Judiciário
Uniformização da jurisprudência tributária com o incidente de assunção de competência
É de extrema importância que as questões jurídicas em julgamento sejam analisadas com precisão pelas Cortes Superiores
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O sistema de precedentes judiciais veio para racionalizar os conflitos instaurados e potenciais, de uma forma estruturada e de modo a encerrar os litígios, garantir a estabilidade, a isonomia e a efetiva segurança jurídica. O art. 926 do CPC inovou, nesse sentido, para dispor que é dever dos tribunais “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
O nosso objetivo, no presente artigo, está adstrito à relevância das cortes de segundo grau terem como foco a uniformização e a coesão da jurisprudência em temas tributários, estando ou não pendentes de julgamento as mesmas temáticas perante o Supremo Tribunal Federal (STF) ou o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Alguns pontos merecem destaques iniciais.
Primeiro, conforme nos informam os números do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário[1], parte significativa das demandas judiciais, em matéria tributária, se dá por meio de mandado de segurança preventivo, que importa em efeitos imediatos das decisões que eventualmente concedam a ordem. Esse efeito imediato das decisões se estende às demais ações antiexacionais a partir das decisões de segundo grau, em face da ausência de efeito suspensivo dos recursos excepcionais. Assim, aquele que tem decisão favorável ficará em uma situação de vantagem econômica em relação a outros contribuintes do mesmo ramo da economia que não são dispensados da exigência do tributo, situação que não se coaduna com um sistema que deve promover, além da uniformização, o ambiente de negócios no Brasil e atentar aos princípios da isonomia e da livre concorrência.
Não se pode desconsiderar, da mesma forma, que a conclusão dos julgamentos pelo STF e pelo STJ sujeitam-se à longa tramitação, ultrapassando vários anos desde a instauração dos primeiros litígios até o encerramento, o que acentua os efeitos de eventuais divergências nas cortes regionais ou estaduais pelo transcorrer do tempo.
Outro ponto que deve ser salientado são os filtros de admissibilidade dos tribunais superiores. No STF, por exemplo, temos a repercussão geral. Já no STJ, há o da relevância, instituído recentemente pela Emenda Constitucional nº 125/2022. Teremos, assim, temas que não poderão sequer subir a estas Cortes, mais um fator para os tribunais locais se preocuparem com a uniformização.
Por último e sem esgotar as hipóteses, é de fundamental importância que as questões jurídicas em julgamento sejam analisadas com precisão pelas Cortes Superiores. Não raro, nos defrontamos com decisões em recurso repetitivo ou pela sistemática da repercussão geral que não levaram em consideração aspectos fundamentais, para, assim, encerrar parte significativa dos processos que se encontravam sobrestados, aguardando o julgamento vinculante. A título de exemplo, entre outros que poderíamos citar, o Tema 962 do STF, o qual tratou da incidência do IRPJ e da CSLL sobre a SELIC paga na repetição de indébito, em que restou expresso que não foi objeto de julgamento a hipótese de levantamento dos depósitos judiciais, embora as Cortes Regionais estivessem sobrestando estes processos.
E o que se propõe?
A divergência de entendimento judicial não constitui por si uma problemática à atividade jurisdicional. Pelo contrário, é salutar. Entretanto, quando a dispersão de sentenças e acórdãos em sentidos contrários dissemina-se em quantidade considerável de demandas, apresenta-se de todo recomendável a adoção de medidas de concentração de julgamentos perante o órgão competente para decidir com efeito vinculativo a controvérsia repetitiva e conferir previsibilidade e racionalidade ao sistema judicial.
Registra-se que a divergência de votos não é apenas salutar como também corriqueira no dia a dia dos tribunais locais, o que torna a técnica de julgamento por ampliação do colegiado, na forma do artigo 942 do CPC, recorrente no julgamento de recursos.
