Internacional
Índia e Paquistão buscam lucros políticos após conflito
Tanto na Índia como no Paquistão, governos e militares reivindicam vitória após cessar-fogo e tentam usar a crise para reforçar seu apoio interno

Até poucos dias atrás, o Exército do Paquistão era criticado em todos os setores da sociedade paquistanesa, sendo acusado de se intrometer na política do país. Muitos paquistaneses acusavam os generais de manipularem as eleições de 2024 para manter o ex-primeiro-ministro Imran Khan longe do poder. As críticas miravam sobretudo o chefe do Exército por seu papel na prisão de Khan. O Exército sempre negou as acusações.
“Estamos enfrentando tantos problemas por causa do Exército”, disse um motorista de táxi em Karachi à DW há um mês. “Eles estão mantendo Khan atrás das grades porque ele desafiou o domínio dos militares.”
Mas tudo mudou após o ataque mortal contra turistas hindus na cidade de Pahalgam, na Caxemiraadministrada pela Índia, em 22 de abril, no qual 26 pessoas, a maioria homens hindus, foram mortas.
O ataque foi reivindicado por um grupo que se autodenomina Resistência da Caxemira, também conhecido como a Frente de Resistência (TRF, na sigla em inglês) e que a Índia afirma estar ligado ao Lashkar-e-Taiba (LeT), uma organização terrorista segundo a ONU.
A Índia acusou o governo do Paquistão de apoiar o ataque, uma alegação que o Paquistão nega. A crise logo virou um conflito militar entre os dois países, que são arquirrivais e potências nucleares.
Em 7 de maio, a Força Aérea Indiana lançou ataques com mísseis, visando o que o governo indiano afirmou serem infraestruturas terroristas no Paquistão e na parte da Caxemira que é administrada pelo Paquistão.
Dezenas de pessoas morreram nesses ataques, e o número de mortos aumentou quando o Paquistão retaliou com seus próprios ataques, dois dias depois.
Militares paquistaneses em alta
O analista político Naazir Mahmood diz que regimes impopulares costumam se beneficiar desse tipo de conflito militar. “Após o ataque da Índia, até mesmo os críticos dos militares paquistaneses, geralmente liberais e seculares, exigiram que Islamabad desse uma lição a Nova Delhi”, comenta.

Um cessar-fogo foi declarado no sábado passado, e tanto a Índia quanto o Paquistão reivindicaram vitória no conflito, com cidadãos apoiando seus governos.
No Paquistão, usuários de redes sociais têm elogiado as Forças Armadas com um fervor nacionalista exacerbado. Em algumas cidades, pessoas foram às ruas para “celebrar o sucesso” das Forças Armadas paquistanesas sobre as forças indianas.
Mariam Hassan, uma médica de 36 anos de Laore, disse à DW que tinha orgulho da atuação do Exército paquistanês. “Protegemos nosso país e não saímos fracos [do conflito]. Abatemos caças indianos e atacamos a Índia em vários lugares”, declarou, referindo-se às alegações de Islamabad.
O analista Mahmood diz que as Forças Armadas recuperaram força dentro do país. “Embora os militares já controlassem todas as esferas da governança, seu controle sobre a política ficará mais forte”, avalia.
O jornalista paquistanês Farooq Sulehria diz não haver maneiras de medir o quanto os últimos combates impulsionaram a popularidade dos militares, mas que postagens em redes sociais e comentários na imprensa deixam claro que há uma tendência ascendente.
“O que se deve entender é que o apoio aos militares surge de um sentimento anti-Índia. Os militares agora apresentarão essa breve guerra como um triunfo deles. Ela será usada para construir uma imagem”, diz Sulehria.
A narrativa do “defensor dos hindus”
Na Índia, nacionalistas também retratam o episódio como um triunfo do primeiro-ministro Narendra Modi e de seu partido, o nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP). O ataque em Pahalgam gerou enorme pressão sobre o governo de Modi para retaliar e punir os responsáveis e seus apoiadores.
“Para a Índia e o primeiro-ministro Modi, o ataque de 22 de abril precisava de uma resposta, ainda mais depois de a oposição e os usuários de redes sociais exibirem clipes de Modi repreendendo o ex-primeiro-ministro Manmohan Singh [pela falta de resposta] após o ataque terrorista de 26/11 em Mumbai, em 2008”, diz o oficial aposentado da Marinha indiana Uday Bhaskar.
“Modi teve que provar que pode liderar a Índia para entrar [no Paquistão] e atacar. Essa narrativa reforça a imagem de uma ‘Índia liderada por Modi’ como assertiva, vigorosa e de tolerância zero com o terrorismo jihadista. Isso leva à narrativa de ‘defensor dos hindus’, que traz benefícios eleitorais”, sublinhou Bhaskar. A próxima eleição legislativa em Bihar será um teste dessa tese.
Porém, o cessar-fogo mediado pelos EUA irritou os nacionalistas hindus na Índia, de acordo com a analista Shanthie Mariet D’Souza, presidente do Instituto Mantraya de Estudos Estratégicos. “Não acho que o cessar-fogo seja aceitável para todos os grupos nacionalistas indianos, pois ele ficou muito aquém das expectativas deles de infligir perdas ao Paquistão”, avalia.
Mais repressão
Especialistas afirmam que, apesar dos sentimentos ufanistas em ambos os países, serão os cidadãos das duas nações que arcarão com os efeitos do conflito. “A interferência dos militares paquistaneses na política aumentará ainda mais, e o espaço para os políticos diminuirá ainda mais”, resume Mahmood.
O conflito também terá um custo econômico para os paquistaneses. “O governo deve apresentar o orçamento anual em junho e já anunciou que planeja aumentar substancialmente o orçamento de defesa. Já os fundos de desenvolvimento serão reduzidos. Vejo os militares governando o país com mão de ferro nos próximos anos.”
Para Sulehria, o cenário atual não é um bom presságio para os direitos civis no Paquistão. A repressão a movimentos populares nas províncias do Baluchistão e Khyber Pakhtunkhwa deverá aumentar. “As autoridades recorrerão a medidas mais repressivas em todo o país”, diz.