Educação & Cultura
Água, energia e lixo: como a Educação Financeira e Ambiental se relacionam nos Anos Iniciais?
Abordar a questão financeira é uma boa forma de trazer mais criticidade aos temas ambientais, promovendo projetos interdisciplinares
“Professora, estamos aprendendo sobre a importância da água desde o 1º ano, mas como fazemos para conscientizar as outras pessoas sobre esse assunto?”. Essa foi a pergunta que a professora Elizabeth Ribeiro ouviu de um aluno do 3º ano da EMEF Marechal Bittencourt, em Osasco (SP). O questionamento fez a docente perceber que o projeto sobre água que ela estava desenvolvendo com a turma precisaria avançar.
Com o apoio da coordenação pedagógica, os professores da unidade costumam inserir a Educação Financeira em diversas outras temáticas, e foi esse o caminho que Elizabeth encontrou para ajudar os estudantes a responderem à pergunta do colega. “As campanhas de conscientização sobre o uso da água, com as quais os alunos já estavam acostumados, se tornam apenas paliativas. Mas como que a gente trata desse assunto desde a raiz? O que mexe mais com o ser humano? A questão financeira. Temos que mostrar para outras pessoas que a água faz parte da economia do nosso país”, afirma a docente.
A partir do interesse dos estudantes, o projeto se desenvolveu relacionando a Educação Ambiental com a Educação Financeira. Essa dupla traz diversas possibilidades de trabalho pedagógico, passando pela economia de recursos naturais, reciclagem, alimentação e por problematizações mais complexas sobre desigualdade. “Um cidadão consciente do consumo, que faz planejamento financeiro, evita desperdícios, reutiliza materiais e opta por comprar produtos que tem refil. Mesmo que faça isso pensando no dinheiro, ele favorece o meio ambiente porque, com essa ação, há uma economia de recursos naturais”, exemplifica Eliane Zanin, do time de formadores da NOVA ESCOLA.
Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, essa prática interdisciplinar que mistura Ciências com Matemática – e também com outros componentes curriculares – é favorecida pelo fato dos professores serem polivalentes, o que facilita a realização de projetos. Na escola de Osasco, a coordenadora pedagógica Vanda Coelho estimula os professores a inserirem a Educação Financeira em projetos dos mais diversos temas. Além do trabalho sobre a água, no 3º ano, a temática também apareceu, por exemplo, em um projeto sobre ética e cidadania no 5º ano. “Inserimos a Educação Financeira de uma maneira bem lúdica e tranquila, despertando o interesse das crianças por algo que elas possam vivenciar”, comenta Vanda.
Água e economia
Dentro da sala de aula, Elizabeth estimulou os alunos a conhecerem a história do uso do recurso natural por sociedades ao longo do tempo, apontando sempre para a importância econômica. “Eles passaram a reconhecer algumas relações, como o fato de que se não tem água para a nossa agropecuária, nós não temos carne na mesa”, exemplifica a professora.
Com ajuda de pesquisas, entrevistas com familiares e com a comunidade escolar e uma visita à estação de tratamento de água, os estudantes foram conhecendo mais sobre a importância desse recurso natural para a vida humana e para a economia. “Eles consolidaram o conceito de que, apesar do dinheiro ser o que teoricamente comanda a economia, existem também outros recursos que a movimentam e que são moedas de troca, e a água é um deles. Assim, ficou mais fácil compreender que precisamos tratar bem o nosso planeta daqui para frente para que esse recurso não acabe”, afirma a professora.
A partir de pesquisas, os estudantes também notaram que a água está diretamente relacionada com a desigualdade social, já que o ser humano depende dela para produzir alimentos e para sobreviver.
Além da evidente parceria entre Ciências e Matemática, o projeto permitiu que os estudantes desenvolvessem habilidades de diferentes componentes curriculares. Em Ciências, apareceram a preservação ambiental e a importância da água para o corpo humano; em História, o uso do recurso em sociedades do passado; em Geografia, questões sobre desigualdades sociais e produção de alimentos; em Matemática, os alunos fizeram cálculos para descobrir quanta água cada ser humano precisa de acordo com sua massa corporal, curiosidade que partiu dos alunos; e, em Língua Portuguesa, a produção textual foi usada na hora de apresentar os resultados do projeto à comunidade.
“Abriu-se um leque de assuntos e de opções de atividades que nem eu esperava”, conta a professora. A coordenadora Vanda, que tem visto e apoiado o sucesso da inserção da Educação Financeira em projetos das mais diversas temáticas, planeja agora inserir o assunto de forma mais direta na escola. Neste ano, ela aproveitou uma parceria da rede municipal com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para receber orientação sobre a temática e inseri-la em todas as turmas da escola. “Nós, educadores, não tivemos essa vivência na nossa infância e, consequentemente, não sabemos lidar com dinheiro. Então, o tema pode parecer difícil. Por isso, é preciso buscar conhecimento para repassar para os professores da escola”, afirma a coordenadora.
