Nacional
Tebet: é factível zerar déficit em dois anos e LDO vai considerar nova regra fiscal
Ministra afirma ter como missão retomar planejamento de médio prazo e intenção de orçamento apresentar previsão de despesas em anos posteriores
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, avalia que é possível zerar o déficit primário do Brasil em dois anos. Por ora, contudo, ela evita dizer que esse compromisso estará explicitado no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que cabe à sua pasta preparar. A cautela, segundo ela, se deve ao fato de que a LDO deve ser feita já considerando a proposta de nova regra fiscal, ainda em preparação no Ministério da Fazenda.
“A minha meta, se fosse individual, a minha vontade, que é muito mais esperança do que certeza, é zerar o déficit fiscal em dois anos. Acho que é meta factível, possível, quase que [um cenário] pessimista. Numa análise otimista, minha vontade é zerar o déficit este ano. Temos que trabalhar com dois cenários, o otimista e o pessimista. O otimista é zerar nesse ano, alguns falam que é quase impossível. O pessimista é zerar o déficit em dois anos”, disse em entrevista.
Ela admite que há um “desarranjo fiscal” e que isso é um dos fatores que fazem os juros estarem em 13,75% ao ano.
Tebet destaca que tem como missão retomar o planejamento de médio prazo no Brasil e que, para isso, pretende dar maior peso institucional ao Plano Plurianual (PPA), que será construído a partir de um amplo processo de consulta social em todo o Brasil. Também reforçou sua defesa de revisão de despesas sistemática, incorporada ao processo orçamentário já a partir de 2024.
Ela também informa que o orçamento, a partir da peça a ser enviada em agosto, deverá conter um novo quadro mostrando o cenário para as despesas de programas não só do ano ao qual ele se refere, mas para os períodos à frente. “A SOF vai ter outra missão, que é esse quadro despesas de médio prazo. Por isso falo de orçamento de 4 anos, que é prática de outros países. O Paulo Bijos (Secretário de Orçamento) é muito simpático à tese, ele que apresentou a ideia de quadro de despesas de médio prazo no orçamento”, explicou.
A ministra aponta que um reajuste adicional do salário mínimo para além dos R$ 1.302 demandará cortes de outras despesas. Sobre a reforma tributária, ela diz que o texto deve começar pela Câmara. Ela evitou comentar sobre o tema da possibilidade de mudança da meta de inflação, levantado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Resultado primário e LDO 2024
“O presidente deu determinação de que pobre tem que constar do orçamento. E não apenas isso, eu complemento, não só o pobre, mas também passando pela primeira infância, pela juventude até o idoso. A LDO estabelece as metas para 2024, e seguirá as determinações do presidente Lula, que não deixa de ser a nossa, de tornar visível os invisíveis, fazer com que o Brasil seja de todos.
Nós vamos fixar o montante de recursos. Obviamente que o governo pretende economizar diante desse déficit fiscal de 2% do PIB que não é pouca coisa, e é insustentável. Isso impede qualquer crescimento do país, o objetivo de geração de emprego e renda. Ainda não temos texto [da LDO] desenhado, o ministério começou efetivamente há pouco, dia 24, e não herdamos de qualquer governo.
As linhas gerais já passei, são transparência, preocupação com gastos públicos, foco em responsabilidade social. Não há divergência, antagonismo, a responsabilidade fiscal é meio para se alcançar responsabilidade social.
Também queremos colocar a educação básica como prioridade nacional pela primeira vez na história. Os governos anteriores, inclusive o do PT, focaram muito no universitário, deixando para estados e municípios a educação básica, mas essa responsabilidade é compartilhada, e isso vai ficar como prioridade absoluta de qualquer peça orçamentária, de planejamento.
No caso da LDO, que tem que estabelecer as metas e prioridades, tenho convicção de que se a gente não equilibrar essa questão de receitas e despesas, se a gente não indicar efetivamente o que é prioridade, nós continuaremos apenas enxugando gelo.
