Judiciário
Delação e colaboração premiadas e do acordo de leniência
A atuação de Alexandre de Moraes na delação de Mauro Cid foi legal? A defesa suscita questionamentos sobre coerção, imparcialidade e abuso de autoridade
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1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o escopo de oferecer uma análise histórica, fática e jurídica sobre o instituto da delação e colaboração premiada, além do acordo de leniência, métodos empregados no Brasil por meio de diversas legislações infraconstitucionais. Serão abordadas suas conceituações próprias, natureza jurídica, aplicabilidade e finalidades, incluindo sua extensão no âmbito da incidência legal.
De fato, a delação premiada é uma forma de colaboração premiada, sendo conhecida como um mecanismo legal que beneficia o acusado. Contudo, a colaboração premiada é mais abrangente, englobando a delação premiada.
No que tange à diferenciação entre delação e colaboração, afirma-se que, na delação premiada, o acusado confessa sua participação no crime e delata os coautores, por iniciativa própria. Sua aplicação é restrita, conforme disposto na Lei dos Crimes Hediondos. Já na colaboração premiada, o acusado confessa sua participação no crime e colabora com a investigação, podendo agir por iniciativa própria ou mediante solicitação do Ministério Público.
Ademais, a colaboração premiada é considerada um mecanismo de consenso penal, podendo envolver outras formas de contribuição, como a recuperação do produto do crime. Esse instituto pode gerar inúmeros benefícios ao colaborador, desde a redução da sanção até o perdão judicial.
Por fim, o termo “colaboração premiada” está previsto na Lei nº 12.850/2013, enquanto o termo “delação premiada” continua sendo amplamente utilizado, especialmente pela imprensa, como uma forma de referência ao instituto.
2. ORIGEM DA DELAÇÃO PREMIADA
É cediço que a delação premiada tem sua extensão por meio da colaboração premiada. Essa técnica investigatória tem origem na Justiça italiana, tendo sido utilizada pela primeira vez pelo juiz italiano Giovanni Falcone, com o objetivo de desbaratar o grupo mafioso conhecido como La Cosa Nostra.
Ao resgatar a história, verifica-se que, no ano de 1983, surgiu o primeiro Pentito (palavra italiana que significa “arrependido” ou “repente”). No âmbito da Justiça criminal italiana, esse termo é considerado informal e designa ex-membros de organizações criminosas que colaboraram com o Ministério Público, abandonando suas organizações e auxiliando os investigadores da polícia. Aliás, essa categoria de Pentito foi instituída na década de 1970, com o intuito de combater a violência e o terrorismo.
Dessa forma, o primeiro mafioso preso que colaborou com a Justiça italiana foi Tommaso Buscetta, que, após se afastar do grupo mafioso e de seus aliados, aderiu à delação, denunciando seus comparsas ao promotor de Justiça Giovanni Falcone. Com essa atitude, desencadeou-se o Maxiprocesso, realizado entre os anos de 1986 e 1987, que resultou no julgamento de centenas de mafiosos.
Ressalte-se que a expressão Cosa Nostra surgiu no início dos anos 1960, nos Estados Unidos, sendo mencionada pelo mafioso Leonardo Marcelo Camargo, que se tornou a principal testemunha do Estado italiano perante as audiências da Comissão McClellan.
3. ORIGEM DA DELAÇÃO PREMIADA NO BRASIL
No Brasil, a delação premiada surgiu com a edição da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), instituindo o marco inicial da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro. Essa legislação previu a redução de um a dois terços da pena para partícipes ou associados de quadrilhas envolvidas na prática de crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo, desde que colaborassem com a autoridade competente, entregando os membros da quadrilha ou bando. Esse ato visava à desarticulação dessas organizações criminosas, conforme disposto no artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.072/1990, infra:
“Art. 8º. Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quanto se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo”.
“Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.
Por outro lado, há que se observar que, a partir do marco legislativo supracitado, o instituto da delação premiada passou a ser utilizado em outras legislações pátrias, conforme se verifica a seguir:
1. Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940), artigos 159, § 4º, 288, parágrafo único, e 288-A (Extorsão mediante sequestro), infra:
“Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”.
“Pena – Reclusão, de oito a quinze anos (Redação dada pela Lei nº 9.269/96).
Vislumbra-se que, na prática, a existência de um acordo de colaboração, válido e eficaz, nos termos do artigo 4º, incisos I a V, da Lei nº 12.850/2013, cujo nomen juris é “Sanção Premial”, depende sempre do fiel cumprimento, por parte do colaborador, do compromisso assumido, com a efetiva produção de pelo menos um dos seguintes resultados esperados:
a) Identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa, incluindo as infrações penais por eles perpetradas
b) Revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa
c) Prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa
d) Recuperação total ou parcial do produto, ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa.
e) Localização de eventual vítima, garantindo a preservação de sua integridade física.
Segundo entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), caso nenhum desses resultados concretos seja alcançado durante a investigação, ficará demonstrado o inadimplemento do acordo pelo colaborador, não se produzindo a sanção premial almejada.
Além disso, por se tratar de uma negociação jurídica processual personalíssima, seus efeitos não são extensíveis a corréus, conforme disposto no artigo 6º, inciso I, da Lei nº 12.850/2013.
No que diz respeito à associação criminosa, prevista no artigo 288, parágrafo único, e no artigo 288-A do Código Penal, suas tipificações são as seguintes:
“Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”.
“Pena – Reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.850/13”.
“Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente”. (Redação dada pela Lei n° 12.850/13).
“Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código.” (Incluído pela Lei nº 12.720/13).
“Pena – Reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos”.
2. Lei nº 7.492/86 – Sistema Financeiro Nacional – Artigo 25, § 2º.
3. Lei nº 8.137/90 – Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo – Artigo 16, parágrafo único.
4. Lei nº 8.884/94 – Infrações praticadas contra a Ordem Econômica.
5. Lei nº 9.034/95 – Organizações Criminosas.
6. Lei nº 9.613/98 – Crimes de Lavagem de Capitais – Artigo 1º, § 5º.
7. Lei nº 9.807/99 – Proteção de Vítima e Testemunha – Artigo 14.
8. Lei nº 9.034/05 – Lei do Crime Organizado – Artigo 6º.
9. Lei nº 11.343/06 – Drogas e Afins – Artigo 41.
10. Lei nº 12.529/11 – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – Artigo 86.
11. Lei nº 12.850/13 – Combate as Organizações Criminosas.
De fato, entre todas as disposições legais supramencionadas que foram inseridas no contexto da delação premiada, apenas uma contribuiu significativamente para a aplicabilidade prática do instituto: a Lei nº 9.613/1998, que combate a lavagem de dinheiro. Destarte, essa norma legal passou a prever benefícios mais atrativos ao colaborador, como a possibilidade de cumprimento da pena em regime menos gravoso (regime aberto ou semiaberto), a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e, até mesmo, o perdão judicial, nos termos do artigo 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/1998.
Na mesma linha, surgiu a Lei nº 9.807/1999, que trata da proteção da testemunha e da vítima, conforme disposto nos artigos 13 e 14.
Posteriormente, foram editadas outras legislações que ampliaram o uso da colaboração premiada, tais como:
- Lei nº 11.343/2006, que prevê a colaboração premiada para os crimes de tráfico de drogas e afins, conforme disposto em seu artigo 41.
