Judiciário
Justiça Eleitoral cassa mandato de prefeito na Paraíba por abuso de poder político e econômico e determina novas eleições

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A juíza Hyanara Torres Tavares de Queiroz, da 33ª Zona Eleitoral, determinou a cassação de mandato do prefeito Manoel Pereira de Souza (Manoel Moleque) e da vice-prefeita, Adriana Maria Cavalcanti Marsicano (Adriana de Walter), de São José de Caiana, por conduta vedada e abuso de poder político e econômico nas eleições de outubro do ano passado.
A sentença proferida nesta sexta-feira, dia 25, julgou procedente a AIJE – Ação de Investigação Judicial Eleitoral – movida pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) em conjunto com a candidata Anna Karenynna Campos Fernandes Lopes (Kaká de Marcílio), e determina ainda inelegibilidade do prefeito Manoel Pereira de Souza por 8 anos.
“Julgo PROCEDENTES os pedidos para: CASSAR OS DIPLOMAS de Manoel Pereira de Souza (Manoel Moleque) e Adriana Maria Cavalcanti Marsicano (Adriana de Walter), Prefeito e Vice-Prefeita eleitos no pleito de 2024, ANULAR os votos atribuídos à chapa vencedora para a eleição majoritária – Eleições 2024, Município de São José de Caiana, e, com base no artigo 224, § 3º, do Código Eleitoral, determinar a realização de novas eleições no Município de São José de Caiana/PB, DECRETAR A INELEGIBILIDADE de Manoel Pereira de Souza (Manoel Moleque), Prefeito eleito no pleito de 2024, tanto para o pleito para o qual concorreu, quanto para as eleições que se realizarem nos 08 (oito) anos subsequentes; APLICAR A MULTA prevista no artigo 73, §§ 4º e 8º, da Lei nº 9.504/97 e art. 20, II da Resolução TSE nº 23.735/2024, no valor de R$ 80 mil UFIR (R$ 85.128,00) ao Prefeito Manoel Pereira de Souza (Manoel Moleque) e a Vice-Prefeita Adriana Maria Cavalcanti Marsicano (Adriana de Walter)”, sentenciou a magistrada.

ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO – “O que se tem é que o crescimento no número de contratações e o aumento das despesas públicas de maneira substancial, sem a devida comprovação de necessidade administrativa, reforçam o caráter ilícito dessa prática”, informa a magistrada.
“Do que se extrai das provas documentais carreadas aos autos, produzidas pela parte autora e complementadas pelo Ministério Público, resta suficientemente comprovada a prática do abuso de poder político e econômico por meio da análise dos pagamentos realizados a pessoas físicas, a título de prestadores de serviços, sem o devido processo licitatório ou a formalização contratual exigida pela legislação vigente”.
“Tal prática reiterada revela-se grave quando se observa a sua incidência sistemática entre os meses de julho a setembro dos exercícios de 2020 a 2024, justamente em período de proximidade com o processo eleitoral, indicando desvio de finalidade com intenção eleitoreira”
“O aumento de despesas com pessoal, sem justificativa plausível, demonstra, portanto, a manipulação da administração pública para fins eleitorais”
PAGAMENTOS A PESSOAS FÍSICAS CRESCERAM 65% NO ANO ELEITORAL – “Consoante dados oficiais, obtidos junto ao sistema Sagres do TCE/PB, e juntados aos autos pelo MPE, a evolução crescente desses dispêndios ocorreu na seguinte proporção: R$ 348.014,87 em 2020; R$ 431.830,85 em 2021; R$ 601.102,00 em 2022; R$ 599.756,59 em 2023; e o montante expressivo de R$ 991.300,95 no exercício de 2024. Tem-se que houve um aumento de aproximadamente 65,29% na despesa com pagamentos a pessoas físicas entre julho e setembro de 2024 em comparação com o mesmo período de 2023″, revelam os autos.
“Em regiões marcadas por fragilidade socioeconômica, o eleitor tende a agir sob a lógica do voto de gratidão, muitas vezes sem condições de exercer um juízo crítico mínimo, o que potencializa os efeitos da conduta abusiva e amplia o seu impacto no equilíbrio do pleito. Nessa perspectiva, a potencialidade lesiva e a gravidade das circunstâncias são os vetores centrais para a configuração do ato abusivo, independentemente da comprovação de alteração no resultado eleitoral”
Na espécie, conforme levantamento realizado no sistema Sagres do TCE-PB, o Município de São José de Caiana apresentou evolução significativa nas despesas com benefícios assistenciais ao longo dos últimos anos.