Vamos discutir com o ministro Haddad [a LDO]. Nós temos convergência de que é preciso zerar o déficit fiscal. O plano de reestruturação [anunciado em janeiro] foi mais pelo lado da receita, na despesa só estabelecemos que todos os contratos precisam ser revisados. […]
Outra questão que vamos levar em conta até abril é que teremos uma nova âncora fiscal, um novo arcabouço fiscal. Isso nos permite ter com mais clareza o que colocar na LDO enquanto meta. A LDO será feita já se considerando a nova regra. Daqui a 30/35 dias teremos visão mais clara de que meta poderemos apresentar na LDO. As prioridades já temos condições de trabalhar, já sabemos, mas temos que estabelecer as metas, os montantes a serem economizados.
A minha meta, se fosse individual, a minha vontade, que é muito mais esperança do que certeza, é zerar o déficit fiscal em dois anos. Acho que é meta factível, possível, quase que [um cenário] pessimista. Numa análise otimista, minha vontade é zerar o déficit este ano. Temos que trabalhar com dois cenários, o otimista e o pessimista. O otimista é zerar nesse ano, alguns falam que é quase impossível. O pessimista é zerar o déficit em dois anos. […]
A premissa que dei é responsabilidade fiscal para se fazer o social, com transparência total, participação da sociedade. É uma forma de se alcançar o que precisamos, garantir a longo prazo a condição de honrar nossos compromissos, nossa dívida é elevada. Os juros, a Selic a 13,75% ao ano hoje, não é por uma inflação a curto prazo, que está caindo, mas porque a perspectiva de inflação a médio e longo prazo está subindo por uma série de desarranjos, desarranjo fiscal inclusive. Então, à medida que o Planejamento age, a gente mostra um projeto de país a médio e longo prazo através do PPA e da LDO, e em seguida com uma LOA que sabe que sabe que o cobertor é curto, dando prioridade para aquilo que realmente é essencial, isso tudo impacta, chega na ponta, não sozinho, depende de outros trabalhos, mas que mira efetivamente zerar esse déficit fiscal.”
Salário mínimo
“Nós votamos a PEC da transição e deixamos recursos necessários para R$ 1.320, isso é verdade. Por isso que saiu esse número, nunca pela boca do presidente, mas de lideranças políticas na transição. Mas quando houve no fim do ano redução da fila da Previdência, o dinheiro foi consumido. Não é questão de querer ou não querer. É uma decisão política do presidente. Se houver um entendimento de que tem que ir para R$ 1.320 nós vamos achar o espaço fiscal. Não estou pensando ainda de onde vamos tirar pelo simples fato de que não sabemos se será R$ 1310, 15 ou 20. Não sei o que pode acontecer. É uma decisão do presidente que vamos cumprir. Um parêntese, o valor de R$ 1.302 já atende o compromisso do presidente de dar aumento do salário mínimo acima da inflação.”
Retomada do Planejamento, Plano Plurianual (PPA) e Orçamento
“Não assumimos depois de qualquer governo, mas depois de um desgoverno. Uma das medidas deles foi extinguir o Planejamento. O Brasil é transatlântico, foi pego por uma tormenta sanitária sem precedentes, com um timoneiro que não tinha uma carta náutica, portanto não sabia para onde ir. Tinha nas mãos um país de dimensões continentais para governar, com um orçamento enxuto diante das necessidades que vêm de décadas, gastando muito e mal, porque não tinha coordenada e diretriz. A história nós conhecemos. Tinha um Congresso que vinha sequestrando orçamento, com o orçamento secreto.
A gente disse que recriaria o Ministério do Planejamento. O Planejamento vem antes do orçamento. No caso específico, pela legislação, a carta náutica que é o PPA [Plano Plurianual] só é feita no primeiro ano. A LDO neste ano lamentavelmente não vai conseguir ter o verdadeiro raio x da sociedade brasileira… A ordem do presidente é que o PPA seja feito de forma participativa, vamos percorrer todos os estados, falar com a sociedade, investidores e outros atores.
De forma bem objetiva, o orçamento será modernizado. O Paulo Bijos tem essa consciência e esse perfil. Orçamento vai deixar de ser anual. Ele é anual enquanto instrumento jurídico, enquanto instrumento político ele vai ser de médio prazo, estará trabalhando junto, ao lado, do PPA.
O Orçamento não pode se resumir a fazer contas, assim como o Planejamento não pode se resumir a fazer de conta. O Planejamento vai deixar de ser um conto de fadas, uma peça de ficção. Vai deixar de fazer de conta que está pensando o Brasil, para que o Orçamento deixe de só fazer contas. O Orçamento vai fazer contas com bases em metas muito bem definidas. Nós sabemos aonde queremos chegar e vamos dar os instrumentos para fazer isso.
