Educação & Cultura
Interpretação de texto: intervenções para garantir o avanço da turma
O cuidado metodológico ao organizar essas ações deve dialogar com as diversas áreas do conhecimento, abrindo, inclusive, oportunidade para um trabalho interdisciplinar
Nesta época do ano letivo, começamos a perceber os sinais de que nosso caminho trilhado em sala de aula já vai alto, não é? Ainda assim, há tempo para avaliar avanços ou retrocessos e realizar intervenções a partir dos resultados das provas diagnósticas tão comuns nesse momento.
É a oportunidade para observarmos se nossos alunos são capazes de cumprir seus objetivos comunicativos e suas intenções interlocutórias, sendo nosso ponto de intersecção a compreensão e a produção de textos diversos, assim como a análise linguística a partir da utilização eficiente dos recursos expressivos da língua.
Assim, ao pensarmos e planejarmos as aulas de Língua Portuguesa, passamos a ver o texto como nosso ponto de partida e de chegada em um constante intercâmbio entre nossos alunos e suas capacidades de uso dos recursos linguísticos adequados às situações do cotidiano.
Nesse contexto, se descortina para eles a necessidade de apropriação de forma consciente dos ditos e dos não-ditos pelos interlocutores. Avaliar como se saem nos orienta sobre possíveis problemas, permitindo-nos redefinir estratégias para a maior eficiência na interação entre o estudante e os saberes necessários à constituição de sua competência discursiva. E é aqui que podemos nos deparar com habilidades que não foram consolidadas e que precisam de uma intervenção pedagógica.
A capacidade, por exemplo, de inferir uma informação implícita ou identificar o tema ou o assunto global do texto e, até mesmo, reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra, muitas vezes, não é consolidada. Isso dificulta os procedimentos de leitura, a compreensão das relações entre os textos de suportes e gêneros distintos e até as intenções do enunciador.
Interpretação e contexto linguístico
Entendemos que a leitura e a produção de textos abarcam uma diversidade de possibilidades de outras composições nos mais diversos campos de atuação de nosso aluno. Partimos, então, da ideia de que o cuidado metodológico ao planejarmos nossa intervenção pedagógica deve dialogar com as diversas áreas do conhecimento. Já parou para observar o comportamento dos alunos diante de novas palavras? Como eles atribuem sentido a elas considerando suas vivências?
Assim, que tal provocar sua turma e conduzi-la a uma reflexão sobre os sentidos possíveis de palavras do poema O Jaguadarte? Escrito por Lewis Carroll, ele está no livro Alice no País das Maravilhas, publicado em 1865. Fale um pouco sobre o poema e evidencie o desconcerto que esse texto provoca porque, apesar de criar palavras – pintalouvas, por exemplo-, preserva um sentido que é conseguimos entender no contexto. Discuta como os termos podem ser categorizados e que mesmo desconhecendo seu significado, conseguimos fazer analogias quanto aos critérios semânticos, morfológicos e sintáticos. Peça para que atribuam sentido ao texto lido, socialize as possibilidades de interpretação e reforce, por fim, o valor que as palavras têm conforme o contexto em que são usadas.
A consulta ao dicionário é uma estratégia que nos permite confrontar as acepções apresentadas em um verbete a elementos textuais que possibilitam a compreensão de termos e expressões, promovendo mudanças no trabalho com os contextos linguístico e situacional. Intervenções intencionais contribuirão para que o aluno desenvolva sua capacidade leitora, construindo sentido a partir das informações contextualizadas. A exemplo do que podemos ler no Dicionário de humor infantil, de Pedro Bloch: “Quando a gente vive, a gente existe. Quando morre, a gente desiste”, aprender a ler textos e contextos é não desistir. É viver construindo sentidos para o que existe em nós e ao nosso redor.
Por isso, explore os múltiplos significados das palavras, sentido literal e figurado, utilize fontes diversas para inspirar a construção de significado e novas informações. Através da obra de Bloch, é possível investigar os implícitos textuais, identificar as marcas de humor, inferir conceitos vivenciados socialmente ou sobre as interações que ocorrem por meio da linguagem. Se julgar adequado, professor, retome os critérios semânticos, morfológicos e sintáticos abordados anteriormente, compare com as definições trazidas pelos dicionários convencionais e proponha a criação de verbetes a partir das experiências individuais.
Intervenção interdisciplinar
Com base nas habilidades trabalhadas em sala de aula, podemos desenvolver metodologias diversificadas e interdisciplinares que auxiliam o fazer pedagógico e potencializam o aprendizado, buscando formas de entendimento que podem agregar aspectos cognitivos e o desenvolvimento socioemocional dos estudantes, estabelecendo mecanismos de identificação e correlação didática.
Uma das formas de utilizar o ensino da língua materna para envolver saberes diversos é a utilização de glossários baseados em conceitos retirados de livros didáticos, artigos ou do próprio dicionário. Essa estratégia de ensino é usada pelo meu colega professor de Ciências Leandro Lamounier Camargo. Ele orienta seus alunos a identificar os termos de seu componente curricular, utilizando o material didático como fonte de consulta para encontrar os significados compatíveis aos temas abordados ao longo das aulas, sendo necessário analisar o contexto programático para encontrar um conceito adequado.
Depois de elaborar e registrar os conceitos, os alunos participam da correção dos termos, verificando quais dados foram descritos de forma correta e quais poderão diferenciar conceitos atribuídos a outras expressões, como verificado no dicionário ao realizar uma pesquisa ortográfica. A compreensão do tema envolve a articulação de diversas perspectivas, conceitos, progressão e encadeamento de ideias. Uma abordagem reflexiva sobre a aplicação de termos e expressões em contextos distintos é um percurso que permite a descoberta de particularidades da escrita e a pluralidade de leituras e de sentidos em relação a um mesmo texto. Compreender e atribuir significado é uma proposta de intervenção que certamente facilitará o trabalho desenvolvido nas diversas áreas do conhecimento. É a esperança, ou seja, “é um pedaço da gente que sabe que vai dar certo”, como diria Bloch.
Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestranda em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guimarães Rosa, da Academia de Letras da PMMG.