Judiciário
Barroso suspende decisão que obrigava município a arcar com tratamento contra câncer
Ministro acolheu parcialmente o pedido da prefeitura de Jacutinga (MG), que alegou limitações orçamentárias
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, suspendeu, diante do risco de comprometer o orçamento do município, na última sexta-feira (19/7) uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) que obrigava a Prefeitura de Jacutinga (MG) a arcar com um medicamento de custo elevado para um paciente com câncer grave. O ministro considerou que o tratamento oncológico de alta complexidade, a um custo de R$ 468 mil por ano, não cabe ao ente municipal — cujo orçamento em 2024 é de R$ 370 mil para farmácia básica e de R$ 500 mil para o fornecimento de medicamentos judicializados em anos anteriores, segundo argumentou a prefeitura.
Porém, para não interromper o tratamento do beneficiário, Barroso determinou que o município continue arcando com o fornecimento de Lorlatinibe 100mg, o medicamento em questão, até que a responsabilidade seja assumida pelo ente competente. O medicamento foi incorporado pelo SUS em 2021 para o tratamento de câncer de pulmão de células não pequenas (CPNPC) avançado, positivo para quinase do linfoma anaplásico (ALK+). Leia aqui a decisão, tomada na Suspensão de Tutela Provisória (STP) 1031/MG.
De acordo com Barroso, a decisão do TJMG, que havia mantido o pedido de tutela de urgência deferido anteriormente pela primeira instância, determinando o fornecimento do medicamento nas doses e tempo prescrito pelos médicos, desconsiderou os parâmetros de concessão de fármacos estabelecidos pelo STF. “Considerando que o medicamento requerido é destinado a tratamento oncológico de alta complexidade, não cabe ao ente público municipal custeá-los”, considerou.
Barroso ressaltou ainda que a responsabilidade pelas demandas judiciais precisa observar a repartição dos entes no Sistema Único de Saúde (SUS). O alto custo da concessão, observou Barroso, cria uma cenário de desorganização das políticas públicas em saúde.
Como base para seus argumentos, o ministro citou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 855.178-ED/Tema 792, em que foi fixada a seguinte tese:
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Também citou a decisão liminar — referendada pelo plenário — do ministro Gilmar Mendes, relator do RE 1.366.243/Tema 1234, em que foram definidos os seguintes parâmetros para a atuação do Poder Judiciário nos casos de fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde:
“nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados [pelo SUS]: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual, sem prejuízo da concessão de provimento de natureza cautelar ainda que antes do deslocamento de competência, se o caso assim exigir;
(…)
diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada”.
Em parecer favorável à suspensão da liminar, a Procuradoria-Geral da República (PGR) também havia argumentado que o custeio do tratamento por tempo indeterminado tem altíssimo risco de colapsar as políticas municipais de saúde.
A ação
No pedido de Suspensão de Tutela Provisória (STP) 1.031, a Procuradoria-Geral de Jacutinga explicou que o orçamento anual previsto para atendimento de medicamentos judicializados é de R$500 mil, ao passo que o custeio do tratamento de um único beneficiário consumiria cerca de 93,6% das verbas.
Alegou ainda que a decisão do TJMG não cumpre as regras de repartição de competência do SUS, uma vez que, neste caso, os medicamentos devem ser fornecidos diretamente pela Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) ou pelo Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon), que deverão ser ressarcidos conforme a tabela de procedimentos, independentemente do esquema terapêutico.
Também destacou que, “caso o paciente estivesse sendo tratado pela rede pública de saúde conforme diretrizes acima mencionadas, o município não teria a responsabilidade de arcar com o medicamento de alto custo receitado pela rede particular onde o paciente está sendo tratado”. Para a administração de Jacutinga, o TJMG deveria ter direcionado o caso para o governo estadual, entidade competente para o acompanhamento.
“Não é razoável admitir que o interesse do particular comprometa e se sobreponha ao interesse da coletividade já que o valor da medicação excede a capacidade orçamentária do município e representa excessiva onerosidade aos cofres públicos municipais. Não se trata aqui em precificar a vida do paciente, mas sim de promover a isonomia material entre todos os destinatários das políticas públicas de saúde, a qual se perfaz pela repartição interna de atribuições entre os entes”, sustentou o procurador Cássio Fulaneto Alves.
Em manifestação, a defesa destacou que o paciente é um homem idoso com câncer grave e que precisa do medicamento para evitar o avanço da doença. O documento alega que os atrasos no fornecimento do remédio pelo município tem gerado dores e desânimo no tratamento. A representante legal do beneficiário também argumentou que há possibilidade de realocação de recursos, uma vez que o orçamento previsto para 2024 foi de R$ 159 milhões”.
“Não se pode é banalizar a esperança de vida e o tratamento do autor, ora consubstanciado no medicamento Lorlatinibe 100mg, através de argumentos frios sobre a administração pública, como se o gasto com esse tratamento fosse uma ofensa ao erário, em razão do altíssimo custo da medicação, não enxergando o valor moral dessa ação e a necessidade de um munícipe que sempre contribui com a comarca onde reside” afirmou.
O caso corre em segredo de justiça no TJMG sob o número 1228022-93.2024.8.13.0000.