A Secretaria de Orçamento vai ter outra missão, que é fazer esse quadro de despesas de médio prazo. Por isso falo de orçamento de quatro anos, que é a prática de outros países. Paulo Bijos é muito simpático a essa proposta, foi ele quem apresentou a ideia de orçamento com quadro de despesas de médio prazo, e a gente já projeta para os próximos quatro anos. Será um quadro novo, cada programa teria um horizonte de médio prazo no orçamento. É um conjunto. O PPA com visão de futuro de quatro anos, com monitoramento e avaliação concomitante, o spending review atuando. O objetivo é que o orçamento tenha certa previsibilidade a médio prazo. […]
O PPA tem sido carta de ficção guardada na gaveta e que ninguém usa. O Planejamento não vai se tornar carta náutica do governo se a gente não levar a sério o PPA. O primeiro passo é tornar PPA uma peça participativa, com a sociedade, vamos andar por três meses por todos estados, o cronograma está pronto, já está sendo articulado com secretaria geral e o PPA vem exatamente com diferencial, trabalhar as diferenças regionais, uma ferramenta multissetorial, transversal.
O PPA também vai incorporar os objetivos do desenvolvimento sustentável, conectar com o mundo, a questão ambiental tem que fazer parte do PPA… integrar Planejamento e Orçamento com o que há de mais moderno, o Brasil precisa se reconectar com o mundo, colocar o desenvolvimento sustentável como prioridade.”
Revisão de gastos
“Revisão tem sido sempre a posteriori nos últimos tempos, pega as maiores políticas públicas, estuda e diz que aquela política precisa melhorar, a outra ser extinta…Mas isso é enxugar gelo, Inês é morta, o leite já derramou, já gastou mal o pouco dinheiro que você tinha. E pior que não gastar é gastar mal. Porque quando você não gasta pelo menos tem uma reserva que se pode usar em momentos de crise, calamidade ou usar em outras políticas mais eficientes.
Tudo isso para dizer o seguinte, ganhei de presente uma secretaria de monitoramento e avaliação de políticas públicas, com um dos maiores especialistas nisso, o Sergio Firpo. O trabalho dele é de médio prazo, ao lado do Orçamento, ele terá o trabalho de apresentar ao Brasil algumas boas práticas internacionais que se pode incorporar, a partir já da LOA de 2024. O TCU vai ser parceiro ativo nisso, já conversei com o presidente Bruno Dantas sobre isso. O spending review é para revisar gastos, ele vai ser concomitante.
Eu me enxergo como operadora de voo em um grande aeroporto. Precisamos tomar muito cuidado para não haver desperdício, superposição de gastos públicos, colisão de políticas, uma indo para o norte e outro para o sul. […]
Já encomendei que o Sergio Firpo (secretário de avaliação) e a Luciana Servo (presidente do Ipea) que analisem também os estudos feitos sobre os gastos feitos no âmbito do CMAP (Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas).”
Investimento internacional
“Nós temos de recursos disponibilizados R$ 208 bilhões nas discricionárias, sem emendas parlamentares, cerca de R$ 170 bilhões. Sabe quanto temos contratados com organismos internacionais? US$ 31 bilhões, são R$ 150 bilhões já contratados e mais US$ 3 bilhões em contratação, então são R$ 170 bilhões de organismos internacionais, isso já está contratado, estamos falando de crescimento, desenvolvimento, são possibilidades só por ter mudado de governo. E tem uma quantidade de recursos que virão só pela economia verde. Nós apoiamos a PEC da transição, que colocou que doações para o meio ambiente e para educação estão fora do teto de gastos, a gente tem espaço fiscal para gastar. Só Alemanha falou em US$ 1 bilhões”
Reforma tributária
“Nos próximos 30 dias teremos mais clareza de qual será o boneco de cera para iniciar os trabalhos da reforma tributária. Ela deve vir primeiro na Câmara, provavelmente, a comissão já está formada, vai se ganhar tempo com isso, dá para se apresentar substitutivo o que ganha tempo, com base nas PECs 45 com a 110 que está no Senado, ela será o boneco de cera para que os parlamentares possam trabalhar.”