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Entenda fraudes no INSS, narrativas do governo Lula e papel do jornalismo

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio de acordos de cooperação técnica (ACTs), autorizou dezenas de associações a praticar “desconto de mensalidade associativa” nos benefícios de aposentadoria e pensão. De 21 em 2022, passou-se a 29 em 2023 e 36 em 2024, entre as confirmadas até o momento.
Com a cobrança da “mensalidade” por supostos serviços, como abatimentos em planos de saúde e academias, os aposentados e pensionistas filiados a essas associações passaram a ter seu salário mensal reduzido.
Dezenas de milhares de aposentados, no entanto, disseram ter sido filiado a essas associações sem autorização, o que é ilegal, e acionaram a Justiça para conseguir reaver o dinheiro descontado indevidamente. Isso gerou 62 mil processos contra as entidades, por descontos indevidos e filiações fraudulentas, feitas com falsificação de assinaturas.
O faturamento mensal dessas associações saltou de R$ 85 milhões em 2023 para R$ 250 milhões em 2024, graças ao número inflado de filiados e aos valores embolsados por força dos descontos. Nesse período, elas arrecadaram juntas, R$ 2,2 bilhões.
Os casos surgiram em 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro, e aumentaram exponencialmente quatro anos depois, sob o governo Lula. No total, 6 milhões de pessoas vinham sendo descontadas mensalmente em seu salário de aposentadoria, a maioria sem consentimento, comprometendo ao todo R$ 6,3 bilhões. Os descontos só foram alegadamente suspensos em abril de 2025.
Dois exemplos
A associação Amar Brasil Clube de Benefícios, por exemplo, tinha faturamento de R$ 2,4 milhões em janeiro de 2023 e hoje arrecada R$ 10 milhões mensais com “contribuições” de aposentados, tendo faturado R$ 104 milhões no período. Na Justiça, há muitos processos nos quais a Amar Brasil não consegue comprovar a legalidade das filiações que lhe garantem os descontos. Ela foi alvo de condenações de até R$ 10 mil em indenizações a aposentados.
Campeã de salto em faturamento entre 2023 e 2024, chegando a R$ 30 milhões mensais, a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) elevou de 38 mil para 650 mil o número de filiados no período, acumula milhares de queixas e processos por descontos indevidos e já tem condenações judiciais para indenizar aposentados.
Por trás da dela e de outras associações envolvidas na farra dos descontos nas aposentadorias do INSS, estão empresários do ramo de seguros e planos de saúde.
Quem assinou pela Ambec o ACT com o INSS em 2021 foi Antonio Bacic, pai de Ademir Bacic, médico e CEO da Prevident, operadora odontológica voltada a servidores públicos. Diretor da Prevident, José Hermicesar Brilhante também figura nos quadros de diretores estatutários da associação. A Prevident é ligada ao Grupo Total Health, do empresário Maurício Camisotti, cunhado (marido da irmã) de Antonio e tio de Ademir Bacic. Conhecido em Brasília, Camisotti fez, de acordo com um relatório usado na CPI da Covid, uma operação de R$ 18 milhões junto a Precisa Medicamentos, famosa pela fraude no contrato bilionário para vender a vacina indiana Covaxin ao governo federal. Suas empresas acumulam milhões de reais em contratos com o poder público.
“Entre 01/08/2023 e 30/04/2024, a AMBEC fez quatro transferências para a empresa Prevident,
que totalizaram um valor de R$ 16.365.082,20. O ITAU UNIBANCO S.A. comunicou tais
movimentações de valores por serem incompatíveis com o faturamento mensal dos envolvidos”, diz um relatório da Polícia Federal sobre a farra dos descontos.
“Além disso, ressalta-se o fato de que um dos números de telefone cadastrados na Receita Federal Brasileira (RFB), como sendo da empresa Prevident, também está no cadastro da AMBEC e de outras empresas do grupo familiar de Maurício”, acrescenta a PF, citando Benfix, Total Health Group (THG) e Odonto Seg.
Quem descobriu a farra dos descontos no INSS?
A farra dos descontos foi descoberta por Luiz Vassalo, ex-repórter da Crusoé que participou de matérias de capa históricas da revista eletrônica do portal O Antagonista – sobre todos os lados da política brasileira -, como “O ministro e as empreiteiras“, relativas à Dias Toffoli, indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal, e “O mensalão do Bolsonaro”, relativa ao escoamento dos bilhões de reais do orçamento secreto, mecanismo criado a partir das chamadas “emendas de relator”.