No final do ano passado, a escola sediou uma feira cultural com os trabalhos desenvolvidos ao longo do ano letivo. Nessa ocasião, as famílias puderam se inscrever para vender produtos, com o objetivo de despertar na comunidade a temática do empreendedorismo. “Dessa forma, sensibilizamos as famílias e os próprios alunos para esse projeto maior sobre Educação Financeira que será desenvolvido neste ano”, afirma.
Mão na massa
Relacionar Educação Financeira com Educação Ambiental abre um leque de temáticas possíveis de serem abordadas em projetos nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A seguir, confira algumas ideias propostas pela formadora Eliane Zanin e pela especialista em Educação Matemática Laís Thalita Santos.
Doação
A temática está diretamente relacionada com o meio ambiente e com as finanças, e pode ser abordada de diversas formas. Uma delas é a realização de um bazar na escola, que pode ter arrecadação voltada para solucionar um problema da comunidade escolar ou do bairro, ou para realizar um sonho da turma, como uma festa de final de ano, por exemplo. Ao realizar um bazar, é possível promover habilidades de diversos componentes curriculares:
- Ciências: reutilização de produtos e preservação ambiental.
- Matemática: cálculos do preço das peças, do fluxo de caixa e da quantidade de itens, além de habilidades de geometria para organizar o espaço.
- Língua Portuguesa: gêneros textuais na criação de convites, listas de produtos e relatórios finais, por exemplo, e oralidade, no momento de receber a comunidade no bazar.
- História e Geografia: uma ideia é convidar produtores locais para venderem no bazar, permitindo que os estudantes e a comunidade conheçam sobre a história e a economia da região.Recursos naturais
Projetos relacionados à água e à energia são boas formas de abordar tanto a questão ambiental quanto a financeira. Nesses casos, é possível analisar contas de água e luz, por exemplo, abordando tanto Ciências como Matemática. Também dá para ir além, trazendo reflexões históricas e leituras sobre a temática, abordando outros componentes curriculares.
Lixo
A temática também é muito rica na intersecção desses dois grandes temas e incentiva a abordar, por exemplo:
- Os 6 R’s da sustentabilidade (rero da escola.pensar, recusar, reduzir, reutilizar, reparar e reciclar), promovendo ações de reutilização ou reciclagem de embalagens dent
- Novas ideias para o lixo orgânico da escola, como a criação de uma composteira.
Alimentação saudável
Dá margem a diversas possibilidades, já que os alunos podem realizar atividades como leitura de rótulos, análise de valor nutricional, conversão de medidas e descarte correto de embalagens, entre outros. É possível, por exemplo, promover uma discussão que relaciona alimentação saudável, menos desperdício e economia financeira. Outra ideia é abordar temas relacionados à Geografia para entender quais são as frutas da região e como isso se relaciona com o meio ambiente e com o preço final desses alimentos.
Educação Ambiental e Financeira
Como é possível perceber no destaque acima, para além da questão da água, outros temas permitem a intersecção entre Educação Financeira e Educação Ambiental, como o uso de energia, a reciclagem e reutilização de produtos e o desperdício de alimentos.
Laís Thalita Santos, mestre em Educação Matemática e Tecnológica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e técnica da equipe de Anos Iniciais da Secretaria de Educação de Cabo de Santo Agostinho (PE), orienta os coordenadores pedagógicos a levarem o tema para dentro das escolas sempre de forma crítica, promovendo reflexões por parte dos estudantes. Isso significa ir além das famosas campanhas de conscientização, como “apague a luz ao sair” ou “desligue a torneira enquanto escova os dentes”.
“As indústrias e a forma como lidam com os recursos naturais, e também nossas práticas de consumo, impactam diretamente na natureza. Vale investir em uma perspectiva crítica, que leve os indivíduos a repensarem hábitos e atitudes e a relacionarem os processos industriais com os prejuízos ambientais que vivenciamos, discutindo esses temas junto das turmas”, afirma a especialista.
As possibilidades de desenvolver projetos que entrelaçam as duas temáticas são várias, e cabe ao coordenador pedagógico estimular essa intersecção dentro da escola, incentivando trabalhos interdisciplinares. O primeiro passo é se apropriar de ambas, aconselham as especialistas, estudando sobre Educação Ambiental e Educação Financeira. Depois, é hora de levar esses assuntos para serem debatidos e estudados pelos professores, a partir de formações, rodas de conversa e estudos coletivos.
O coordenador pedagógico também pode, com o auxílio dos professores, identificar quais habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de diversos componentes curriculares podem se relacionar com a temática proposta, construindo projetos em conjunto. A consultora dessa trilha de reportagens, Aline Soares, que também é coordenadora pedagógica, montou um roteiro com orientações para apoiar os coordenadores a incentivar o trabalho interdisciplinar junto aos professores dos Anos Iniciais.
Nova Escola