- Lei nº 12.529/2011, que passou a denominar a colaboração premiada de “Acordo de Leniência”, direcionando sua aplicabilidade para infrações contra a ordem econômica, nos termos dos artigos 86 e 87.
Com exceção desta última legislação citada, todas as demais normas padeciam de formalidades legais, devido à falta de regulamentação específica dessa técnica investigativa. Essa lacuna gerava insegurança jurídica para alguns colaboradores, que ficavam à mercê de um “limbo jurídico”, no qual a informação fornecida poderia perder seu valor e ser descartada, além de submeter os delatores a um sistema judicial sem previsibilidade clara de benefícios.
No que concerne à Lei nº 12.529/2011, que regulamentou especificamente o Acordo de Leniência, há uma ênfase na preservação do sigilo, conforme previsto no artigo 86, § 9º. Esse sigilo é essencial para que o colaborador possa identificar os envolvidos e fornecer informações e documentos que comprovem a prática do delito sob investigação, nos termos do artigo 86, incisos I e II.
Ademais, faz-se necessário ressaltar que, para a celebração do Acordo de Leniência, devem ser observadas algumas condições:
- Não podem estar disponíveis, previamente, provas suficientes para embasar uma condenação.
- O colaborador deve confessar sua participação no ato delituoso.
- Deve cooperar plenamente e de forma contínua com as investigações.
Tais exigências estão expressamente previstas no § 1º do artigo 86 do referido Diploma Legal.
4. DO PROCEDIMENTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA COMPLETA
Nesse sentido, observa-se que apenas a Lei nº 12.850/2013, em seu teor, prevê um procedimento completo, com medidas voltadas ao combate das organizações criminosas. Dentre essas medidas, destacam-se os benefícios concedidos ao colaborador, que podem incluir:
- Perdão judicial;
- Redução da pena em até 2/3;
- Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;
Conforme disposto no artigo 4º da referida legislação:
“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados”: (…). (Grifei).
Vislumbra-se que o preceito legal supracitado é cristalino ao dispor que a colaboração premiada constitui um meio de obtenção de prova formalizado por um negócio jurídico processual, celebrado voluntariamente entre o colaborador e a autoridade responsável pela investigação criminal. Ou seja, não pode haver qualquer tipo de pressão, seja ela física ou moral, por parte de qualquer autoridade envolvida no procedimento.
Nesse sentido, exige-se que a colaboração seja voluntária e efetiva. Aliás, essa é uma das características mais relevantes da colaboração premiada: o benefício concedido ao colaborador dependerá sempre da efetividade da colaboração, ou seja, de um resultado concreto. Esse resultado pode incluir:
- A identificação de cúmplices e dos delitos por eles praticados;
- A descoberta da estrutura e do funcionamento da organização criminosa;
- A prevenção da prática de novos crimes;
- A recuperação dos lucros obtidos com a prática delituosa;
- A localização de uma possível vítima, garantindo sua integridade física.
Tais requisitos estão previstos nos incisos I a V do artigo 4º da legislação supracitada.
No que se refere à participação do Magistrado, é defeso ao Juiz participar das negociações que visam à formalização do acordo de colaboração premiada. Devem participar desse procedimento apenas:
- O colaborador ou delator;
- Seu advogado;
- A autoridade policial;
- O parquet (representante do Ministério Público).
Essa restrição está prevista no § 6º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, conforme disposto infra:
“Art. 4º, § 6º. O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.”
Destarte, firmado o acordo, este deve ser formalizado legalmente, incluindo a oitiva do colaborador, na qual ele relatará tudo o que sabe e os eventuais resultados pretendidos. O acordo também deve conter:
- As condições da proposta do Ministério Público e da Autoridade Policial;
- A declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
- As assinaturas de todos os participantes;
- A especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família.
Essas exigências estão previstas no artigo 6º da Lei nº 12.850/2013.
Após a adoção das formalidades acima mencionadas, o termo do acordo deve ser encaminhado, juntamente com as cópias da investigação e das declarações do colaborador, ao Juiz da causa, para a devida homologação, conforme previsto no § 7º do artigo 4º da referida Lei.
Ademais, compete ao Juízo da causa, antes da homologação, verificar a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo. Para isso, o magistrado poderá ouvir o colaborador sigilosamente, na presença de seu advogado, porém sem a assistência presencial do Ministério Público, nos termos do § 7º do artigo 7º da mesma Lei.
Uma vez homologado o acordo, as medidas de colaboração serão implementadas, conforme a previsão do § 9º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Vale ressaltar que a parte mais importante do acordo está relacionada ao dever do colaborador de renunciar ao direito de permanecer em silêncio, comprometendo-se a dizer a verdade, nos termos do § 14 do artigo 4º da Lei.
Além disso, a Lei nº 12.850/2013 estabelece a exigência da presença de um advogado em todos os atos da negociação, confirmação e execução do acordo de colaboração, conforme previsto no § 15 do artigo 4º da Lei.
Finalizando, tem-se que a eficácia do acordo é julgada pelo Juiz da causa, por meio da prolação de uma sentença, nos termos do § 11 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Entretanto, essa decisão não pode se basear exclusivamente nas declarações do colaborador para impor uma condenação, sendo necessário que os autos do procedimento contenham outros meios de prova legais, conforme prevê o § 16 do artigo 4º da mesma legislação.
No que se refere aos requisitos necessários para a elaboração do Termo de Acordo de Colaboração Premiada, o artigo 6º da Lei nº 12.850/2013 determina que ele deve ser redigido por escrito e conter:
I – O relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II – As condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III – A declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV – As assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;
V – A especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
No que concerne à atuação do Ministério Público na colaboração premiada, este também pode deixar de oferecer a denúncia se forem atendidos os seguintes requisitos:
- O colaborador não for o líder da organização criminosa;
- O colaborador for o primeiro a prestar efetiva colaboração;
- A infração não for de conhecimento prévio do Ministério Público.
Essa previsão está contida no § 4º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Além disso, a concessão do benefício levará em consideração os seguintes fatores:
- A personalidade do colaborador;
- A natureza da infração;
- As circunstâncias do crime;
- A gravidade do fato delituoso;
- A repercussão social do crime;
- A eficácia da colaboração prestada.
Ressalte-se, por oportuno, que o Ministério Público ou, ainda, o Delegado de Polícia, no curso do inquérito policial, podem requerer ou representar ao Juízo da causa pela concessão do perdão judicial, mesmo que esse benefício não tenha sido pactuado originalmente. Isso pode ocorrer a qualquer tempo, desde que a colaboração do delator seja considerada relevante, conforme dispõe o § 4º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Caso o Magistrado discorde da concessão do benefício, aplica-se, no que couber, a previsão do artigo 28 do Código de Processo Penal (CPP). Essa situação é bastante comum quando a colaboração prestada pelo delator se mostra mais valiosa do que a inicialmente esperada, levando à ampliação do benefício.
Porquanto, sendo a colaboração prestada após a prolação da sentença condenatória, a pena a ser cumprida poderá ser reduzida em até metade, ou, alternativamente, será admitida a progressão de regime prisional, mesmo que ausentes os requisitos objetivos previstos no § 5º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Contudo, para que ocorra a progressão de regime, não basta o mero preenchimento dos requisitos objetivos, sendo essencial que o colaborador demonstre mérito na sua conduta.
