Judiciário
Menores Infratores e a Redução da Maioridade Penal: Solução ou Ilusão?

A redução da maioridade penal no Brasil é um tema relevante de debates jurídicos e políticos. Para alguns, essa medida contribuiria para a redução da criminalidade juvenil, ao passo que especialistas em criminologia e direitos humanos argumentam que a inserção precoce de jovens no sistema carcerário traria efeitos negativos, como o aumento da reincidência e o fortalecimento de organizações criminosas.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que a reincidência no sistema prisional adulto é de 42,5%, enquanto no sistema socioeducativo destinado a adolescentes é de 23,9%. Esses números sugerem que a inserção de jovens no sistema prisional adulto não é a solução mais eficaz para a redução da criminalidade.
A reflexão sobre o tema exige uma análise aprofundada da evolução histórica da maioridade penal no Brasil, da eficácia das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA) e do impacto das políticas públicas na prevenção da criminalidade juvenil. Este estudo visa esclarecer esses pontos e contribuir para o debate acadêmico sobre o tema. Utiliza-se como base dados de instituições como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Supremo Tribunal Federal (STF) e literatura especializada em Direito Penal e Criminologia.
Evolução Histórica no Brasil
A legislação penal brasileira passou por grandes transformações ao longo dos séculos, refletindo mudanças nos âmbitos jurídicos e sociais. Nas Ordenações Filipinas (1603), influenciadas pelo direito canônico e pelo absolutismo monárquico português, crianças a partir de 7 anos já podiam ser punidas criminalmente, sendo que castigos físicos e penas severas eram usuais na época.
No Código Criminal do Império (1830), houve uma evolução na concepção da responsabilidade penal infanto juvenil, estabelecendo-se a idade de 14 anos como referência para imputabilidade penal. No entanto, crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos ainda podiam ser responsabilizados caso se comprovasse que possuíam discernimento suficiente para entender o caráter ilícito de seus atos.
Em contrapartida, com o advento do Código Penal Republicano de 1890, a maioridade penal sofreu um retrocesso, sendo reduzida para 9 anos. Nesse período exigia-se exames de discernimento para crianças entre 9 e 14 anos, um critério subjetivo que, não raras vezes, ocasionava arbitrariedades no julgamento de menores infratores
Em 1926 foi publicado o Decreto nº 5.083, onde nasce o 1º código de menores do brasil, aqui a imputabilidade é alcançada aos 14 anos. Em 1927 este foi revogado pelo decreto nº 17.943-A, conhecido como Código Mello Mattos, que estabelecia um plano infracional dispondo até os 14 anos medidas com finalidades educacionais, e dos 14 aos 18 anos punições atenuadas.
No entanto, no ápice do regime militar, foi publicado o decreto Lei nº 1.004/69, prevendo a redução da maioridade penal para 16 anos, se atestada capacidade de discernimento. Este só foi revogado em 1973, que restabeleceu a extinção de inimputabilidade aos 18 anos. Sendo, até hoje estabelecido assim no nosso Código Penal: “Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”
Apesar dessas garantias legais, propostas para a redução da maioridade penal persistem no debate legislativo e político. Em 2015, houve a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, atualmente arquivada, que visava reduzir a idade penal para 16 anos em casos de crimes graves, que enfrentou resistência no Senado e de organismos internacionais de direitos humanos, como a UNICEF e a ONU, que destacaram os riscos de encarceramento precoce na perpetuação da criminalidade juvenil.
Destarte, essa evolução histórica da maioridade penal no Brasil evidencia não apenas as transformações jurídicas e sociais do país, bem como as construções de garantias fundamentais voltadas à proteção de crianças e adolescentes. Reconhecendo-os como indivíduos em desenvolvimento moral e psíquico.
Em que pese o modelo de justiça juvenil baseado na socioeducação demonstre maior efetividade, setores da sociedade, movidos por ideais punitivistas, muitas vezes pleiteiam o recrudescimento da legislação, buscando reduzir a maioridade penal. Esse debate reflete o dilema do equilíbrio da resposta estatal face à criminalidade e a necessidade de preservação de princípios e garantias constitucionais e diretrizes internacionais.
