Educação & Cultura
Como estudar e analisar discursos publicitários em sala de aula
Estudar comerciais de TV, jingles, slogans, anúncios impressos e posts na internet permite trabalhar aprendizagens essenciais
“Sigo uma influenciadora no Instagram e sempre que vejo os posts dela fico com vontade de me casar e ter filhos. É estranho… Sou adolescente ainda, nem penso nisso o tempo todo, não quero isso pra mim agora.” “Nada é escolhido por acaso nas propagandas.” Essas foram duas das várias reflexões dos alunos, depois que a turma de 8º ano passou a estudar sobre publicidade e fazer análises críticas das mensagens nas aulas de Língua Portuguesa de Luiza Ribeiro, no Ateliescola Acaia, na capital paulista.
A proposta de Luiza não era só desenvolver a habilidade de fazer a leitura crítica dos materiais. A educadora tinha como objetivo explorar com eles as ferramentas que convencem o público a consumir – sejam produtos, marcas ou estilo de vida, por necessidade ou vontade, e ampliar as habilidades de escrita e de leitura.
“Começamos conversando sobre alimentação e propagandas que despertam vontade de comer e como isso acontece. Tem a ver com as comidas que temos guardadas na memória ou com alimentos que nem conhecemos, mas que queremos consumir porque somos convencidos pela publicidade?”, conta a professora. Depois, a garotada assistiu ao documentário Muito Além do Peso (2012, Maria Farinha Filmes), que aborda a questão da alimentação de crianças e adolescentes. O estudo na escola prosseguiu com análise da linguagem, das cores e das imagens usadas nas propagandas: que mensagens esses elementos passam para o público?
“Quando os alunos são preparados para ter um pensamento crítico sobre o que é exposto pelas mídias, eles aprendem a parar para refletir, questionar o que a mensagem quer: vender algo, fazer rir, informar?”, explica Márcio Gonçalves, consultor de Tecnologias Educacionais na Foreducation Edtech e professor de Itinerários Formativos no Ensino Médio.
De fato, o que é veiculado em propagandas ou posts – aparentemente inocentes e espontâneos – nas mídias sociais é coisa séria e precisa ser estudado em sala de aula, tanto em relação ao gênero textual quanto ao conteúdo. Vários posicionamentos da comunidade científica ajudam a endossar isso. No início do ano, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um alerta para a necessidade de maior regulamentação das propagandas de bebidas alcoólicas no mundo todo. O organismo se baseou em um estudo que mostra os jovens como os principais alvos dessas campanhas publicitárias, o que vai na contramão dos interesses da área da saúde. Outro exemplo: no Brasil, 44% das compras realizadas pela internet são feitas por impulso, segundo pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e do SPC Brasil, em parceria com o Sebrae, em 2021. Ou seja, o assunto também é sério porque mexe com a saúde financeira das pessoas, individualmente e de famílias inteiras.
Esses dados conspiram para colocar a publicidade na posição de vilã, mas essa é uma visão reducionista. “Ela é fonte de informação e pode ser usada para promover causas sociais, por exemplo”, explica Paula Parisi, formadora de professores do projeto Impulsionar, em Guaramiranga (CE) e Cabrobó (PE). Acontece que, para ser usada como tal, “é importante fazer com que os alunos, considerados nativos digitais, aprendam a consumi-las de forma consciente, usando o que chamamos de ceticismo saudável”, explica Renata Capovilla, facilitadora de Educação Midiática do Instituto Palavra Aberta e líder de projetos na Foreducation EdTech. Ceticismo saudável nada mais é do que o hábito de se policiar ao entrar em contato com um post de Instagram ou com uma propaganda na televisão, pensando: “Epa! Espera aí, deixa eu entender melhor!”, antes de comprar algo ou compartilhar uma mensagem. O estudo Ativação das Regiões Cerebrais com Imagens Publicitárias (tradução livre do inglês Regional Brain Activation with Advertising Images), publicado na American Psychological Association em 2020, apontou que quando as pessoas racionalizam, isto é, colocam no papel se realmente existe a necessidade de comprar algo ou não, fazem compras mais conscientes. De acordo com Paula, o fato de os adolescentes terem muito contato com a tecnologia não faz deles, automaticamente, pessoas que compreendem, distinguem e usam de modo eficiente o conhecimento disponível na internet.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deixa explícito que o tema é importante. O documento indica como habilidades a serem desenvolvidas: analisar o campo jornalístico e os interesses que o movem e desenvolver atitudes críticas (EF89LP01); analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las (EF09LP01); analisar as práticas de curtir, compartilhar, comentar, entre outras, e textos de gêneros da cultura digital, como memes e gifs (EF89LP02), e se posicionar de forma crítica. Tudo isso pode ser usado para potencializar as aprendizagens relacionadas à leitura e à produção de texto, tão importantes para a recomposição das aprendizagens. Paula reforça que a riqueza dos textos que aparecem em materiais impressos, vídeos e áudios abre portas para uma leitura múltipla, aquela que exige do receptor ir além do explícito.