Atualmente, ele escreve no Metrópoles, onde publicou, em 27 de abril de 2024, a reportagem “Exclusivo: farra do desconto em aposentadorias fatura R$ 2 bi em 1 ano”. Foi somente a partir dessa matéria que a Controladoria-Geral da União abriu investigação sobre o tema, como sua assessoria, inclusive, comunicou ao jornalista: “A partir da suas reportagens [sic], abrimos uma investigação preliminar”. Ele então noticiou em 4 de abril de 2024 a abertura: “CGU abre investigação sobre farra dos descontos em aposentadorias”.
O órgão fez auditorias em 29 associações que tinham ACTs com o INSS, além de entrevistas com cerca de 1.300 aposentados que tinham descontos em folha de pagamento.
As narrativas lulistas
O governo Lula, portanto, já não teria motivos para se vangloriar pela descoberta do escândalo – como ministros, parlamentares petistas e porta-vozes do lulismo buscaram fazer -, uma vez que ele já havia estourado na imprensa e não se podia mais abafá-lo.
Mas o relato de Luiz Vassalo sobre o modo de obtenção das informações ainda lança suspeitas sobre a disposição inicial de órgãos comandados por indicados do governo Lula.
O aumento vertiginoso do faturamento das associações, segundo o repórter, “foi constatado por Lei de Acesso à Informação. Dados que o INSS, de início, se recusou a fornecer. Depois, orientado pela CGU, acabou liberando. Foram três meses de recursos.”
Caixa preta
O primeiro pedido ao INSS havia sido feito em 25 de dezembro de 2023. Dois dias antes, Luiz Vassalo já havia publicado a reportagem “Associação em nome de auxiliar de dentista dá golpe em aposentados”, matéria focada em apenas um caso que o levou a perseguir, depois, os dados dos descontos de todas as entidades.
“Funcionários que barraram as informações por três meses eram do núcleo de André Fidelis, aquele que foi demitido após a revelação da farra das associações. Foi então, quando, no fim de março, mostrei o crescimento vertiginoso”, relatou Luiz Vassalo. “Os dados eram uma caixa preta. Depois disso, passaram a ser publicados no portal da transparência do governo federal.”
A decisão judicial de 17 de dezembro de 2024 que autorizou uma operação da Polícia Federal registra a verdadeira origem da investigação:
“Narra a Autoridade Policial, em suma, que a investigação teve início a partir da Notícia-Crime n.° 36104010, encaminhada via e-mail, à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DICOR; em síntese, o denunciante relata a reportagem das periódicas Metrópoles, publicada em 23/12/2023 e 26/12/2023, que apontam descontos, sem consentimento, nos benefícios de aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, que teria sido realizado pela Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos – AMBEC (CNPJ
08.254.798/0001-00).”
Não foi o STF, claro. Foi o juiz federal de primeira instância Massimo Palazzolo, da Quarta Vara Criminal de São Paulo.
As investigações da CGU e da PF, portanto, foram posteriores às do repórter e em consequência delas. Ainda assim, não se pode creditar a robustez de apurações subsequentes ao governo Lula, porque o trabalho na controladoria foi feito essencialmente por auditores concursados, como o são os policiais federais envolvidos nas operações. CGU e PF são suscetíveis ao controle político, sim, mas nunca foi fácil exercer 100% desse controle, sobretudo quando as revelações jornalísticas pressionam o órgão e a corporação a agirem.
Batom na cueca
Além disso, o ministro da Previdência Social do governo Lula, Carlos Lupi (PDT), foi alertado sobre o aumento de fraudes nos descontos de pensões e aposentadorias do INSS em junho de 2023, mas levou quase um ano para tomar providências. As informações constam de atas de reuniões do Conselho Nacional de Previdência Social reveladas no sábado, 26 de abril de 2025, pelo Jornal Nacional.
Em 5 de julho de 2023, Lula havia nomeado o presidente do INSS, Alessandro Antônio Stefanutto, que acabou afastado do cargo após a operação da PF do último dia 23 de abril. Lupi, no entanto, buscou preservar o presidente, dizendo-se o responsável pela indicação.
Em resumo, o lulismo confirma novamente agora a minha tese de 2014: quando não consegue abafar um escândalo, tenta levar o crédito pela sua descoberta e neutralização.
Fonte: O Antagonista