Maioridade Penal e Vulnerabilidade Juvenil
A discussão de redução da maioridade penal baseia-se na premissa de que adolescentes infratores e/ou adultos se aproveitam da impunidade desses para cometer crimes. No entanto, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2022) revelam que a maioria dos jovens em conflito com a lei é condenada por crimes patrimoniais não violentos, como furtos e pequenos roubos.
Destaca-se que, estudos acerca da maioridade penal sugerem que políticas punitivistas não reduzem a criminalidade. Foucault (1975), no livro Vigiar e Punir, esclarece que o suporte das penas não tem como objetivo a dissuasão do crime, tampouco apenas punir, mas sim a manutenção do controle social e o fortalecimento do poder punitivo do Estado, funcionando como um mecanismo de vigilância e normalização. Nesse sentido, a criminalização precoce e o aumento das penas acabam reforçando a marginalização dos mais vulneráveis, sem necessariamente impactar a redução da criminalidade.
Ainda, análises recentes destacam justamente a vulnerabilidade social dos jovens infratores no Brasil. De acordo com a Pesquisa Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), 91% desses adolescentes não concluíram o Ensino Fundamental, 76% dos condenados são negros e 34% pertencem a famílias com renda entre 1 e 3 níveis mínimos. Além disso, esses jovens enfrentam diversas formas de violência ao longo de suas vidas: 49,8% foram agredidos de forma violenta, 29,6% foram vítimas de agressões por responsáveis legais, 86% relataram ter sofrido violência policial, 30,3% sofreram bullying, 2,3% foram vítimas de violência sexual e 12,7% foram agredidos por conta da cor da pele ou religião.
Nesse sentido, Loïc Wacquant (2001) destaca que a criminalização da pobreza tem sido um padrão global. No Brasil, jovens negros e periféricos são os principais alvos da repressão penal, sendo frequentemente expostos a abordagens violentas e a políticas de segurança pública que reforçam a criminalização da pobreza.
Segundo estudo acerca das violações de direitos humanos no Governo Bolsonaro (2019-2022), políticas de segurança de ‘tolerância zero’ intensificaram ações repressivas contra comunidades vulneráveis. Essas medidas resultaram no aumento da letalidade policial e na perpetuação do ciclo de exclusão social, demonstrando que a repressão penal não se traduz em diminuição efetiva da criminalidade, mas sim na ampliação da desigualdade e da marginalização da juventude periférica.
Conclusão
Ante o exposto, conclui-se que a redução da maioridade penal não representa uma solução efetiva para a criminalidade juvenil. Os estudos e historicidade demonstram que a punição precoce não diminui os índices de criminalidade e pode até agravá-los. Além disso, o Brasil já dispõe de um dispositivo normativo robusto, como o ECA, que prevê medidas socioeducativas mais eficazes do que o encarceramento.
A realidade carcerária brasileira também reforça essa conclusão. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui uma das maiores populações carcerária do mundo, com cerca de 711.463 pessoas privadas de liberdade. Esse número alarmante comprova que o simples aumento da punição não inibem a prática criminosa.
Se o endurecimento penal fosse um fator determinante para a redução da criminalidade, não estaríamos enfrentando um colapso no sistema prisional. A bem da verdade, a criminalidade é um problema estrutural, diretamente ligado à educação e à falta de políticas públicas eficazes de inclusão social. Países que investem na educação e em programas sociais, como Finlândia e Noruega, apresentam índices muito mais baixos de reincidência e criminalidade juvenil, evidenciando que a solução para esse problema está além do simples punitivismo.
Ao que me parece, a ampliação de políticas públicas voltadas para a educação, assistência social e oportunidades de emprego se mostra mais eficiente para a prevenção da criminalidade juvenil. Portanto, ao invés de medidas punitivistas, a discussão deveria ser a inclusão social.
REFERÊNCIAS:
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