Educação & Cultura
Relação família-escola: como educar pais e responsáveis?
A participação dos pais e mães nas unidades escolares traz muitos ganhos – no entanto, às vezes é preciso instruir também esses adultos para o bem da unidade e de todo o território
Em 1982, na canção O que é, O que é?, Gonzaguinha imortalizou a frase “eu fico com a pureza da resposta das crianças”. Posso dizer que, estando em atividade desde 2009 na rede da cidade do Rio de Janeiro (RJ), e tendo chegado à gestão da Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira há quase quatro anos, entendo esse verso como uma convicção: a de que, quando lidamos com os pequenos, devemos esperar as palavras e ideias mais sinceras e mais livres de determinados vícios e preconceitos.
Porém, ao contrário da prática docente com crianças, quando interagimos com adultos nós encontramos inevitavelmente uma série de conceitos e discriminações que estão em muitos casos enraizados na nossa sociedade. No caso da gestão escolar, especialmente de uma instituição como a minha que atua com Educação Infantil e Anos Iniciais do Fundamental, os pais estão constantemente envolvidos com as atividades – momentos que às vezes passam longe da “pureza da resposta”, e nos deparamos com intransigências no diálogo sobre temas sensíveis, em questões ligadas ao fundamentalismo religioso ou preconceitos contra minorias. O que fazer, então, diante de um cenário desses?
Família, crianças e escola: duas reações opostas
A ideia para a coluna desse mês surgiu a partir de uma cena infeliz presenciada por mim lá na Ivone há algumas semanas. O fato ocorreu durante o nosso trabalho de culminância do 3º bimestre, que tratava da influência e importância das culturas nativa, africana e europeia na formação do Brasil. A Márcia, nossa professora de Educação Física, faz parte há alguns anos da Companhia Folclórica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graças a isso, fomos contemplados por apresentações de bumba meu boi, mineiro pau, e outras manifestações culturais.
Amigo leitor e amiga leitora, ao final desta exibição, ficaram dois sentimentos conflitantes. E o primeiro deles foi de tristeza, porque cerca de dez responsáveis se retiraram durante a apresentação do jongo, uma dança de roda do tipo batuque cujas origens são africanas. Ao menos três deles afirmaram que era “um absurdo a escola exibir macumba para os seus filhos”.
Só que a segunda sensação foi um misto de felicidade e de dever cumprido, já que no dia seguinte, seis alunos do 4º e 5º anos me procuraram, incomodados com a reação daqueles pais, e sugerindo a montagem de uma peça de teatro que debatesse a intolerância religiosa. Era “a pureza da resposta das crianças” gritando naquele momento.
A escola que educa também os pais
Honestamente, seria muito mais simples focarmos nesse retorno positivo dos alunos, certo? Afinal, serão eles os nossos futuros líderes e governantes. Só que a escola não tem direito de empurrar um problema como este para debaixo do tapete.
Em primeiro lugar, a nossa função é educar, e isso não deve se restringir aos discentes. Paulo Freire já dizia: “quem ensina aprende ensinando” – logo, quando trabalhamos temas sensíveis com a comunidade, potencializamos toda a unidade escolar.
Em segundo lugar, deixo um exemplo concreto e pragmático: uma atividade antirracista, desenvolvida em nossas instituições, tende a ter resultados muito melhores em crianças que não vivenciam cotidianamente atitudes racistas com seus pais em casa. Por isso, listo a seguir algumas intervenções que já realizamos ou que pretendemos realizar para o debate escolar sobre temas que podem ser delicados:
– Crie espaços periódicos de diálogos e formação, em que os responsáveis participem ativamente. Se a presença não for satisfatória, é possível associar esses momentos, gradativamente, às reuniões bimestrais;
– Incentive o protagonismo das mães e pais na escola. Na Ivone, já houve piquenique do dia das mães, homenagem aos professores, e outras ações integralmente organizadas pelos familiares. Com essa presença, é muito mais simples incluir conversas importantes nas nossas unidades;
– Estabeleça a participação da comunidade como parte essencial de seu plano de ação anual. Em 2019, quando a Ivone Nunes foi inaugurada, ainda não tínhamos um Projeto Político Pedagógico (PPP). A alternativa foi realizar um projeto mensal, em que os responsáveis participaram de mostras, leilões de arte realizados pelos alunos, atividades lúdicas, e até aula de zumba;
– Reforce com todos os segmentos da escola que não há assunto que não se possa debater. É claro que nosso foco central é o estudante, mas só temos a ganhar com a ampliação do diálogo e com a aprendizagem estendida à comunidade. Então, se houve um caso de intolerância religiosa, por que não planejar e conversar sobre esse tema no bimestre ou semestre seguinte?
O ideal é termos em mente que, por vezes, o fator que impede a “pureza da resposta” e o crescimento de alguns dos alunos não está necessariamente nesses alunos. Educar pais e mães é investir também na criança, na escola, e na comunidade. Foquemos também nesse segmento – e assim todos temos a ganhar.
Um abraço, e até o mês que vem!
José Couto Júnior é licenciado em História, tem Mestrado em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e é doutorando em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Em 2018, foi eleito Educador do Ano no Prêmio Educador Nota 10. Servidor da Prefeitura do Rio de Janeiro há 13 anos, atua desde 2019 como diretor na Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro (RJ).