Educação & Cultura
Ataques a escolas: sentir-se em segurança para aprender
Vivemos em meio a um tipo de violência cujo enfrentamento demanda medidas inovadoras que ampliem a segurança, melhorem o clima escolar e promovam a cultura de paz
Toda criança e adolescente têm direito a estar e se sentir em segurança. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconiza que é dever da família, da sociedade e do poder público “assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Se a segurança física tem relação com o direito à vida, sentir-se seguro conecta-se à saúde emocional e à dignidade. No ambiente escolar, isso está diretamente relacionado a outro direito: o de aprender.
O aprendizado e o desenvolvimento integral demandam que os estudantes estejam em um ambiente acolhedor, no qual confiam, do qual gostam. Diversos estudos apontam a relação positiva entre o clima escolar e o aprendizado.
O clima escolar é um termo que busca sintetizar alguns aspectos que dizem respeito às percepções e relações dentro da escola. Segundo o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), da Unicamp/Unesp, o clima interfere na aprendizagem, pois influencia na dinâmica escolar – e também é afetado por ela.
Em uma publicação de 2017, o Instituto Unibanco, por exemplo, citou três pesquisas que apontam que um clima escolar positivo pode amenizar o impacto negativo das disparidades socioeconômicas no desempenho dos estudantes. Corroborando o potencial de um ambiente de relações saudáveis para a equidade, um estudo do Itaú Social mostra que os estudantes pretos e pardos apresentam maior sofrimento emocional relacionado à escola do que seus pares brancos.
Já esta coluna da NOVA ESCOLA ressalta pesquisas que “relacionam o clima escolar positivo a um melhor desempenho dos estudantes, maior participação profissional dos professores e gestores, assim como à manutenção de um ambiente saudável, promovendo o bem-estar de todos os que na escola convivem.”
De acordo com o GEPEM, entre as dimensões que afetam o clima escolar, está a forma que a escola faz a mediação de conflitos, como é a participação das famílias e a qualidade da infraestrutura física dos estabelecimentos de ensino. Esses três aspectos foram destacados neste artigo, pois parecem ter uma relação direta com o ponto abordado inicialmente: estar e sentir-se em segurança nas escolas.
O papel do clima escolar para garantir o direito à Educação
Após uma série de acontecimentos recentes de extrema violência em escolas brasileiras, que relembram casos anteriores e não menos chocantes também em nosso país, as redes de ensino se mobilizaram para dar respostas rápidas que gerassem maior sensação de segurança nas escolas. Destaque no termo “sensação”, pois como muitas dessas ações não tiveram embasamento em evidências, sua eficácia para, de fato, combater a violência não pode ser garantida.
Entre as medidas mais citadas nas semanas que se seguiram aos episódios de ataques à escolas, estão a instalação massiva de câmeras de segurança, detectores de metais, segurança armada (de empresas particulares ou policiais) e catracas com reconhecimento facial. Junte-se a isso as grades, muros altos e portões com grandes cadeados e correntes, visão já corriqueira de escolas públicas – e que não as torna mais seguras.
Estudos conduzidos nos Estados Unidos apontam que o aumento ostensivo de medidas de segurança nas escolas não coibiu episódios de violência e, segundo educadores, pode impactar negativamente na aprendizagem por se afastar do que se espera de um ambiente saudável e acolhedor.
É legítimo que gestores e comunidade escolar queiram medidas urgentes. Qualquer mãe, pai ou responsável quer ter confiança em mandar seus filhos para a escola – incluo-me nesse grupo. Mas, quando pensamos em políticas públicas, é preciso se basear em duas coisas fundamentais: evidências e diálogo.
Ações práticas para melhorar a segurança
Ao se fazer essa pergunta, vamos nos deparar com fatores muito além dos muros da escola. Afinal, a escola é um pedaço da sociedade.
