Judiciário
Advogados, falem como professores
A linguagem falada, instrumento de poder ladeado pela linguagem escrita, pode excluir e negar direitos
Em meu último artigo para o JOTA, escolhi falar da linguagem escrita do direito, direcionando-me aos advogados. Recebi muitos feedbacks de pessoas que atuam na área jurídica, todas concordando que precisamos rever nossa forma de se comunicar no direito.
O que eu disse alhures permanece inalterado e serve tanto para a linguagem escrita quanto para a linguagem falada: “Se a linguagem é poder, o direito é a tradução dele. O jurídico deve(ria) ser veículo na entrega de direitos postos na Constituição. Falar e escrever rebuscado carrega consigo a negação de mínimos existenciais”.
A palavra dita, até mais do que a escrita, tem como função primordial a transmissão da mensagem. E esta, por sua vez, muitas vezes não atinge seus destinatários porque não se apresenta compreensível, didática e à disposição daqueles que a recepcionam.
Falar difícil a partir de estrangeirismos, latinismos, erudição, inversões e juridiquês é impossibilitar a efetividade da garantia de direitos, da paz social, da resolução de conflitos – todas essas tarefas que incumbem ao direito.
Os exemplos são os mais variados: o advogado que não consegue explicar o que é jurisprudência ou mesmo juiz natural e competente para o cliente; o Supremo Tribunal Federal que escolheu televisionar seus julgados como se TV aberta fosse, mas se fecha nas vênias, excelências e apartes; os parlamentares que usam o direito, em sessões e plenárias para conduzir as regras de uma determinada solenidade. Há tantos outros exemplos, todos conectados com a evidência de que há um processo social de organização humana pelo direito.
A fala complexa e truncada do direito deve ser evitada; deve(ria) ser mais próxima dos cidadãos que utilizam o instrumento do direito para exercer sua cidadania em plenitude.
A educação faz isso. Melhor, os professores sabem fazer isto com maestria.
O educador tem a tarefa difícil e diária de explicar e traduzir as mais diversas complexidades da vida e da ciência para que o aluno as compreenda, a partir de diversos métodos, todos, em tese, preocupados com a transmissão do conhecimento e a compreensão da mensagem.
Você que está lendo este artigo pode perguntar à pessoa que está ao seu lado o seguinte: qual foi o melhor professor que você já teve? A resposta será certamente “aquele que conseguia transmitir o conhecimento” ou então “aquele que tinha didática”.
Mas se a pergunta for direcionada a advogados, a resposta seria “o melhor advogado é aquele que resolveu o meu problema”?
Não. Nem sempre. Não estou fazendo inferências neste texto apenas da relação microscópica estabelecida entre advogados e os seus clientes.
Estou falando do direito como expressão de poder que organiza e normatiza, também, a sociedade.
A tarefa dada é esta: o direito deve se aproximar da educação com urgência na promoção de cidadania, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, pautada no Estado democrático de Direito.
Operadores do direito, sejamos educadores na tarefa diária de traduzir a concretização de direitos, seja na sala de aula enquanto professores do direito; seja nos tribunais, na busca de interpretação da lei; seja nos escritórios Brasil adentro, na busca pela justiça enquanto causídicos das mais variadas áreas.
A cidadania só será plena quando não houver desigualdades das mais diversas matizes, inclusive a linguística.
A tarefa de aprendizado agora é nossa. Nós, advogados, aprendamos com eles, os professores.
Fonte:
JOTA – https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/advogados-falem-como-professores-30092023