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Pulgasari: O Godzilla comunista e o sequestro de um cineasta

Hollywood tem seus monstros. O Japão tem Godzilla. E a Coreia do Norte? Tem Pulgasari. Um filme bizarro, um enredo digno de novela policial e um diretor sequestrado. Parece ficção? Não é. Essa é a história real do cineasta sul-coreano Shin Sang-ok e sua forçada incursão na propaganda do regime norte-coreano.
Um monstro contra a tirania… ou seria a favor dela?
Pulgasari (1985) é, na superfície, um filme sobre opressão e revolta. A trama segue um camponês esmagado por um governo cruel que, antes de morrer, esculpe uma pequena criatura de metal. O boneco ganha vida, cresce ao se alimentar de ferro e armas e, no auge de sua fome, destrói o exército opressor. Parece uma história de justiça popular, certo? Mas a ironia é gritante: o longa foi produzido sob as ordens de um dos regimes mais fechados e autoritários do mundo.
E a peça-chave dessa trama? Shin Sang-ok, um dos mais renomados cineastas da Coreia do Sul. Mas ele não estava ali por vontade própria.

Sequestro digno de filme
A tragédia começa em 1978. Shin viajou para Hong Kong para investigar o desaparecimento de sua ex-esposa, a atriz Choi Eun-hee. O que ele não sabia era que ela já havia sido sequestrada por agentes norte-coreanos. Dias depois, ele teve o mesmo destino.
Shin passou cinco anos preso, sendo “reeducado” pelo regime, até ser convidado para um jantar em Pyongyang. E quem estava lá? Choi Eun-hee. Depois de anos sem qualquer contato, descobriram que tinham sido capturados pelo mesmo motivo: Kim Jong-il queria usar seus talentos para criar uma indústria cinematográfica na Coreia do Norte.
A ideia do ditador era simples e perturbadora: produzir filmes que vendessem ao mundo uma imagem gloriosa do Partido dos Trabalhadores da Coreia. Shin e Choi passaram a viver sob vigilância constante, dirigindo sete filmes entre 1983 e 1986, todos sob supervisão direta de Kim Jong-il, um obcecado por cinema. Pulgasari foi o mais icônico deles.
Cinema como ferramenta de controle
Sequestrar um diretor para fazer propaganda política parece coisa de filme distópico, mas a estratégia não é tão incomum quanto parece. No século XX, ditadores de todas as partes entenderam o poder do cinema. Da Alemanha nazista de Goebbels à União Soviética de Stalin, o audiovisual foi moldado para vender narrativas convenientes ao regime. Kim Jong-il apenas levou essa obsessão ao extremo, literalmente sequestrando talentos para fazer o trabalho.
E a estratégia funcionou? Não exatamente. Pulgasari se tornou mais uma relíquia bizarra da história do cinema, cultuada por curiosos e estudada como exemplo grotesco de como a ditadura tentava manipular a arte.
Fuga cinematográfica
O pesadelo durou oito anos. Em 1986, Shin e Choi tiveram uma chance: durante uma viagem de “negócios” em Viena, escaparam e buscaram asilo na embaixada dos Estados Unidos. Foi uma fuga digna dos filmes que Shin tanto dirigiu.
Anos depois, o diretor revelou detalhes do terror que viveu, enquanto Pulgasari seguiu seu caminho peculiar, sendo redescoberto por cinéfilos como um dos filmes mais bizarros já produzidos. Para alguns, uma sátira acidental do próprio regime que o criou. Para outros, apenas um monstro de borracha devorando tanques de brinquedo.
Conclusão: o poder do cinema
No fim, a história de Pulgasari é um lembrete brutal do poder do cinema. Como disse Jordan Peterson: “As pessoas podem não discutir um filme depois de assisti-lo, mas isso não significa que não tenham aprendido algo com ele”. Ditadores entenderam isso muito bem. E Shin Sang-ok pagou o preço por seu talento.
O cinema pode ser arte. Pode ser entretenimento. Mas também pode ser arma. Depende de quem está segurando a câmera.