Nacional
A burocracia, a transição e a alvorada do novo governo brasileiro
Conhecer as distintas realidades da máquina federal é central para a nova administração tomar boas e rápidas decisões
O governo Lula começou na noite de 30 de outubro. Faltam pouco menos de dois meses para sua posse, mas na manhã do dia 31 a Esplanada votou a se movimentar intensamente, como há tempos não se via. O Brasil voltará a ter um governo proativo e intensivo em políticas públicas, não minimalista no que se refere ao papel do Estado, nem destruidor no que se refere às instituições públicas.
Já sabemos, pelas experiências anteriores, que o estilo do novo presidente é negociador e conciliador, em contraste com o estilo abrasivo e confrontador do presidente que sai. Muitas interações ocorrerão em múltiplos tabuleiros nestas oito semanas adiante. Uma das mais importantes – e invisíveis – é a que se dará na esfera da burocracia, esta instituição pública que precisa conciliar o governo do dia com o resguardo das políticas de Estado. E está sempre presente nas trocas de guarda.
A burocracia federal é, grosso modo, formada por dois grandes grupos. A burocracia permanente, composta pelos servidores estáveis, ganha bastante espaço na transição pois continuará atuando no governo entrante. Mas há também uma burocracia transitória, que ascendeu com o governo que se encerra e pode, com ele, ir embora.
As estruturas de incentivos destes dois grupos são distintas. Para o primeiro grupo, que continuará no Estado, uma transição bem feita é fundamental para garantir continuidade e aprimoramento do seu trabalho. Ela tem incentivos de resguardar a memória, de aprender com o passado e de pensar um futuro mais adequado para sua própria atuação. Ela tem, portanto, todo interesse em oferecer melhores contribuições possíveis ao governo que chega e, para isso, preparar estudos, informações, instrumentalizar as conversas e influenciar as futuras decisões.
Já o segundo grupo, formado por aqueles que não são servidores estáveis mas ocuparam cargos de confiança e são mais alinhados com o governo da vez, está, em grande parte, de saída. E, dada sua indisposição com os resultados das eleições, não tem incentivos para ajudar em um processo de transição construtiva e que gere uma situação mais confortável para o novo governo – com exceção de alguns poucos comissionados que devem tentar a sorte na nova gestão.
O novo governo terá um grande desafio de tentar reduzir a assimetria de informação deste momento de largada, quando em geral os maiores erros de uma nova administração são cometidos. E, para isso, depende da burocracia estatal, que conhece a máquina, tem a memória e resguarda as informações. Quanto mais análises estruturadas em bases gerenciais e fundamentadas em dados confiáveis a nova equipe dispuser, melhores serão as chances de começar a gestão com o pé direito. Ninguém conhece melhor uma organização pública do que seus quadros históricos – o que não significa que tenham as melhores propostas para transformá-las. Esta é a chance de causar uma boa impressão em quem chega: auxiliando os entrantes a se apropriarem da realidade da instituição no prazo mais rápido possível.
Os atuais ocupantes dos cargos de confiança podem ou não se incorporar ao esforço de transição que se inicia. Auxiliariam muito o país se o fizessem, embora, talvez, isso seja uma ilusão. Há uma variedade de situações complexas no governo federal. Há ministérios, como os das áreas social e ambiental onde as políticas e procedimentos foram massivamente destruídos. Existem áreas – como o núcleo econômico e os setores de infraestrutura – que vinham funcionando, ainda que dentro da orientação minimalista oficial. E há setores que se encontram à deriva, passaram quatro anos operando quase em standby. Conhecer estas distintas realidades é central para que o novo governo consiga tomar boas e rápidas decisões para nos colocar em um caminho virtuoso de reconstrução.
O Brasil fraturado que emerge das urnas não tem como se sustentar se for mantido o estado de polarização e radicalização patrocinado pelo atual presidente. E o mesmo precisa ser dito sobre a burocracia e os servidores públicos. A burocracia é plural. Nela se encontram profissionais de várias orientações políticas e ideológicas. Alimentar a polarização e o revanchismo na burocracia pode comprometer o funcionamento do novo governo. Os servidores precisam ser capazes de trabalhar juntos, de forma construtiva, com um projeto coerente e includente, para que todos contribuam para a regeneração do tecido social da sociedade brasileira.
Esta será uma oportunidade para se começar a superar o clima de bullying institucional, perseguição política e assédio moral que se disseminou pela burocracia federal. O novo governo terá uma ótima oportunidade para começar a se diferenciar do atual com a supressão das práticas típicas de polícia política adotadas hoje na Casa Civil que rastreiam perfis de indicados para cargos de confiança e bloqueiam suas nomeações em função da patrulha ideológica hoje instalada na Presidência. Também terá uma ótima oportunidade se começar valorizando os servidores públicos, seu conhecimento e expertise, incluindo-os no processo de transição. E se conseguir construir bons diálogos entre a burocracia estável e os futuros ocupantes de cargos comissionados.
O Brasil é um, assim como seu povo. O Estado Nacional é de todos. Ao governo democraticamente eleito cabe conduzir a nação nos próximos anos. A hora é dos profissionais públicos que trabalham no e com o Estado se engajarem em um grande mutirão em prol do país.