No que tange aos direitos do colaborador, previstos nos incisos I a VI do artigo 5º da Lei nº 12.850/2013, estes incluem:
I – Usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II – Ter seu nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
III – Ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV – Participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V – Não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado sem sua prévia autorização por escrito;
VI – Cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal distinto dos demais corréus ou condenados.
(Grifos nossos.)
5. DA NÃO HOMOLOGAÇÃO DA DELAÇÃO PREMIADA
Na hipótese de não homologação da delação premiada, a informação prestada pelo delator poderá ser validada como prova legal?
De acordo com o entendimento do advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto,
“O delator perde o benefício, contudo, a informação oferecida na delação pode, mesmo assim, servir de caminho para a investigação”.
E prossegue:
“Bem no plano dos fatos é possível até que tenha alguma serventia, porque o delator dá um start, ele sinaliza, ele até aponta caminhos, ele inicia um processo de investigação penal. Há de ter préstimo à colaboração dele!”
6. DO MOMENTO DA OCORRÊNCIA DA DELAÇÃO PREMIADA
Impõe-se afirmar que o instituto da delação premiada se manifesta quando o indiciado ou acusado responsabiliza a autoria de um crime a um terceiro, seja este coautor ou partícipe. Da mesma forma, o instituto é empregado quando uma pessoa investigada ou já processada, de forma voluntária, fornece à autoridade competente dados ou informações sobre crimes praticados por uma quadrilha ou grupo criminoso. Esse mecanismo também pode ser utilizado para indicar a localização da vítima de um sequestro ou para possibilitar o recuperação do produto ou objeto do ato delituoso.
Nesse sentido, o momento adequado para a aplicação da delação premiada pode ocorrer durante a fase pré-processual, ou seja, na instauração do inquérito policial, quando há o esgotamento da fase inter criminis (o caminho do crime). No entanto, a delação também pode ser empregada na fase processual, durante a instrução criminal, ou seja, quando a ação penal já estiver em curso.
Cabe ressaltar que a delação premiada só será admitida se o delator fornecer informações novas, que acrescentem dados inéditos aos fatos já conhecidos pela investigação. Segundo o Ministério Público, a colaboração pode revelar informações estratégicas, que nem mesmo os investigadores conseguiriam obter sozinhos ou levariam muito tempo para captar, como, por exemplo, o caminho percorrido no desvio de dinheiro.
7. DO SIGILO DA DELAÇÃO PREMIADA
Nos termos da Lei nº 12.850/2013, o sigilo sobre o teor do acordo de delação premiada é expressamente previsto, com o objetivo de proteger o delator contra possíveis represálias e evitar prejuízos às investigações futuras. No entanto, a legislação não prevê que o vazamento de informações possa, por si só, anular as declarações fornecidas pelo delator.
Nesse sentido, ensina o jurista Tiago Botino, infra:
“Esse vazamento específico da empresa Odebrecht ocorreu antes da homologação judicial, mas isso não torna nulo o acordo. O que anula um acordo de colaboração premiada é quando as duas partes (acusação x defesa) rompem alguma das cláusulas daquele contrato. (…). Por exemplo, se o criminoso concordou em colaborar, e mente, informa falsamente um fato ou diz que determinada pessoa participou e não participou, ou omite a participação de outra pessoa e isto acaba sendo descoberto, isso faz com que o acordo seja anulado”.
8. DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE CONFISSÃO E DELAÇÃO
Dentre outras denominações empregadas para a delação premiada, destaca-se o termo “confissão delatória”. No entanto, esta se diferencia da confissão comum, uma vez que o ato de confessar implica o desejo do indiciado ou acusado de se autoincriminar, enquanto a confissão delatória refere-se à imputação de um fato delituoso a uma terceira pessoa.
9. DA NATUREZA JURÍDICA DA DELAÇÃO PREMIADA
A delação premiada se concretiza formalmente por meio de um acordo celebrado entre o indiciado ou acusado e o representante do Ministério Público, no qual este oferece benefícios em troca de informações substanciais. Nesse contexto, a valorização das informações fornecidas, tanto em qualidade quanto em quantidade probatória, deve ser considerada para que o benefício concedido ao delator possa ser ampliado.
No que se refere aos benefícios concedidos aos delatores, nos termos da delação premiada, incluem-se:
- a) A redução da pena de 1/3 a 2/3;
- b) O cumprimento da pena em regime semiaberto, considerado um regime menos gravoso;
- c) A extinção da pena;
- d) O perdão judicial.
Além disso, a aplicação da delação premiada deve ocorrer de acordo com as circunstâncias do caso concreto, podendo resultar em uma causa de redução de pena ou de extinção da punibilidade. Dessa forma, pode ser concedido o perdão judicial, nos termos do artigo 13 da Lei nº 9.807/1999, que trata da proteção da vítima e da testemunha, conforme exposto abaixo:
“Art. 13. Poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado”:
“I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;”
“II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;”
“III – a recuperação total ou parcial do produto do crime:”
“Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”
10. DA DELAÇÃO PREMIADA E O SEU VALOR PROBANTE
O valor probante da delação premiada não pode ser considerado absoluto em relação à pessoa delatada. Isso significa que o instituto se destina apenas a apontar a materialidade e a autoria do delito, sendo indispensável que a ação penal seja devidamente instruída com outras provas que possam validar as informações fornecidas pelo delator.
Além disso, a delação premiada não deve ser vista exclusivamente como um meio de colaboração e benefício ao delator, pois sempre existe o risco de uma falsa delação. Por essa razão, é essencial que se proceda a uma rigorosa avaliação entre as provas efetivamente produzidas e as informações decorrentes das delações, garantindo maior segurança jurídica ao processo penal.
11. DOS MEIOS DE VENCER O PACTO DE SILÊNCIO
Ao avaliar os meios para romper o pacto de silêncio no âmbito de um grupo criminoso, destaca-se um caso específico em que o Juiz Federal responsável pela prolação da sentença do Mensalão, Alexandre Sampaio, afirmou que a delação premiada é um instrumento “estritamente regulado em lei” e fundamental para “vencer pactos de silêncio estabelecidos entre criminosos”.
Ainda segundo o magistrado, qualquer alteração na delação premiada poderia “dificultar o acesso da Justiça aos altos escalões das organizações criminosas”.
12. DAS CRÍTICAS A DELAÇÃO PREMIADA
A delação premiada já foi alvo de inúmeras críticas, dentre elas, a de que as oitivas tomadas ficam sob o critério de avaliação do Juízo da causa e do parecer do Ministério Público, no que tange à utilidade das informações prestadas pelo delator.
Ora, diante desse impasse crítico, questiona-se: quem seria mais competente para avaliar as informações prestadas pelo colaborador senão a autoridade judicial julgadora? Afinal, o juiz, na condição de órgão jurisdicional, é a autoridade estatal investida de jurisdição, com competência para dizer o direito e solucionar pacificamente a lide penal. Além disso, o representante do Ministério Público, além de fiscal da lei, tem o dever de apresentar, oportunamente, a denúncia na ação penal.
