Segurança Pública
PEC da segurança repara “omissão de 30 anos”, diz representante das guardas municipais
Presidente da Associação Nacional dos Guardas Municipais endossa proposta do governo, que prevê a integração da categoria às demais forças de segurança

A PEC da Segurança Pública, prevista para ser apresentada pelo Ministério da Justiça ao Congresso Nacional neste mês de abril, promete alterar a estrutura do sistema nacional de segurança ao reconhecer formalmente as guardas municipais como integrantes do aparato nacional de segurança no texto da Constituição Federal. O tema mobiliza há décadas as entidades representativas da categoria, que hoje atua sem amparo expresso no texto constitucional, embora já desempenhe atividades típicas de segurança pública reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) somente este ano.
Para Reinaldo Monteiro, presidente da Associação Nacional dos Guardas Municipais (AGM Brasil), a proposta representa uma reparação histórica. Ele afirma que a inclusão das guardas na Constituição trará segurança jurídica para funções que já são exercidas diariamente nas cidades. Monteiro defende que a medida não gera conflito com as polícias militares, já que os municípios têm papel próprio e complementar no sistema: o de prestar atenção primária à segurança pública, com ações preventivas e foco em demandas locais, como proteção de escolas, serviços públicos e fiscalização de posturas municipais.
Durante a entrevista, Monteiro critica a resistência de parte das forças policiais, que segundo ele tentam manter uma “reserva de mercado” em detrimento da lógica federativa. Ele também aponta que muitos prefeitos ainda encaram a segurança como tarefa exclusiva do Estado, quando, na verdade, já possuem estrutura para desenvolver políticas locais muitas vezes sem o devido respaldo institucional.
Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Qual a importância da PEC da segurança pública para as guardas municipais?
Reinaldo Monteiro – Depois de várias tratativas e reuniões, inclusive com o ministro Lewandowski, estamos confiantes. A decisão do STF no Recurso Extraordinário 608.588 fortaleceu a posição das guardas. A PEC vem atender uma demanda que dura mais de 30 anos: o reconhecimento das guardas municipais como órgãos de segurança pública no artigo 144 da Constituição. Essa inclusão garante segurança jurídica. Não muda a atuação prática, porque as guardas já fazem esse trabalho há décadas, mas elimina de vez os questionamentos sobre nossa legitimidade. É a Constituição reconhecendo a vida real.
A PEC da Segurança Pública busca fortalecer a colaboração federativa entre as forças de segurança. Como as guardas municipais podem colaborar nessa construção?
Antes de falar de forças de segurança, precisamos entender o pacto federativo. O artigo 30 da Constituição diz que o município tem competência para prestar serviços públicos de interesse local isso inclui segurança. O município sempre vai atuar na atenção primária, com ações preventivas. Isso não atrapalha o trabalho das polícias militares, que devem focar em ações macro e no combate ao crime organizado.
Alguns especialistas temem a sobreposição com a Polícia Militar, mas isso não procede.
Hoje, as PMs tentam fazer tudo: ronda escolar, atendimento de briga de casal, perturbação do sossego, acidente de trânsito, proteção de prédios públicos. Acabam se tornando uma “polícia pato”: voa, nada e corre tudo mal. Quando o município assume seu papel e organiza sua segurança, libera as forças estaduais para focar onde realmente importa.
No que consiste essa atenção primária em segurança?
Além das atribuições comuns a todos os órgãos de segurança pública, como busca pessoal, busca veicular, prisão em flagrante, que já são reconhecidas pelo STF, as guardas têm competências exclusivas. São elas que fiscalizam os códigos de postura dos municípios, como leis sobre perturbação do sossego, horários de bares, uso do espaço público, transporte.
O município é responsável por proteger seus bens, serviços e instalações. Isso inclui transporte público, escolas, unidades de saúde. E quem faz essa proteção é a guarda municipal.
Existe alguma cidade que já funcione dentro dessa lógica?
Barueri (SP) é um bom exemplo. Temos 500 guardas e trabalhamos com 35 viaturas por plantão para uma população de 316 mil habitantes. A Polícia Militar aqui trabalha com no máximo 12 ou 13 viaturas. E isso não é exclusivo de Barueri. Algumas cidades menores têm guardas pequenas, mas que atuam só em seu território, com estrutura melhor do que a ofertada pela PM, que às vezes cobre quatro ou cinco cidades com duas viaturas.
O problema é que muitos prefeitos ainda enxergam a segurança como obrigação do governo estadual e não como um dever do município, o que faz com que políticas públicas nesse sentido sejam incorporadas quase por osmose. Eles fazem segurança como se fosse um favor, e não como algo que a Constituição já determina. Falta essa consciência de que o município tem responsabilidade direta nesse campo.
O que corrobora para essa visão entre prefeitos?
Muitas vezes, vemos oficiais das forças de segurança argumentando que os prefeitos não têm condições de cuidar da segurança pública. Não se leva em consideração que ele foi eleito pela sociedade, ele tem uma Câmara municipal, tem o Ministério Público para fiscalizar.
Às vezes a gente fica triste, porque a gente vê que algumas pessoas de algumas forças de segurança parecem querer uma reserva de mercado, como se somente aquele grupo ou aquela força fosse responsável pela segurança pública.
O município tem condição de ter uma escolinha infantil, uma UBS, ele tem condição de ter uma Câmara municipal, de ter uma prefeitura, várias secretarias, mas é constantemente desestimulado a ter uma de segurança ou de ordem pública. O que muitas vezes se observa é um discurso que foca muito na questão corporativa e não no espírito público de avançar na qualidade da segurança pública.
Como está a articulação no Congresso para aprovar a PEC?
Está avançada. Já houve conversas com o colégio de líderes na Câmara, com os presidentes Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) [Senado]. O acordo é para que a PEC tramite com celeridade. Existem outras propostas em tramitação nas duas Casas, mas a prioridade agora é a PEC da segurança pública. Qualquer outro tema, como previdência, a gente pode discutir depois. Se tentar colocar tudo agora, corre o risco de travar. Esperamos há mais de 30 anos por essa atualização constitucional. É hora de garantir isso.