Histórias que inspiram
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Uma das histórias mais marcantes da minha carreira nasceu de todo esse sistema. Durante a delimitação de projetos, alguns alunos decidiram trabalhar no desenvolvimento de ferramentas educacionais que promovessem a integração de estudantes autistas na sala de aula regular. Esse é um desafio muitas vezes enfrentado pelos professores, seja pelo grau de suporte necessário ao aluno, seja pela disponibilidade de ferramentas lúdicas.
Curioso sobre os motivos por trás dessa escolha, perguntei por que eles haviam optado por esse tema. Então, três deles me deram a mesma resposta: “Meu irmão mais novo é autista. Vejo as dificuldades e quero ajudá-lo.”
Parei por um instante no tempo. Não nego: aquele foi um daqueles momentos em que todo professor se lembra do porquê escolheu a educação.
Meses depois, o trabalho desses adolescentes deu origem à primeira Feira de Ciências Kids do município, totalmente pensada para crianças atípicas. Posso dizer que, no momento em que vi a primeira criança entrar no espaço, experimentar o que aqueles alunos haviam criado e sorrir, não pude conter a emoção. Só pude agradecer pela dádiva de testemunhar o crescimento de futuras mentes brilhantes.
Letrar cientificamente alguém é forjar o futuro, meu caro colega. E nunca se esqueça: suas mãos ajudam a moldar o amanhã.