Ressalte-se, ainda, que, no que se refere à homologação dos acordos e à produção das oitivas, os acordos de delação devem ser homologados pelo Juiz da causa. No entanto, o magistrado não se deterá sobre o teor da informação fornecida pelo delator, mas apenas verificará se o acordo foi firmado em conformidade com os requisitos legais. Ademais, cabe ao juiz analisar, dentre outras questões:
- Se a redução da pena prometida está respaldada na legislação vigente;
- Se a declaração do delator foi absolutamente espontânea.
Na hipótese de descumprimento dos requisitos exigidos ou da ausência de algum deles, caberá ao Juiz da causa recusar a homologação da proposta, devolvendo a documentação ao Ministério Público, a fim de que este supra as lacunas dos requisitos faltosos, conforme disposto no § 8º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Por conseguinte, a própria legislação pertinente afasta qualquer tentativa de questionamento sobre a validade e a aplicação da delação premiada.
Para alguns juristas, como Tourinho Filho e Guilherme de Souza Nucci, trata-se de um meio de obtenção de prova imoral, ainda que considerado um “mal necessário” diante da ineficácia do Estado no combate ao crime organizado.
13. DO RESULTADO POSITIVO DA DELAÇÃO PREMIADA
Nesse contexto, notícias indicam que, em dois anos, a Operação Lava Jato conseguiu recuperar mais de 4 bilhões de reais desviados devido à corrupção sistêmica. Segundo o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, em 16 de março de 2016, o Ministério Público Federal congelou aproximadamente 4,2 bilhões de reais oriundos dos desvios na Petrobras. O PGR afirmou, ainda, que as investigações só avançaram graças às informações obtidas e comprovadas por meio das delações premiadas.
Em março de 2016, ocorreu uma reunião em Berna, na Suíça, com a presença de Rodrigo Janot e do Procurador-Geral da Suíça, Michael Lauber, para discutir a cooperação entre os dois países no combate aos desvios na Petrobras. De acordo com um comunicado oficial da Suíça, divulgado na mesma data, US$ 70 milhões que haviam sido congelados deveriam ser devolvidos ao Brasil como resultado das investigações.
Além disso, até março de 2016, uma notícia divulgada informava que a Procuradoria-Geral da Suíça havia recebido 240 relatos de lavagem de dinheiro, relacionados à investigação de contas ligadas à Petrobras. O Ministério Público suíço solicitou documentos referentes a mil contas distribuídas em 40 bancos, no contexto das investigações sobre o escândalo da estatal. Além disso, cerca de 60 investigações resultaram no congelamento de aproximadamente US$ 800 milhões.
14. DA OPERAÇÃO LAVA JATO E A DELAÇÃO PREMIADA
A partir do início da vigência das leis que implementaram a delação premiada, tem-se observado que esse instituto ganhou ampla visibilidade e passou a ter maior utilização no procedimento penal brasileiro, especialmente em razão das investigações da Operação Lava Jato. Dessa forma, daqui para frente, o avanço das investigações dependerá das delações dos indiciados ou acusados e dos acordos de leniência, que podem gerar resultados expressivos tanto para a Administração da Justiça quanto para os próprios colaboradores.
Em 17 de março de 2014, a Operação Lava Jato foi deflagrada ostensivamente, dando início à maior investigação de corrupção da história do Brasil. A fase inicial contou com o cumprimento de mais de 100 mandados de busca e apreensão, além de prisões temporárias e preventivas e conduções coercitivas, com o objetivo de apurar um grande esquema de lavagem de dinheiro. Esse esquema movimentou mais de R$ 10 bilhões, provenientes de propinas que, segundo estimativas, poderiam chegar a R$ 20 bilhões.
As investigações conduzidas pela Polícia Federal, em parceria com o Ministério Público Federal, foram denominadas Operação Lava Jato. Entre os crimes investigados, destacam-se:
- Corrupção ativa e passiva;
- Gestão fraudulenta;
- Lavagem de dinheiro;
- Organização criminosa;
- Obstrução da Justiça;
- Operação fraudulenta de câmbio;
- Recebimento de vantagem indevida.
De acordo com notícias divulgadas pela mídia, as investigações e delações obtidas pela Força-Tarefa da Operação Lava Jato revelaram o envolvimento de alguns dos maiores partidos políticos do Brasil, incluindo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Progressista (PP), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), além de empresários brasileiros e outros partidos políticos.
Desde o início da Operação Lava Jato, já foram celebrados 70 acordos de delação premiada, dos quais 41 já foram homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em razão do foro privilegiado dos delatores envolvidos.
No que se refere à competência dos investigadores da Operação Lava Jato, cabe a eles verificar se o delator está falando a verdade e, com base nas informações prestadas, buscar provas que confirmem as declarações.
Caso o delator minta, ele perderá os benefícios da delação. Por outro lado, se a Polícia Judiciária não conseguir obter as provas necessárias após a homologação da delação, o delator não sofrerá qualquer sanção pela ausência de provas.
15. DO ACORDO DE LENIÊNCIA
Por meio da Lei nº 12.846/2013, denominada Lei Anticorrupção, foram estabelecidas as regras do Acordo de Leniência. O significado literal da palavra “leniência” remete à “suavização” da punibilidade do infrator que participou da atividade ilícita. No entanto, em troca, ele se tornará colaborador das investigações, com o objetivo de delatar os demais criminosos envolvidos no delito.
Nesse sentido, o Acordo de Leniência é celebrado com a pessoa jurídica que, em seu nome, praticou ato ilícito em detrimento da Administração Pública, seja ela nacional ou estrangeira. Contudo, para obter benefícios e suavizar sua pena, a empresa deve se colocar à disposição para auxiliar nas investigações e colaborar na identificação de outros envolvidos na prática ilícita.
O instituto da leniência, conforme disposto na Lei nº 12.529/2011, também está inserido no contexto do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. De acordo com as regras do acordo, há a necessidade de apresentação de informações e provas relevantes para as investigações e para a prisão dos demais infratores.
Dessa forma, as empresas envolvidas em ilicitudes que firmam o Acordo de Leniência devem implementar mecanismos internos para aprimorar a integridade da organização. Esse mecanismo é conhecido como programa de compliance, cujo objetivo é prevenir a ocorrência de novos atos ilícitos que comprometam a ética e a moralidade na Administração Pública. Essa exigência está prevista no inciso IV do artigo 16 da Lei nº 12.846/2013, conforme exposto infra:
“Art. 16. (…).”
“(…);”
“IV – a pessoa jurídica se comprometa a implementar ou a melhorar os mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo às denúncias de irregularidades e à aplicação efetiva do Código de Ética e de conduta”.
A Controladoria-Geral da União (CGU) é a entidade pública responsável pela celebração dos Acordos de Leniência no âmbito do Poder Executivo Federal. No entanto, esse benefício também pode ser concedido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), conforme disposto na Lei nº 12.529/2011.
16. DA HOMOLOGAÇÃO OU REJEIÇÃO DO ACORDO
Da decisão que homologar ou rejeitar a homologação do acordo, é cabível recurso de apelação, conforme disposto no inciso II do artigo 593 do Código de Processo Penal (CPP).
