Segurança Pública
A esdrúxula e inesperada metamorfose do Exército Brasileiro: dobra o número de militares que passam temporariamente pela força
O Exército está mudando bastante: militares temporários hoje já compõem grande parte da lotação dos quartéis

O Exército Brasileiro está passando por uma transformação pouco percebida pela sociedade. Entre 2013 e 2025, o número de graduados temporários — que são militares que ingressam sem concurso público, com vínculos precários e regulamentação diferenciada — mais que dobrou, saltando de 7.537 para 15.725. Essa quantidade representa um crescimento de 108,6%. No mesmo período, o número de oficiais temporários também cresceu de forma significativa, em 30,2%, passando de 8.085 militares para 10.528.

O total de militares temporários no Exército Brasileiro no momento, sob o Comando do General de Exército Tomás Miguel Miné, segundo a última tabela de lotação, excluindo os militares do Serviço Militar inicial, aqueles que se alistam de forma obrigatória ingressando como recrutas, somam hoje 26.253 oficiais e graduados. Eles servem no Exército Brasileiro sem vínculo definitivo com a instituição e todos os anos devem renovar o contrato, que pode durar no máximo 8 anos
As tabelas de lotação do Exército Brasileiro, emitidas por decretos presidenciais, mostram que atualmente grande parte do efetivo do Exército é composto por esses militares não concursados, número que – ao que tudo indica -tende a aumentar ainda mais nos próximos anos. E essa mudança vai muito além da planilha de pessoal, levantando sérias discussões sobre precarização do trabalho militar e ausência de direitos básicos para quem arrisca a vida em nome da pátria.
Militares temporários, mesmo risco, menos direitos
Embora os militares temporários, sejam eles oficiais ou graduados, desempenhem as mesmas funções e estejam submetidos à mesma hierarquia e disciplina que os de carreira, não possuem os mesmos direitos. A discrepância se torna gritante em situações de risco ou acidente. Conforme explicou à Revista Sociedade Militar o advogado Evaldo Correa Chaves, especialista em ações contra as Forças Armadas, militares temporários são dispensados mesmo após acidentes graves, muitas vezes sem qualquer amparo legal.
“Se – em uma situação hipotética – na mesma patrulha houver um oficial concursado, um oficial temporário e um soldado cumprindo serviço militar obrigatório e cada um deles perder um dos olhos em uma explosão, somente será reformado o oficial concursado”, denuncia Chaves. “Os outros dois, mesmo estando submetidos às mesmas regras, serão desligados da força sem qualquer direito relacionado ao acidente sofrido”.
A judicialização da dignidade
Diante dessa realidade, cresce o número de ações judiciais movidas por ex-militares em busca de compensações mínimas por sequelas permanentes e dispensa sem amparo. Evaldo Chaves relata já ter atuado em mais de 200 casos semelhantes. Em um deles, venceu o Exército em favor de um ex-soldado acidentado, que teve reconhecido o direito à promoção a sargento, com pagamento retroativo dos salários não recebidos após a dispensa.
“O Exército está se tornando uma força de militares descartáveis”, diz Chaves. “Como é possível exigir que um jovem se aliste, se exponha a risco de morte, e depois de um acidente perca um dedo, um olho, e ainda saia sem direito algum?”
O futuro das Forças Armadas em xeque
A substituição crescente de militares de carreira, concursados, por militares temporários, menos dispendiosos e descartáveis, pode parecer uma economia no curto prazo. Entretanto, militares de carreira ouvidos pela revista alertam que, além da injustiça social na questão dos acidentes de trabalho, essa estratégia pode comprometer perigosamente a qualidade operacional e o compromisso institucional do Exército Brasileiro a longo prazo.
Sem estabilidade, sem perspectiva de carreira e com tratamento desigual diante do risco, muitos jovens que passam pelas fileiras das Forças Armadas saem marcados não apenas pelas cicatrizes físicas, mas também pela frustração e pela sensação de abandono.