Judiciário
Moraes e a história do Brasil: O equívoco sobre a Independência e a realidade de nossa soberania
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Por Roberto Tomé
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), gerou repercussão nas redes sociais após errar a data em que o Brasil deixou de ser colônia, durante uma recente declaração em defesa da soberania nacional. Ao falar sobre os compromissos do Brasil com a democracia e os direitos humanos, o ministro mencionou, equivocadamente, o dia 7 de setembro de 1822 como a data em que o Brasil deixou de ser colônia, fato que ocorreu, na realidade, em 1815.
Durante um discurso, Moraes afirmou: “Deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822, e com coragem estamos construindo uma república independente, cada vez melhor, democrática e com a Constituição de 1988.” Contudo, a data correta para o fim do regime colonial é 16 de fevereiro de 1815, quando o Brasil foi elevado à categoria de Reino, o que representou o fim formal da colonização portuguesa.
Embora o erro de Moraes tenha gerado críticas, ele não é único. Muitos livros didáticos de História simplificam os eventos e criam uma divisão didática entre o “Brasil Colônia” e o “Brasil Império”. Essa divisão erroneamente sugere que a colonização perdurou até 1822. Na realidade, o Brasil já havia deixado de ser colônia sete anos antes da data tradicionalmente associada à Independência.
Em 16 de dezembro de 1815, foi criada a figura do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, formalizando a elevação do Brasil à categoria de Reino. Essa mudança, que muitas vezes é esquecida, extinguiu o regime colonial, embora a identidade nacional brasileira ainda estivesse em formação. Em termos jurídicos, o Brasil já não fazia parte de uma colônia portuguesa, mas um Reino autônomo dentro da monarquia portuguesa.
A decisão de Dom João VI de criar o Reino do Brasil estava ligada a uma série de fatores políticos e econômicos, incluindo o fim das Guerras Napoleônicas e a necessidade de garantir a integridade da monarquia portuguesa. A elevação à categoria de Reino significava que o Rio de Janeiro, então capital do Império Português, deixava de ser apenas uma colônia para se tornar uma metrópole, com toda a estrutura política e administrativa se reconfigurando.
Embora o Brasil tenha sido elevado a Reino em 1815, a verdadeira independência, no sentido de separação total de Portugal, só ocorreria em 1822, quando Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil. Contudo, mesmo após 1822, o Brasil ainda enfrentava desafios significativos para se definir como uma nação coesa. A identidade brasileira, como a entendemos hoje, ainda estava distante de ser consolidada.
Antes de 1822, as colônias brasileiras não possuíam uma identidade nacional unificada. O termo “brasileiro” era raramente utilizadoso, e muitos se viam mais como pernambucanos, paulistas ou fluminenses do que como parte de um único Brasil. A identidade nacional foi se formando lentamente, em meio a tensões internas e com uma população ainda profundamente dividida.
A criação do Reino do Brasil em 1815 não significou o fim das tensões políticas. A relação entre o Rio de Janeiro e Lisboa continuou a ser conflituoso, o que culminou na Revolução do Porto e, mais tarde, na Independência do Brasil em 1822. A separação formal entre os dois Reinos não foi pacífica, e o processo de independência envolveu uma série de confrontos militares e políticos, o que ficou conhecido como a Guerra de Independência.
O conceito de “brasileiro” só começaria a ser forjado durante esse período, à medida que a lealdade ao Rei de Portugal foi sendo substituída pela lealdade ao novo Império do Brasil. Mas a construção dessa identidade seria um processo lento e complexo, que demandaria décadas de esforço político, cultural e militar.
A independência brasileira não foi um ato isolado. Ela se deu em um contexto de mudanças políticas globais, como o fim das Guerras Napoleônicas e a redefinição do mapa europeu, além de profundas tensões internas no Brasil e em Portugal. O fato de que o Brasil ainda não possuía uma identidade nacional consolidada demonstra a complexidade da construção do país. Mesmo após a independência, o Brasil ainda era uma terra de diferentes identidades regionais, com fortes lealdades locais e um longo caminho até a unidade nacional.
Em suma, a verdadeira história da transição do Brasil de colônia para império é mais complexa do que se costuma ensinar. O país deixou de ser uma colônia formalmente em 1815, mas a criação de um Brasil independente e coeso só aconteceria de fato após a guerra de independência e o fortalecimento de uma identidade nacional, processo que duraria décadas. Esse episódio da história não pode ser entendido de forma simplista, e merece uma análise mais aprofundada sobre as complexas relações políticas e culturais que moldaram o Brasil moderno.