Por outro lado, não cabe recurso em sentido estrito, uma vez que essa possibilidade não está expressamente prevista no artigo 581 do CPP, tampouco há, em seus incisos, situação análoga àquela prevista no § 8º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Além disso, não é cabível a interposição de correição parcial, pois a decisão não causa inversão tumultuária no processo.
Dessa forma, considerando que a decisão tem força definitiva, impedindo ou homologando o acordo, é cabível o ajuizamento de apelação, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp nº 1.834.215/RS, da 6ª Turma, sob relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, em 27/10/2015.
Na hipótese de decisão monocrática do relator nos Tribunais, o recurso cabível é o agravo interno, com fundamento no artigo 1.021 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015.
Vale ressaltar que as normas de direito material que tratam da colaboração premiada em leis especiais devem ser observadas e aplicadas, e, quando omissas, devem seguir as regras gerais processuais estabelecidas na Lei nº 12.850/2013, que as regulamenta.
Como o instituto da colaboração premiada ainda é relativamente novo no Brasil, pode haver dúvidas quanto à sua interpretação. Dessa forma, a jurisprudência será fundamental para a regulamentação do instituto, à medida que novos casos forem analisados pelo STJ, órgão competente para a uniformização da legislação federal.
17. DA DISCUSSÃO ENTRE O JUIZ MORO E O ADVOGADO
Durante o mês de dezembro de 2016, a imprensa escrita, falada e televisiva noticiou uma discussão acalorada entre o Juiz Federal Sérgio Moro e o advogado Juarez Cirino dos Santos, defensor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no âmbito do processo judicial da Operação Lava Jato.
Esse desentendimento ocorreu devido a uma indagação feita pelo Procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho, dirigida à testemunha Mariuza Aparecida da Silva Marques, engenheira civil da OAS, que trabalhou no tríplex do Guarujá. A propriedade do imóvel foi atribuída ao ex-presidente Lula pelo Ministério Público Federal (MPF), sob a alegação de um possível pagamento de vantagem indevida pela empreiteira.
Diante disso, o Procurador de Justiça questionou a testemunha:
“Durante uma visita ao imóvel, a ex-primeira-dama Marisa Letícia foi tratada como uma possível compradora ou como alguém para quem a propriedade já havia sido destinada?”
Nesse momento, uma das advogadas de defesa protestou contra a pergunta, mas sua manifestação não foi acolhida pelo Juiz Sérgio Moro, que solicitou que novas intervenções não fossem feitas.
Após a ratificação da pergunta pelo representante do MPF, o advogado Juarez Cirino dos Santos também protestou contra a questão, momento em que o Juiz Moro afirmou que o advogado estava sendo inconveniente.
Em seguida, os ânimos se exaltaram, e o advogado elevou o tom de voz, alegando que Moro não o respeitava como defensor e que o juiz atuava como acusador principal. Em resposta, o Juiz Sérgio Moro afirmou que o advogado não respeitava o Juízo.
Diante desse episódio, a Presidência da Associação dos Juízes Federais (AJUFE) criticou os ataques dos advogados do ex-presidente Lula ao Juiz Moro, afirmando que:
“O que aconteceu na audiência de Curitiba, faz parte da estratégia deliberada da defesa do ex-presidente Lula de retirar o Juiz Federal Sérgio Moro da condução do processo da Operação Lava Jato”.
E, prosseguiu:
“Essa tentativa demonstra a ausência de argumentos para desconstituir as provas juntadas nos autos pelo Ministério Público Federal”.
E, encerrando afirmou:
“Moro tem dado exemplo ao Brasil. Por isso, damos total apoio ao magistrado condutor da Lava Jato”.
Deve-se observar, preliminarmente, que, diante do episódio mencionado, o Juiz Federal Sérgio Moro, ao lidar com a interferência de uma das advogadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a oitiva da engenheira civil Mariuza Aparecida da Silva Marques, não apenas deixou de acatar o protesto, como também interferiu verbalmente para que não fossem feitas novas intervenções.
Posteriormente, houve uma reiterada interferência sobre o mesmo fato, desta vez por parte do advogado Juarez Cirino dos Santos, que, amparado pela sua imunidade profissional, prevista no § 2º do artigo 7º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB), tem garantido que qualquer tipo de manifestação ocorrida em juízo ou fora dele não constitua prática de injúria ou difamação passível de punição, no exercício de sua atividade. No entanto, eventuais excessos podem ser apurados e punidos por sanções disciplinares perante a OAB.
No que se refere à imunidade profissional do advogado, especificamente quanto ao crime de desacato, a previsão constante do texto original do Estatuto da OAB foi suspensa liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 1.127-8, ajuizada pelo Procurador-Geral da República.
Vale ressaltar que o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994) prevê, em seu artigo 6º, parágrafo único, o seguinte:
“Art. 6º. Não há hierarquia em subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíproco”.
“Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho”.
Por outro lado, o artigo 31 do Capítulo VIII do Estatuto da OAB, que trata da Ética do Advogado, adverte o seguinte:
“O advogado deve proceder de forma que torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.”
Além disso, o Código de Ética e Disciplina da OAB, por meio da Resolução nº 02/2015, dispõe em seu artigo 42, inciso III, que:
“É vedado ao advogado abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que o congrega.”
Dessa forma, com base nessas normas aplicáveis à profissão de advogado, entende-se, salvo melhor juízo (s.m.j.), que a conduta do advogado Juarez Cirino dos Santos, ao defender um ex-presidente da República, excedeu-se no exercício de sua função. Isso porque a autoridade judicial já havia determinado que não houvesse novas intervenções por parte da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, relacionadas ao fato já debatido. Nesse contexto, o excesso cometido pode ensejar sanção disciplinar.
Ainda sobre esse tema, é pacífico o entendimento de que, em audiências de instrução e julgamento, a exaltação de ânimos e o embate de posições entre as partes são desdobramentos naturais do procedimento judicial. Portanto, é dever do advogado atuar de forma parcial em defesa de seu cliente, do magistrado manter-se imparcial e do representante do Ministério Público adotar um posicionamento compatível com suas funções institucionais.
Diante desse contexto, aplica-se a tipificação do artigo 6º, parágrafo único, do Estatuto da OAB, anteriormente citado.
No que se refere à atuação do magistrado, é sabido que ele detém a função jurisdicional e, nesse contexto, é o responsável por presidir o processo. Conforme disposto no artigo 255 do Código de Processo Penal e no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, consagram-se, respectivamente, os princípios do impulso oficial e da inafastabilidade da jurisdição. Ademais, nos termos do artigo 251 do CPP, tem-se o seguinte:
“Art. 251. Ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública”.
Além disso, entre os poderes jurisdicionais do magistrado, destacam-se os poderes instrutórios, que se relacionam com a coleta de elementos de convicção, fundamentados no princípio da verdade real. Esse princípio orienta o juiz a não se limitar às provas produzidas pelas partes, podendo, por iniciativa própria, adotar medidas para suprir eventuais deficiências do quadro probatório, conforme disposto nos incisos I e II do artigo 156 do Código de Processo Penal.
Dessa forma, é conclusivo o entendimento de que o Juiz Federal Sérgio Moro exerceu sua função com competência singular, demonstrando dedicação e comprometimento no exercício de seu mister. Sem medir esforços, sua atuação foi marcada pela busca incessante por uma justiça efetiva, contribuindo para afastar do convívio social uma classe aviltante e inescrupulosa de corruptos, que comprometeram a estabilidade do país e a dignidade da sociedade brasileira.