Vivemos tempos em que grupos se organizam pelas redes sociais para disseminar o ódio e propagar a violência, mirando especialmente em jovens com baixa autoestima e vulnerabilidade emocional – o Projeto de Lei 2630/2020 (chamado popularmente de “PL das Fake News”), em debate no Congresso Nacional, é uma das ações legislativas que têm tudo a ver com isso. Vivemos o acesso facilitado às armas e também conflitos geracionais que, se antes eram complexos, agora estão muito mais aprofundados pelo rápido avanço tecnológico.
Diante disso, então, não há nada o que se fazer nas escolas? Pelo contrário! As escolas são instituições essenciais no combate à violência. Já há muito material sobre como promover a cultura de paz, a partir do ambiente escolar – como a cartilha “Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar”, do Governo Federal, e a publicação “Paz, como se faz? Semeando cultura de paz nas escolas”, da Unesco.
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Para além da comunidade escolar, as entidades públicas envolvidas com a Educação e a segurança pública também precisam estar articuladas. O enfrentamento da pandemia e o preparo das escolas para as aulas presenciais demandou que Educação e saúde trabalhassem de mãos dadas para a construção dos protocolos sanitários. O momento, agora, requer o trabalho intersetorial entre educação, saúde, assistência social e segurança pública para a construção de protocolos de segurança e fortalecimento da cultura de paz.
Quando falamos de uma escola mais segura, portanto, é fundamental pensar além da questão da infraestrutura específica de vigilância – embora ela também seja importante, desde que baseada em evidências. Criação de protocolos de segurança, trabalho de inteligência policial e monitoramento de grupos de ódio, formação das equipes escolares, promoção de debates sobre violência nas escolas, trabalho voltado à cultura de paz com os estudantes, engajamento e conscientização das famílias, presença de psicólogos – como prevê a Lei 13.935/2019 –, por exemplo, também são pontos a serem avaliados.
É fundamental, ainda, que a rede de proteção da criança e adolescente, que envolve escola, Conselho Tutelar, Ministério Público e Poder Judiciário, esteja integrada e trabalhe de forma conectada com os demais atores institucionais do território para prevenir e agir em momentos críticos de violência.
É essencial o diálogo entre todos esses atores a respeito de quais medidas fazem sentido, quais são viáveis, quais têm maior probabilidade de efetividade, quais podem contribuir com o clima escolar (e não deteriorá-lo).
Com isso em mente, após uma reunião exclusiva sobre esse assunto, o Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política de Educação no Brasil (Gaepe-Brasil) encaminhou ao Governo Federal questionamentos sobre a utilização de recursos para medidas de segurança nas escolas. Ter acesso a recursos financeiros e entender os aspectos técnicos para sua utilização é fundamental para que os gestores da educação possam fazer investimentos com mais qualidade e participação da comunidade escolar.
Não se pode deixar de lado, ainda, que a imprensa, pilar fundamental do Estado democrático de direito, tem um papel muito importante também nessa pauta. Como foi explicado nesta coletiva de imprensa promovida pelo Gaepe-RO, para jornalistas de Rondônia, quem comete atos de extrema violência contra as escolas busca, em geral, notoriedade – o que acaba sendo conseguido com a exposição do agressor na mídia. Por isso, é preciso cautela ao comunicar esses acontecimentos, evitando-se, por exemplo, exposição do modus operandi, exposição dos agressores e vítimas, para evitar que aumentem a probabilidade que outras pessoas se inspirem a realizar esse tipo de ataque.
O papel da imprensa no combate à propagação de falsas ameaças e fake news sobre ataques às escolas também foi ressaltado. Outras recomendações sobre a cobertura jornalística desse assunto são apontados em material da Jeduca, associação de jornalistas de educação.
Encerro esse texto com mais um trecho do ECA: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Por isso, sociedade civil, comunidade escolar, gestores e entidades diversas do poder público precisam se unir e pensar em ações de proteção e prevenção à violência nas escolas.
Alessandra Gotti é fundadora e presidente executiva do Instituto Articule e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP. Foi Consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).