Educação & Cultura
Explore a biodiversidade da caatinga em sala de aula
A cultura local e o conhecimento popular são pontos relevantes para fortalecer os conhecimentos do bioma e ir além dos estereótipos
Minha terra tem mata branca onde canta o Carcará. Enquanto pensava em como começar este texto, lembrei-me do poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias. O Brasil está entre os países mais biodiversos do mundo. Em questões ambientais e culturais, possuímos biomas exclusivos de beleza singular a ser explorada e compreendida.
Para nós, professores, é a oportunidade de trabalhar de forma integrada esses conteúdos curriculares com a realidade socioambiental em que os alunos estão inseridos, tornando o aprendizado mais significativo.
Biodiversidade do sertão
Os livros didáticos costumam apresentar e explorar os biomas “carismáticos”, como a mata atlântica, para trabalhar temas sobre ecologia, biodiversidade e biomas.
É comum nos depararmos constantemente com araras azuis, onças pintadas, tucanos e várias outras espécies populares. Outros biomas, igualmente ricos e ecologicamente complexos, são quase sempre mal representados. A caatinga está certamente neste grupo.
Para os meus alunos, nordestinos, que crescem cercados por esse bioma, representa perder a oportunidade de aprender com o entorno, conhecer a riqueza da biodiversidade e a importância das relações ecológicas de tudo aquilo que compõe suas identidades etnoculturais.
Enquanto indivíduos culturais e partes integrantes do ambiente natural, nossos costumes e cultura regem nossos comportamentos. Esses aspectos compõem a diversidade da vida humana, influenciam nosso pensamento crítico, valores morais e a forma que nos relacionamos com a natureza.
Esse é um ponto extremamente importante para quem deseja trabalhar com qualquer biomas de forma significativa: leve seu aluno a entender que é parte integrante do ambiente e, como qualquer outra espécie, está sujeito às leis e às regras do ecossistema, e que suas ações influenciam diretamente o equilíbrio desse espaço. A forma que os alunos se relacionam com o seu meio também é um ótimo viés investigativo para ser trabalhado em sala.
Conhecimento ecológico local
O nordeste é culturalmente muito rico. Do ponto de vista ecológico, há um imenso conhecimento adquirido e transmitido ao longo do tempo. Esses saberes vão desde as atividades de caça até a exploração medicinal de plantas típicas da região.
Essas informações são importantes para o ensino de ecologia e biocultura dos alunos – ramo conhecido como Conhecimento Ecológico Local (CEL) e que, nos últimos anos, tem sido cada vez mais relevante para a criação de planos para administrar áreas de proteção ambiental.
Por isso, a cultura e o conhecimento popular são pontos extremamente relevantes a serem trabalhados em sala, para fortalecer o conhecimento dos alunos sobre o bioma que os cerca. É a oportunidade de conectar a escola e a comunidade local. Imagine a riqueza de saberes que podem ser explorados ao entrevistar pessoas da região. Percebe as possibilidades de potencializar uma aula a respeito do bioma local?
3 sugestões para estudar os biomas brasileiros
Se estiver em outra região do Brasil, separei algumas ideias que podem auxiliar a explorar o bioma em que você e sua turma estão inseridos.
1. Explore fotografias
Cada um pode trazer imagens de animais que podem ser observados na região. Elas podem ser editadas e reunidas em uma exposição sobre a fauna local.
2. Proponha a elaboração de um livro de ilustrações
Essa sugestão é inspirada no filme “Animais fantásticos e onde habitam”, em que um magizoologista (biólogo bruxo), cruza a cidade de Londres atrás de vários animais mágicos.
Após assistir ao longa-metragem com meus alunos, criamos desenhos e registros como os que apareciam no filme baseado em espécies da região – chamamos de Animais fantásticos da caatinga. Essa produção também entrou na exposição mencionada acima.
3. Organize tipos diferentes de seminários
No lugar do formato tradicional de apresentação, já solicitei que meus alunos elaborassem vídeos curtos sobre um aspecto do bioma. Depois reunimos todas as criações em um mini documentário. Dessa forma eles puderam exercitar diversas habilidades e se conectar com o entorno. Eu chamo de seminários pitch e tem se mostrado uma ótima estratégia!
A riqueza das relações etnoecológicas
Descobri todo esse tesouro durante meu trabalho de campo no mestrado. Desenvolvi minha pesquisa em uma pequena aldeia de catadores de ostras. Assim, conheci a dona Maria, conhecida como a rainha das ostras da região.
Quando cheguei em sua casa pela primeira vez e comecei a conversar com ela, fiquei impactado com a quantidade de conhecimento que ela possuía a respeito dos moluscos que cultivava. Sua vivência me ensinou muito sobre a realidade do meu próprio entorno.
Não tinha noção das riquezas ecológicas da caatinga até chegar à universidade. Desejava fazer algo diferente, representativo para os meus alunos. Foi desta inconformidade que nasceu o “Um ensaio biocultural”, um dos meus projetos mais significativos.
Explorar a biodiversidade em sala de aula
Em Mogeiro (PB), cidade onde resido e dou aula, a caça tradicional é uma forte característica da comunidade, devido às raízes indígenas do município. Por isso, escolhi focar nessa atividade.
Os alunos estudaram com base em artigos científicos de pesquisadores paraibanos. Também entrevistaram caçadores locais, que eram membros da família dos alunos ou que faziam parte da comunidade.
Em parceria com a professora de Matemática Audray Silveira, os alunos puderam analisar os dados por meio de porcentagem simples. Esse exercício permitiu que eles compreendessem, por meio da interpretação dos dados, as principais características da caça e das pessoas envolvidas.
Consolidação da pesquisa de campo
Eles identificaram que a caça é realizada em sua maioria por homens (87,87%), os quais residem majoritariamente na zona rural (81,81%). Dos 33 caçadores entrevistados, pouco mais da metade utilizavam animais também para uso medicinal (54%), sendo o teju (45,45%) o mais utilizado em tratamentos de diversas inflamações. 90% dos entrevistados afirmou que a caça tem fins de alimentação, sendo a rolinha (31,1%), teju (14.86%) e o preá (18.91%) as espécies mais consumidas.
As crenças demonstraram influência a exploração de determinadas espécies como a lavandeira (27,27%), urubu (12,12%) e beija-flor (9,09%), apontadas como animais que não podem ser “mortos” devido a diversos simbolismos culturais. Em contrapartida, entre os animais mais temidos e vistos como “mau agouro” estão: as cobras (63,63%) e corujas (39,39%).
Com todas as informações coletadas, os alunos evidenciaram a riqueza etnoecológica que os cercavam. Quebrou com o pensamento de que a caatinga seria um deserto vermelho, árido e sem vida. Com base nessas fantásticas descobertas, nasceram os “fakemons”, os pokémons da caatinga.
A caatinga é linda, né? Viva essa aventura com seus alunos e veja a mágica acontecer!
Linaldo Oliveira
Linaldo Oliveira é mestre em Ecologia e Conservação e professor da EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, em Mogeiro (PB). Foi tetracampeão do Prêmio Educador Nota 10 do Instituto Alpargatas e eleito Educador do Ano na 24° edição do Prêmio Educador Nota 10.
Fonte: Nova Escola