18. DAS NOTÍCIAS RECENTES SOBRE A COLABORAÇÃO PREMIADA DE MAURO CID
Em 21 de novembro de 2024, foi realizada uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), presidida pelo Ministro Alexandre de Moraes, com duração de três horas. Na ocasião, foi ratificada a validade do Acordo de Colaboração Premiada do Tenente-Coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência da República, Mauro Cid.
O ministro da causa considerou que o colaborador esclareceu todas as omissões e contradições apontadas pela Polícia Federal (PF). Dessa forma, as informações prestadas por Mauro Cid na colaboração seguem sob apuração pelas autoridades competentes.
Retornando aos fatos, em 2020, o Tenente-Coronel Mauro Cid celebrou um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal, o qual foi homologado pelo Ministro Alexandre de Moraes. A delação ocorreu no contexto da Operação Contragolpe, deflagrada em 19 de novembro de 2024, quando militares foram presos sob suspeita de participação em um plano para assassinar autoridades.
Diante desse fato, a Polícia Federal identificou omissões e contradições na oitiva prestada por Mauro Cid no mesmo dia, uma vez que a descoberta do suposto plano teve origem em conversas registradas no celular do colaborador.
No entanto, na audiência realizada no STF, Mauro Cid prestou todos os esclarecimentos necessários.
Destaca-se que a Procuradoria-Geral da República defendeu o arquivamento da proposta de delação do Tenente-Coronel Mauro Cid, três dias antes de o acordo ser validado pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Em 9 de setembro de 2023, a delação foi homologada pelo Ministro Moraes, ocasião em que o militar, que estava preso há quatro meses, obteve liberdade provisória concedida pelo magistrado. No entanto, três dias antes, ou seja, em 6 de setembro de 2023, a PGR sugeriu o arquivamento das tratativas, alegando a necessidade de uma análise mais detalhada. O parecer foi elaborado durante a gestão do Procurador-Geral da República Augusto Aras e assinado pelo Subprocurador-Geral Humberto Jacques de Medeiros.
No documento, a manifestação da PGR teve início com uma crítica à pressa na formalização do acordo de delação, afirmando que:
“Inexiste, portanto, contemporaneidade ou especial urgência de um provimento jurisdicional premente sobre o que foi apresentado pela Polícia Federal e o que foi inteirado à PGR há menos de 48 horas.”
A PGR explicou que negociações jurídicas demandam tempo para uma avaliação completa e ponderada das implicações, custos, benefícios, efeitos desejados e possíveis consequências, a fim de evitar nulidades e problemas futuros.
O Subprocurador-Geral Humberto Jacques de Medeiros acrescentou:
“O ditado popular ‘todo bom negócio resiste a uma boa pensada’ é aplicável aqui.”
Além disso, o segundo argumento utilizado pela PGR para contestar o avanço das tratativas da delação premiada de Mauro Cid foi a exclusão do Ministério Público Federal (MPF) dessas negociações. No parecer, sustentou que:
“No caso, não houve nenhum membro do Ministério Público Federal nas negociações até agora entabuladas”. (Grifei).
E, continuou:
“A despeito de ser admissível a pactuação de acordos de colaboração por autoridades policiais, é essencial compreender que a aceitação desses acordos pelo Ministério Público não justifica a negligência dos deveres de seus membros”.
O terceiro fundamento mencionado pela PGR é considerado o principal, segundo fontes que acompanharam o processo à época: a falta de provas que pudessem corroborar os depoimentos de Mauro Cid durante sua delação premiada. (Grifei.)
Além disso, conforme destacado pela PGR, as regras da instituição determinam que, desde o início das tratativas, o membro do Ministério Público Federal (MPF) deve analisar se os fatos apresentados pelo delator estão devidamente corroborados por outras provas, sejam elas internas ou externas e em poder de terceiros, ou se serão passíveis de futura corroboração.
O Subprocurador-Geral Humberto Jacques de Medeiros argumentou que:
“O material que até o momento presente foi remetido à Procuradoria Geral da República não permite o cumprimento desse dever. Será necessário um diálogo produtivo com as autoridades policiais em condições de relatarem o conjunto investigativo e os elementos de informação apresentados (ou indicados) pelo candidato à colaboração”. (Grifei).
Enfim, a manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) justificou que não foi possível ter certeza sobre a voluntariedade de Mauro Cid ao se dispor a delatar.
A delação premiada pressupõe que o delator admita, de forma voluntária, os crimes que ajudou a cometer, detalhe a participação de outras pessoas no esquema criminoso e apresente provas que corroborem suas declarações.
A PGR ressaltou, ainda, que:
“O procedimento ministerial de celebração do acordo jurídico processual penal não pode abrir mão da certeza por parte do Ministério Público quanto à voluntariedade do colaborador e o seu pleno entendimento quanto a todas as bases, implicações e consequências do acordo em questão”. (Grifos nossos).
Observa-se que, horas após a entrega do parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF), no qual solicitava o arquivamento da delação premiada, o Ministro Alexandre de Moraes determinou que Mauro Cid fosse ouvido. O objetivo era verificar a regularidade e legalidade das tratativas, bem como a voluntariedade do militar em firmar o acordo de delação premiada.
No entanto, o juiz auxiliar do Ministro Moraes, que conduziu a audiência, verificou a voluntariedade do colaborador e a regularidade formal do acordo, além de confirmar a presença do advogado de Mauro Cid em todos os atos das tratativas e oitivas. (Grifei.)
Em seguida, após analisar a proposta de colaboração, o parecer da PGR e a conclusão da audiência de Mauro Cid, Alexandre de Moraes validou o acordo. O ministro concluiu que a delação atende aos parâmetros legais, aos requisitos formais e à exigência de voluntariedade e espontaneidade do colaborador.
Além disso, Moraes afirmou que não se pode falar em ilegitimidade da Polícia Federal para a celebração do acordo, rechaçando os argumentos da PGR sobre a suposta falta de provas.
“A Polícia Federal apontou a ‘suficiência, a relevância e o ineditismo dos elementos de prova fornecidos’ como ensejadores da necessidade da realização do acordo de colaboração premiada”, disse o ministro.
Durante o mês de novembro de 2024, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), convocou o Tenente-Coronel Mauro Cid para ser ouvido novamente, após este, supostamente, ter negado à Polícia Federal (PF), nos dias anteriores, que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha conhecimento do plano golpista para assassinar o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Vice-Presidente Geraldo Alckmin e o próprio Ministro Alexandre de Moraes.
Em 21 de novembro de 2024, durante a oitiva, o Ministro Alexandre de Moraes esteve frente a frente com Mauro Cid e afirmou que a Polícia Federal havia constatado uma série de omissões e contradições em suas declarações anteriores, incluindo uma tentativa de minimizar as acusações contra Jair Bolsonaro.
Na referida audiência, o Tenente-Coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então Presidente Jair Bolsonaro, foi advertido severamente pelo Ministro Alexandre de Moraes devido às supostas omissões e contradições apontadas pela PF durante as investigações do inquérito sobre a suposta trama golpista para impedir o início do terceiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. (Grifei.)