No entanto, o julgamento ampliado, previsto no artigo 942 do CPC, não tem se apresentado como a melhor técnica para a uniformização da jurisprudência nos tribunais, porquanto a composição ampliada da sessão não corresponde à totalidade dos julgadores responsáveis pelo julgamento da matéria, assim como não substitui a seção ou a câmara, que representaria o colegiado responsável pela uniformização da jurisprudência.
O julgamento prolatado em composição ampliada não representa um precedente qualificado, por não vincular os posteriores, o que tem provocado, em virtude da alternância de julgadores que compõem a sessão ampliada, a existência de acórdãos divergentes mesmo na hipótese de julgamentos mediante a técnica do artigo 942 do CPC.
Neste contexto, podemos trazer como exemplo de divergência recente entre Turmas, as ACs nº 50165513220214047001 e nº 50227710620224047100, julgadas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que se discute o direito de excluir da base de cálculo do PIS e da COFINS os valores correspondentes à taxa SELIC recebidos quando do levantamento de depósitos judiciais e da repetição de indébito.
E as cortes locais, de outro lado, possuem diversos instrumentos para uniformizar a sua jurisprudência, como o Incidente de Assunção de Competência (IAC), o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), sem falar nos incidentes previstos nos respectivos regimentos internos[2].
Em boa hora o CNJ editou a Resolução nº 134, de 9 de setembro de 2022, cujos artigos 2º e 5º orientam os tribunais que “zelem pela uniformização das questões de direito controversas que estejam sob julgamento, utilizando-se, com a devida prioridade, dos instrumentos processuais cabíveis” e que “a uniformização da jurisprudência seja realizada, preferencialmente, mediante a formulação de precedentes vinculativos (qualificados), previstos no art. 927 do CPC/2015”.
Diante disso, temos defendido que a divergência de acórdãos prolatados na sistemática do artigo 942 do CPC, tal como a divergência entre turmas, deve constituir hipótese cogente para a instauração de IAC, nos termos do artigo 947, § 4º, do CPC, como mecanismo para uniformização da jurisprudência interna dos tribunais locais.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pela sua 3ª Seção, nos autos da AC 50442561420124047100, rel. Juiz Marcelo de Nardi, tem precedente no sentido de admitir o IAC para prevenir ou compor divergência entre turmas de tribunal, quando existir multiplicidade de processos com objetos semelhantes nos termos do § 4º do art. 947 do CPC.
O julgamento concentrado por meio do IAC permite ainda a seleção de processos que abordem as mais variadas perspectivas sobre a mesma questão jurídica e a participação de diversos atores sociais, órgãos e entidades a fim de subsidiar o convencimento dos membros da seção ou câmara competente para o julgamento da matéria.
Após a devida instrução do incidente, o resultado almejado é a produção de um precedente qualificado, cuja força vinculante não decorre apenas da tese fixada, mas principalmente da profundidade e amplitude do debate realizado perante o tribunal, com a análise de todos os argumentos suscitados pelas partes.
Trata-se, assim, de um novo paradigma de uniformização de jurisprudência que, para além de dirimir a dissonância jurisprudencial no âmbito de competência do tribunal, se traduz em medidas de gestão, racionalidade, isonomia, segurança jurídica e previsibilidade, tão almejadas por toda a comunidade jurídica.
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[1] Conselho Nacional de Justiça e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) realizaram, no dia 15 de fevereiro de 2022, a 5ª edição do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário
[2] Regimento Interno do TRF4 “Art. 210. Quando convier pronunciamento da Corte Especial ou da Seção, em razão da relevância da questão jurídica, ou da necessidade de prevenir ou compor divergência entre Turmas, se não for caso de suscitar incidente de assunção de competência ou não estiver a matéria submetida a incidente de resolução de demandas repetitivas, o Relator ou outro integrante do órgão julgador poderá, no julgamento de qualquer recurso, propor que a questão seja submetida à Seção, ou à Corte Especial, se a matéria for comum às Seções.”