Nacional
O resgate da federação: uma agenda prioritária para o desenvolvimento nacional
Criação de estrutura de diálogo permanente entre União, estados e municípios concretizaria ideal presente na Constituição
Fruto da primeira reunião de trabalho realizada no último 27 de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a participação dos governadores dos estados e do Distrito Federal, a denominada “Carta de Brasília” subscrita pelos participantes constitui um protocolo de intenções em defesa da democracia e da cooperação interinstitucional suprapartidária.
O propósito é o de implementar o desenvolvimento sustentável e o imprescindível acesso aos direitos fundamentais por toda a população, notadamente através do fortalecimento dos consórcios públicos e da criação de um conselho da federação, composto por representantes dos três níveis federativos e destinado a funcionar como um espaço permanente de pactuação democrática em torno da consecução daqueles objetivos, centrais à concretização dos valores da nossa República.
Para além da importante dimensão simbólica extraída da reunião entre o presidente da República e os 27 governadores em prol de uma agenda de convergência institucional em torno do Estado democrático de Direito e suas premissas fundamentais – sobretudo após um período de quatro anos marcado pela ausência de diálogo e confrontos recorrentes entre o governo central e os entes subnacionais, muitos deles arbitrados no âmbito do STF –, a criação de uma estrutura institucional capaz de fomentar o diálogo permanente entre os membros da federação representa uma valiosa oportunidade de concretizar o ideal do federalismo de cooperação presente no texto da Constituição de 1988, mas sempre adiado pela realidade da prática política ao longo das mais de três décadas da promulgação da Carta Magna.
Concebido sob a influência da concepção de Estado social inaugurada em nosso ordenamento pela Carta de 1934 – presente desde então em maior ou menor medida na experiência constitucional pátria –, o federalismo de cooperação surge a partir da necessidade de conjugação de esforços de todas as unidades políticas integrantes da organização do Estado brasileiro para a realização de objetivos de grande relevância social, tais como a garantia do acesso universal à saúde, à educação, à erradicação da pobreza e a promoção da segurança pública, a partir de políticas públicas implementadas de modo concertado entre os atores das diversas esferas político-institucionais do nosso tecido federativo.
Contudo, a dinâmica das interações federativas ao longo da trajetória pós-1988 produziu resultados díspares em termos de articulação em prol da implementação dos objetivos estatais enumerados acima, contendo de um lado exemplos de relativo êxito – sendo o caso mais notável o nosso Sistema Único de Saúde (SUS) – e, por outro lado, uma destacada ausência de operacionalização – caso no qual se pode enquadrar o ainda incipiente Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) – a revelar uma baixa capacidade daqueles atores em conjugarem esforços em prol da agenda constitucional conjunta de efetivação dos direitos socioambientais, evidenciada a partir da leitura dos artigos 23 e 24 da Carta de 1988, responsáveis respectivamente pela definição das competências administrativas comuns e legislativas concorrentes.
À luz das experiências desenvolvidas até a presente quadra, parece correto inferir como fator decisivo para o êxito das políticas públicas destinadas a garantir o acesso àqueles direitos a existência de um espaço de efetivo diálogo institucional capaz de materializar a imprescindível pactuação entre o governo central e os diversos governos subnacionais em torno de tais objetivos.
Nesse sentido, a experiência nacional de enfrentamento da calamidade sanitária causada pela Covid-19 representou um exemplo bastante eloquente do quanto a desarticulação entre União, estados e municípios é capaz de comprometer a eficiência da resposta estatal diante dos seus deveres de assegurar a promoção e proteção dos interesses da coletividade expressos no texto constitucional.
Desse modo, a criação de uma estrutura institucional permanente destinada a promover o alinhamento das ações entre os membros da federação em seus três níveis, galvanizando os esforços daqueles atores de modo a conferir máxima efetividade na concretização do interesse público, representaria um aporte relevante para a consolidação de um efetivo federalismo de cooperação em sua aspiração fundamental: a unidade para o desenvolvimento nacional em sintonia com as especificidades regionais e locais.
Tarefa sem dúvida desafiadora e que demandará um demasiado esforço de todos os agentes públicos e instituições envolvidos nesse processo complexo, mas caso seja bem-sucedida, representará um importante passo no resgate do pacto civilizatório firmado pela sociedade brasileira através da Carta de 1988.