Internacional
Disparos e pânico: como um show virou palco de massacre na Rússia
Era pouco antes de 20h no horário local, em uma sexta-feira à noite, e o auditório do Crocus City Hall estava se enchendo de pessoas que pretendiam assistir ao show da banda veterana Picnic.
“Algumas pessoas de roupa marrom, não sei quem eram – terroristas, militares, quem quer que seja – invadiram o auditório e começaram a disparar contra as pessoas usando fuzis”, relata o fotógrafo Dave Pimov, que assistiu ao ataque dos balcões no andar superior.
Os atiradores haviam acabado de entrar pelo saguão de fora do teatro, abrindo fogo aleatoriamente enquanto avançavam.
Cerca de 6,2 mil ingressos do show haviam sido vendidos, mas a segurança de fora da casa de shows rapidamente foi por terra. Um dos quatro guardas dali disse que seus colegas se esconderam atrás de um cartaz: “os agressores passaram a 10 metros de nós, atirando aleatoriamente contra as pessoas no chão.”
Ninguém sabia ao certo quantos agressores havia. Mas vídeos gravados do andar de cima da casa de shows mostram quatro homens em roupas camufladas. O aparente líder mira pessoas aglomeradas contra as janelas – foram elas as primeiras vítimas do mais letal ataque contra civis russos em anos.
Muitas das vítimas e feridos são de Krasnogorsk, Khimki e outras cidades a noroeste de Moscou.
Um segundo agressor se move, enquanto um terceiro calmamente segue atrás, carregando uma mochila. O quarto homem entrega-lhe uma arma, e eles passam por um detector de metal onde não havia guardas, em direção ao auditório.
Uma mulher acompanhada da filha de 11 anos estava comprando sorvete em um café perto da entrada, quando escutou os barulhos de tiros e os gritos para que todos se abaixassem no chão.
“Corremos em direção às crianças, abaixamos e começamos a montar barricadas com mesas e cadeiras. Diversas pessoas feridas correram na nossa direção”, ela contou ao serviço russo da BBC.
Dentro do auditório, faltavam alguns minutos para o show começar, e algumas pessoas acharam que os ruídos eram parte da apresentação.
Sofiko Kvirikashvili ouviu o que ela inicialmente achou que fossem fogos de artifício. “Me virei para o hall de entrada duas vezes. Na terceira, percebi que as pessoas estavam correndo em todas as direções.”
Dave Pimov, o fotógrafo, contou que houve pisoteamentos e pânico. Algumas pessoas no auditório tentaram se agachar entre os assentos, mas vários homens abriram fogo contra eles. Parte do público tentou correr para o palco, enquanto outros tentaram usar saídas de andares superiores, mas encontraram as portas trancadas.
Testemunhas contam que havia idosos e crianças no público, que acabaram ficando na linha de fogo.
Uma mulher que correu em direção ao palco disse ter visto um homem disparar contra as arquibancadas. “Corremos por atrás da cortina, e um dos empregados do Crocus nos disse para fugir. Saímos no estacionamento sem nossas roupas de inverno.”
Margarita Bunova havia acabado de pegar seus monóculos para se preparar para o show, quando ouviu o que também achou que fossem fogos de artifício. Até que ela e o marido perceberam que eram tiros.
“Alguém disse, ‘corra lá para baixo’, e fomos parar em um lugar de escuridão completa. Mas ainda conseguíamos ouvir os tiros atrás de nós até a hora que escapamos”, contou.
Outro sobrevivente, chamado Vitaly, viu o ataque se desenrolar do alto. “Eles (agressores) atiraram bombas de gasolina, e tudo pegou fogo.”
Não se sabe ao certo o que havia nos explosivos, mas o local incendiou rapidamente. E os bombeiros demoraram a conseguir chegar ali, devido ao ataque.
As chamas avançaram pelo teto e ficaram visíveis em toda a cidade de Krasnogorsk. Parte do telhado desabou, e o fogo avançou para a parte da frente da edificação, engolindo os dois andares superiores.
Por um momento, um monitor de TV do auditório chegou a mostrar o caos que se desenrolava ali, sem haver nenhum sinal de seguranças ou policiais.
Alguns sobreviventes subiram escadas que os levaram até a entrada de serviço do Crocus. Eles veem um homem vomitando, enquanto outros tentavam telefonar para parentes.
Eva estava nos bastidores do show quando os agressores invadiram o auditório. “Estávamos no camarim e vimos uma multidão passar por nós. Ouvimos barulho e correria, então pegamos nossos casacos e corremos com a multidão.”
Inicialmente, foi comunicado que todos os membros da banda Picnic estavam seguros e bem, mas mais tarde surgiram relatos – ainda não confirmados – de que um dos músicos estaria desaparecido.
À medida que crescia o número de mortos, a escala e a natureza indiscriminada do massacre foram ficando mais claras, tanto dentro como fora do auditório. A primeira lista de vítimas trazia nomes tanto de crianças quanto de idosos com mais de 70 anos.
O grupo jihadista Estado Islâmico (Isis) reivindicou a autoria do ataque em um comunicado breve, sem especificar qual de suas ramificações estaria por trás do episódio.
Isso coincide com informações da inteligência americana, indicando que o Isis tinha planos de atacar a Rússia. Duas semanas antes, os EUA haviam emitido um alerta de possível ataque contra “grandes multidões” em Moscou, embora autoridades russas tenham se queixado de que o alerta não era suficientemente detalhado.
A Ucrânia rapidamente negou envolvimento no caso, insistindo que suas ofensivas contra a Rússia estão limitadas ao campo de batalha.
Mas o FSB, serviço de inteligência russo, afirmou que os perpetradores tentavam cruzar a fronteira ucraniana e tinham “contatos relevantes” lá – algo que Kiev nega com veemência. Segundo o presidente russo Vladimir Putin, todos os perpetradores do ataque foram detidos e serão punidos.
Ele também comparou os agressores a nazistas da Segunda Guerra Mundial e afirmou que ninguém destruirá a unidade russa.
O domingo foi decretado como dia oficial de luto na Rússia.