Em 20 de fevereiro de 2025, um vídeo foi divulgado pela imprensa escrita e televisiva, no qual o Ministro Alexandre de Moraes aparece supostamente fazendo ameaças explícitas ao militar Mauro Cid durante a audiência de interrogatório realizada em novembro de 2024, afirmando que:
“Eu quero fatos, por isso eu marquei essa audiência. Eu diria que é a última chance de o colaborador dizer a verdade sobre tudo”. Em ato contínuo, o ministro disparou: “Depois, e quero, aqui, não vai dizer que não avisei”, dando a entender que o colaborador enfrentaria retaliações.
Por conseguinte, o Ministro Alexandre de Moraes deixou claro que, caso as informações prestadas por Mauro Cid não fossem suficientes ou precisassem ser alteradas, ele poderia não apenas perder os benefícios da delação, mas também ter sua colaboração rescindida, o que impactaria diretamente sua família. O ministro alertou:
“Eventual rescisão (da colaboração) englobará inclusive a continuidade das investigações e a responsabilização do pai do investigado, de sua esposa e de sua filha maior.”
Além disso, a advertência foi ainda mais enfática, referindo-se aos impactos na segurança e nos benefícios concedidos à sua família:
“Saliento essa parte pela importância.”
Destaca-se que a delação premiada de Mauro Cid, cujas declarações estavam sob sigilo, foi recentemente divulgada na íntegra. O material se tornou público em 19 de fevereiro de 2025, logo após a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 33 investigados no inquérito sobre o golpe de Estado.
Ainda durante a audiência, o Ministro Alexandre de Moraes afirmou que aquela era uma nova oportunidade para o colaborador prestar informações verdadeiras e que:
“Vários documentos foram juntados aos autos, onde celulares, mensagens de celulares, mensagens de computadores, novos laudos foram juntados, se percebeu que há uma série de omissões e uma série de contradições. Eu diria aqui, com todo respeito, uma série de mentiras na colaboração premiada”.
Em seguida, o Ministro Alexandre de Moraes ressaltou que um parecer da Procuradoria-Geral da República indicava a possibilidade de retorno à prisão pelas omissões identificadas em seus depoimentos, bem como a eventual renovação dos benefícios da colaboração premiada. O ministro afirmou que:
“Eventuais novas contradições não serão admitidas. Eu quero que ele diga o que sabe, mais especificamente em relação ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro, às lideranças militares citadas, general Braga Netto, general Heleno, general Paulo Sérgio, general Ramos e eventuais outros que ele tiver conhecimento”.
Durante a audiência, Mauro Cid ratificou todas as acusações contra os investigados, os benefícios da colaboração premiada foram mantidos e o pedido de prisão foi retirado.
No entanto, diante da conduta do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao afirmar que o Tenente-Coronel Mauro Cid poderia ser preso e que sua família poderia ser alvo de investigações caso não falasse a verdade, há um potencial comprometimento da validade da delação premiada.
Motivado pelos fatos ocorridos, o advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, declarou que deverá solicitar a anulação do acordo de delação de Mauro Cid, sob o argumento de que essa audiência não deveria ter ocorrido, uma vez que o próprio Ministério Público Federal (MPF) já havia solicitado o cancelamento do acordo. Em entrevista, Vilardi ainda questionou: “O juiz pode dizer ao colaborador que ele será preso e sua família perderá imunidade se não falar a verdade?
Embora não haja confirmação de que esse argumento será utilizado para reforçar o pedido de anulação, o advogado Celso Vilardi observa a conduta do Ministro Alexandre de Moraes como um elemento relevante para questionar a legalidade da colaboração premiada de Mauro Cid.
No que se refere a esses fatos, juristas divergem quanto à postura de Moraes. O professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rogério Taffarello, reconheceu que o ministro cometeu um “excesso verbal”, mas argumentou que não houve constrangimento ilegal. Ele afirmou: “É desejável que juízes sejam contidos nesses alertas, mas essa postura tem sido admitida no sistema judiciário brasileiro.”
Por outro lado, parlamentares da direita classificam a conduta de Moraes como coação e tortura. O Senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) declarou que Mauro Cid modificou sua versão logo após ser ameaçado de prisão: “Isso é tortura” .
No mesmo tom, o Deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) também criticou a conduta do ministro, acrescentando que a ameaça poderia ser caracterizada como pressão ilegal.
Já o Deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da oposição, foi ainda mais enfático ao afirmar: “Isso não foi uma delação premiada, foi uma coação premiada.”
Durante a audiência, Mauro Cid ratificou todas as acusações contra os investigados, os benefícios da colaboração premiada foram mantidos e o pedido de prisão foi retirado.
No entanto, diante da conduta do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao afirmar que o Tenente-Coronel Mauro Cid poderia ser preso e que sua família poderia ser alvo de investigações caso não falasse a verdade, há um potencial comprometimento da validade da delação premiada.
Motivado pelos fatos ocorridos, o advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, declarou que deverá solicitar a anulação do acordo de delação de Mauro Cid, sob o argumento de que essa audiência não deveria ter ocorrido, uma vez que o próprio Ministério Público Federal (MPF) já havia solicitado o cancelamento do acordo. Em entrevista, Vilardi ainda questionou: “O juiz pode dizer ao colaborador que ele será preso e sua família perderá imunidade se não falar a verdade?
Embora não haja confirmação de que esse argumento será utilizado para reforçar o pedido de anulação, o advogado Celso Vilardi observa a conduta do Ministro Alexandre de Moraes como um elemento relevante para questionar a legalidade da colaboração premiada de Mauro Cid.
No que se refere a esses fatos, juristas divergem quanto à postura de Moraes. O professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rogério Taffarello, reconheceu que o ministro cometeu um “excesso verbal”, mas argumentou que não houve constrangimento ilegal. Ele afirmou: “É desejável que juízes sejam contidos nesses alertas, mas essa postura tem sido admitida no sistema judiciário brasileiro.”
Por outro lado, parlamentares da direita classificam a conduta de Moraes como coação e tortura. O Senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) declarou que Mauro Cid modificou sua versão logo após ser ameaçado de prisão: “Isso é tortura” .
No mesmo tom, o Deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) também criticou a conduta do ministro, acrescentando que a ameaça poderia ser caracterizada como pressão ilegal.
Já o Deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da oposição, foi ainda mais enfático ao afirmar: “Isso não foi uma delação premiada, foi uma coação premiada.”
Neste ponto, observa-se a proibição do magistrado de interferir nas negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada, o qual deverá ser conduzido exclusivamente pelas autoridades competentes, conforme disposto no § 6º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Além disso, o § 7º do mesmo diploma legal prevê a possibilidade de o juiz da causa ouvir, de forma sigilosa, o colaborador ou delator, desde que acompanhado por seu advogado.
Dessa forma, verifica-se que houve quebra do sigilo obrigatório previsto em lei, não observada pelo Ministro Alexandre de Moraes, quando, durante a oitiva, ocorreu a transmissão gravada e televisionada para todo o país. A manifestação verbal do ministro nessas circunstâncias não é admitida pela legislação infraconstitucional, tampouco prevista no ordenamento processual penal brasileiro.