Texto e imagem para apresentar ideias
Depois de se debruçar sobre as propagandas com foco em alimentação, os alunos do Acaia foram convidados a criar textos publicitários para produtos imaginários sem fazer uso de estereótipos. Luiza conta que foi apresentada pelos adolescentes, por exemplo, uma peça de propaganda sobre uma churrascaria onde mulheres são bem-vindas – o que contraria o clichê de que esse tipo de restaurante é lugar para homens. “A atividade foi focada só em produção de texto. Uma oportunidade para os estudantes pensarem no tamanho, na repetição de palavras, nos pronomes e nos tempos verbais mais adequados”, conta ela. A mesma proposta foi usada para uma discussão sobre a função da publicidade de vender algo que não seja necessariamente um produto. “Compramos estilo de vida e ideias também”, diz a professora.
Para dar sequência ao estudo, a turma analisou perfis de Instagram de influenciadores que colocam à mostra seu dia a dia e produtos, contando histórias cotidianas, mostrando o que têm em casa, divulgando ao público suas opiniões… Assim, os alunos compreenderam que os seguidores – eles mesmos, em alguns casos – consomem ideias e precisam estar atentos à oferta de produtos não declarada. Relacionar as novas mídias com o comportamento das pessoas é abordar com os adolescentes um dos eixos temáticos da Educação Financeira: o consumo.
Para colocar tudo o que havia sido discutido e estudado até então, Luiza desafiou os alunos a criar materiais promocionais (conhecidos como flyers) para serem enviados por e-mail para a comunidade escolar, divulgando o coletivo da escola de discussão sobre gênero e convidando as pessoas para participarem. A garotada se organizou para entrevistar professores e alunos a fim de conhecer o público-alvo – lançaram uma pesquisa e obtiveram 75 respondentes. Durante o processo de produção, muito foi conversado sobre a escolha das cores e das palavras. Com o auxílio do Canva, o material foi planejado, produzido, repensado, revisado e finalizado com a supervisão de Luiza. “Pude observar as aprendizagens nitidamente. Antes, o grupo não acreditava que publicidade era um gênero textual devido à quantidade de texto ser pequena. Assim, os alunos acabavam desprezando o poder e a relevância do que é publicado nas mídias sociais e na TV”, explica Luiza.
Dicas práticas
Márcio Gonçalves, Paula Parisi e Renata Capovilla dão seis sugestões para potencializar o uso de materiais publicitários na recomposição das aprendizagens:
1. Peça que os alunos analisem rótulos de produtos que costumam consumir.
As cores, os textos, as imagens e até a tabela nutricional podem revelar muito sobre o que está dentro da embalagem. O que eles concluem? Vale conversar sobre o que é informado em letras miúdas, expressões desconhecidas do grande público etc. Quais os problemas dessas características?
2. Coletivamente, organize com os estudantes uma lista de boas perguntas para analisar mensagens de mídia.
“Qual o propósito da mensagem?”; “Quais técnicas e recursos de texto foram usados?”; “Como me sinto quando me deparo com a mensagem?”; “Qual o público-alvo?”.
3. Sugira que a turma analise mais a fundo os conteúdos que contêm humor.
Qual a intenção? Fazer o público rir com deboche, de nervoso…?
4. Organize um momento de estudo sobre compras online.
Como são as propagandas e posts que sugerem adquirir algo? Divulgam o preço do produto? Explicam como é feita a entrega da mercadoria, se alguma taxa é cobrada e o tempo previsto, por exemplo? Se não o fazem, o que a turma acredita ser o motivo? Isso pode influenciar a decisão do consumidor?
5. Desafie os alunos a produzir um conjunto de propagandas envolvendo vários suportes (impresso, mídias sociais, TV e rádio, por exemplo) para promover uma causa social local.
Trabalhe em parceria com o professor de Ciências ou de outra área que tenha a ver com o tema escolhido. Apresente a proposta por escrito, detalhadamente, como fazem os profissionais da publicidade (veja aqui dicas e o que não pode faltar em um briefing), e peça que se organizem em grupos. Distribua rubricas de avaliação para deixar claro o que se espera das propagandas.
6. Oriente a turma a fazer uma pesquisa na escola sobre um produto determinado, que faça sucesso entre os alunos ou seja um objeto de desejo comum.
Por exemplo, uma peça de roupa, um tênis de uma marca específica ou um aparelho celular. Por que desperta desejo? O que convenceu a pessoa a comprar? Como a compra impactou o orçamento pessoal ou familiar? Com ajuda do professor de Matemática, organizem gráficos e tabelas para apresentar as respostas e, por fim, peça que, individualmente, os alunos escrevam um artigo de opinião analisando os resultados, caso já estejam familiarizados com o gênero, e discorrendo sobre o comportamento consumidor observado.
Para se aprofundar
1. Guia da Educação Midiática, material gratuito sobre como fazer a mediação de crianças e jovens com as mídias de forma produtiva.
2. Mídia e Jornalismo na Escola – Explorando a Criatividade na Sala de Aula, de Márcio Gonçalves (Pipa Comunicação), livro gratuito sobre texto jornalístico e análise crítica.
3. Vaza Falsiane, curso gratuito dividido em 13 módulos sobre os conceitos de informação e desinformação, identificação e combate a fake news e desinformação na pandemia.
Consultor pedagógico: Fernando Barnabé, professor de Matemática, integrante do Time de Autores e do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, autor e editor de materiais didáticos.
Nova Escola