GASTOS COM BENEFÍCIOS SOCIAIS CRESCERAM 301% – “Em 2020, o valor despendido foi de R$ 18.126,59, passando para R$ 76.020,81 em 2021. Após uma redução em 2023, quando foram registrados R$ 44.544,00, observou-se um crescimento expressivo em 2024, com o montante atingindo R$ 178.651,23, de benefícios assistenciais para custear tratamentos médicos, auxílios financeiros, aluguel social, ajuda financeira, o que representa um aumento de 301% em relação ao ano anterior.
“Conforme demonstram os dados apresentados pelo Ministério Público Eleitoral, no período de maio a setembro de 2024 foi pago o valor total de R$ 104.329,00. Nos anos anteriores, entretanto, os valores destinados aos mesmos benefícios foram significativamente inferiores, sendo: R$ 7.447,71 em 2020; R$ 36.902,81 em 2021; R$ 40.558,00 em 2022; e R$ 20.584,00 em 2023″
“Além disso, no mês de setembro de 2024, às vésperas das eleições, foi desembolsado o montante de R$ 30.010,00, ao passo que, no mesmo mês do ano anterior (2023), o valor pago foi de apenas R$ 5.009,00″
USO ELEITOREIRO DA POLÍTICA ASSISTENCIAL – “Esse crescimento desproporcional, especialmente em período próximo ao pleito eleitoral, indica desvio de finalidade na destinação dos recursos públicos, demonstrando o uso eleitoreiro da política assistencial.
Consoante remansosas doutrina e jurisprudência pátrias, a concessão de auxílios financeiros, aluguel social e outras ajudas no segundo semestre de 2024, com valores elevados e sem justificativas plausíveis ou critérios claros, configura abuso de poder econômico. A utilização desses programas assistenciais de forma concentrada no período eleitoral, sem a devida transparência, sem plano de execução ou critério objetivo, caracterizou, na espécie, manipulação da máquina pública com objetivo eleitoral, prejudicando a igualdade do pleito.
“Em um município de reduzido eleitorado (5.813 eleitores aptos – Dados TSE), é inegável que o aumento de contratação de prestador de serviço e distribuição de bens sociais às vésperas do período eleitoral configura conduta com potencial apto a comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito. Isso porque medidas dessa natureza tendem a influenciar diretamente o voto dos contratados e beneficiados e, de forma reflexa, atingem também seus núcleos familiares, que se veem economicamente beneficiados, agravando o desequilíbrio na disputa eleitoral (Vide Acórdão TSE no Recurso Especial Eleitoral 142/BA, supratranscrito, Publ. no DJE 242)”
CANDIDATOS SE VALERAM DA MÁQUINA PÚBLICA – “No caso em exame, os elementos probatórios são suficientes a demonstrar a configuração do abuso de poder e a prática de conduta vedada, uma vez que restou comprovado que os candidatos se valeram da máquina pública para promover suas candidaturas, com nítida finalidade eleitoral” afirmou a magistrada.
“As condutas praticadas, analisadas em seu conjunto, revelam um desvio de finalidade na atuação administrativa, com repercussão e magnitude significativas, afetando a igualdade de condições entre os concorrentes e influenciando diretamente o eleitorado”
“Entendo, repise-se, que a utilização indevida de recursos públicos com finalidade eleitoreira, ainda que sem demonstração de voto diretamente captado, é suficiente para caracterizar o abuso, pois os atos praticados foram capazes de desequilibrar disputa eleitoral. Isso porque houve a utilização indevida da máquina pública com finalidade eleitoreira, por meio de contratações precárias e da distribuição de bens de natureza social em pleno período eleitoral”
“Não se trata de presunções, mas de um conjunto fático robusto, devidamente comprovado nos autos, que evidencia a gravidade das condutas imputadas aos investigados”
SENTENÇA – “Dito isso, buscando equilibrar o rigor da lei com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando, ainda, as peculiaridades do caso concreto e visando, sobretudo, à efetividade da norma eleitoral e preservação do processo democrático, tenho como necessária a aplicação das seguintes sanções: i) cassação dos diplomas do Prefeito Manoel Pereira de Souza e Vice-Prefeita Adriana Maria Cavalcanti Marsicano; ii) inelegibilidade do Prefeito Manoel Pereira de Souza, já que não demonstrado o poder de mando da Vice-Prefeita, sendo o Prefeito o detentor de poderes para efetivar as contratações ilegais4; iii) multa em razão da prática de conduta vedada prevista no art. 73, IV da Lei nº 9.504/1997 e art. 20, II da Resolução TSE nº 23.735/2024, no valor de 80 mil UFIR (R$ 85.128,00), para o Prefeito Manoel Pereira de Souza e para Vice-Prefeita Adriana Maria Cavalcanti Marsicano, considerando o alcance e a gravidade dos danos causados à regularidade do pleito, em município de diminuto eleitorado”, sentenciou a juíza