Vale esclarecer que a quebra de sigilo determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes, neste processo, não se restringe apenas à oitiva do Tenente-Coronel Mauro Cid, mas também afeta a integridade do procedimento sigiloso como um todo.
Por outro lado, na hipótese de o Ministério Público Federal (MPF) não oferecer a denúncia, o magistrado pode se recusar a homologar o acordo de colaboração premiada, com fundamento no princípio da obrigatoriedade da ação penal pública?
Neste caso, acredita-se que não, uma vez que o princípio da obrigatoriedade, como ocorria no âmbito da Lei dos Juizados Especiais ao promover a transação penal, foi mitigado (abrandado). Dessa forma, ao analisar a necessidade e adequação da medida, é cabível ao Ministério Público Federal deixar de oferecer a denúncia.
O magistrado, por sua vez, fica incumbido apenas de analisar a regularidade, legalidade e voluntariedade da medida, não lhe sendo permitido avaliar o mérito do acordo, mas apenas verificar se as normas legais que o regem foram observadas.
No entanto, o juiz da causa poderá ouvir o colaborador, desde que a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade policial, mesmo que este tenha sido beneficiado com o perdão judicial ou não denunciado, nos termos do § 12 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Dessa forma, a qualquer momento, sempre que necessário para esclarecimentos de fatos apurados em processo judicial, será possível a oitiva do colaborador. (Grifei.)
Consequentemente, nessas oitivas prestadas perante o magistrado, o MPF e a autoridade policial, o colaborador deverá renunciar ao direito ao silêncio, sempre na presença de seu advogado, e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade, nos termos do § 14 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Isso significa que, curiosamente, ele pode ser processado pela prática do crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal.
Dessa forma, deduz-se que, embora o colaborador ou delator possa estar envolvido nos fatos delituosos, ele não pode ser ouvido por meio de “Termo de Depoimento”, uma vez que este é utilizado para ouvir testemunhas, que são obrigadas a falar a verdade, sob pena de responderem pelo crime de falso testemunho.
Por outro lado, o acusado também não está obrigado a dizer a verdade durante seu interrogatório, pois não pode ser punido por falso testemunho, uma vez que tem o direito de não produzir provas contra si mesmo. Além disso, o interrogatório é um meio de autodefesa, e o acusado não é considerado testemunha.
Dessa forma, o procedimento correto para a oitiva do colaborador ou delator deve ser realizado por meio de um “Termo de Declarações”, e jamais por um “Termo de Depoimento”.
Por conseguinte, a novel previsão do § 14, do artigo 4º, da Lei nº 12.859/2013, reza que
“Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”.
De acordo com a conclusão da ADI 5.567-DF, a 2ª Tese reza que
“O § 14, do art. 4º, da Lei de Organizações Criminosas deve ser interpretado da seguinte forma: o colaborador, nos depoimentos que prestar, não renuncia ao direito ao silêncio, mas apenas escolhe deixar de exercê-lo”.
Vislumbra-se que, perante a Lei de Organizações Criminosas, apenas o § 14 do artigo 4º dispõe sobre a oitiva do colaborador ou delator mediante Termo de Depoimento, o que diverge da regra processual penal brasileira.
No que se refere à preservação da legalidade do ato, para que a colaboração seja essencial na formação da convicção do juiz da causa, é necessário que fique evidente sua voluntariedade. Para tanto, recomenda-se, sempre que possível, que o ato seja registrado por meio de gravação eletrônica.
Além disso, quanto ao registro das tratativas e dos atos de colaboração, este pode ser feito por gravação eletrônica, gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, garantindo-se ao colaborador a disponibilização de cópia de todo o material, conforme previsão do § 13 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Dessa forma, todos os dados do depoimento poderão ser acessados e analisados posteriormente.
Ademais, visando à preservação da voluntariedade e da legalidade da medida, o colaborador, em todos os atos de negociação e depoimentos que prestar, deverá estar sempre acompanhado por seu advogado ou defensor, conforme dispõe o § 15 do artigo 4º da Lei supracitada.
No que se refere à garantia dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, deve ser assegurada ao réu delatado a oportunidade de se manifestar em todas as fases do processo, após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou, nos termos do § 10-A do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Dessa forma, chama atenção a interferência do Ministro Alexandre de Moraes na condução da oitiva de Mauro Cid, com o propósito de questionar eventuais alterações no acordo de colaboração premiada, sem a presença dos principais responsáveis por sua condução, ou seja, o representante do Ministério Público Federal (MPF) e a autoridade policial.
Assim, a pressão verbal exercida pelo Ministro Alexandre de Moraes sobre o colaborador, com o intuito de provocar temor em relação a ele e seus familiares, não é admitida nem prevista no ordenamento jurídico brasileiro, seja constitucional ou infraconstitucional.
Na hipótese da prática de ameaça, conforme a boa doutrina, o crime de ameaça é considerado formal, sendo o bem jurídico tutelado a tranquilidade psíquica da vítima. Dessa forma, o crime se consuma no momento em que o infrator manifesta sua intenção de causar um mal injusto e grave à vítima, desde que esta fique efetivamente atemorizada.
Além disso, verifica-se a possível tipificação do crime de abuso de autoridade, conforme previsto na Lei nº 13.869/2019, mediante a seguinte conduta:
“Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo”:
“Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Na mesma lógica, incorre no mesmo crime aquele que constranger um preso ou detento a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiros. (Grifei.)
No que se refere ao dolo específico, exigido pela Lei de Abuso de Autoridade, este fica evidente quando restar cristalina a vontade do agente de prejudicar alguém ou beneficiar-se indevidamente, caracterizando assim uma conduta maliciosa.
Quanto à definição da Lei de Abuso de Autoridade, o artigo 1º dispõe:
“Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.”
Já o § 1º do mesmo artigo estabelece que:
“As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.” (Grifei.)
Nesse sentido, não há como conceber que um magistrado possa reverter ou alterar os termos de um acordo de colaboração premiada já devidamente homologado judicialmente. Caso contrário, essa prática levaria ao descrédito do instituto, pois o investigado ou acusado deixaria de confiar em seus termos, gerando grave insegurança jurídica.
Consequentemente, para evitar esse tipo de situação, a própria lei prevê a homologação judicial do acordo, oportunidade em que o magistrado poderá rejeitá-lo ou adequá-lo caso sejam constatados vícios que o tornem legalmente inexequível.
Dessa forma, antes de rejeitar a homologação do acordo, o juiz da causa deve devolvê-lo às partes, permitindo que sejam feitas as adequações necessárias. Esse procedimento deve ser sempre a medida correta a ser adotada pelo magistrado.
FONTES DE PESQUISA
- Constituição Federal de 1988
- Código Penal Brasileiro
- Código de Processo Penal
- Jornal Jurid – Publicações Eletrônicas – 02/01/2017
- Delação Premiada e o Acordo de Leniência – Jacinto Sousa Neto – Jus Brasil
- Lei de Abuso de Autoridade – Ronaldo João Roth – 29/05/2020
- STF – 21/11/2024
- CNN Brasil – 19/02/2025
- Agência Brasil – 19/02/2025 – André Richter
- Portal Novo Norte – 20/02/2025
- Pablo Carvalho – Contra Fatos – 20/02/2025.
Sobre o auto
Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico. Advogado – Consultor Jurídico – Literário