CIDADE
Enfermeira de Campina Grande é referência no atendimento às pessoas com doenças raras
Além de exemplo de acolhimento e dedicação, Lúcia Gurjão auxiliou em estudo clínico fundamental para implementação de tratamento para mucopolissacaridoses
Lúcia Monteiro Gurjão é uma enfermeira recentemente aposentada, que deixou uma marca significativa na comunidade e na vida de pacientes com doenças raras em Campina Grande, na Paraíba. Sua jornada com doenças raras começou em 2008, quando fazia parte da coordenação de enfermagem no Hospital Universitário Alcides Carneiro. Na época, Lúcia foi convidada pela geneticista, Paula Frassinetti Vasconcelos de Medeiros, para integrar a equipe responsável pelo tratamento de pacientes com mucopolissacaridoses (MPS), um grupo de doenças hereditárias causada por erros inatos do metabolismo, que afetam 11 a cada 22.500 nascidos vivos em todo o mundo.1,2
Em 2012, Lúcia foi convidada a integrar a equipe do “Estudo Clínico, Bioquímico e Molecular de Pacientes com mucopolissacaridose IV”, no Hospital Universitário, um dos dois únicos a contribuir para o entendimento da prevalência e da necessidade do tratamento na população brasileira. A análise facilitou a adoção e a implementação de uma terapia que ainda não havia sido aprovada no país. Ao seu lado estiveram uma equipe composta pela Dra. Frassinetti, outros profissionais de saúde e estudantes de medicina, como sua própria filha, Mariana Monteiro Gurjão de 35 anos.
Com influência da mãe, Mariana, fez quatro anos de residência em pediatria e endocrinologia pediátrica, em São Paulo e quando voltou a Paraíba começou a integrar o time da sala de terapia enzimática junto a Dra. Paula. Hoje ela atende os pacientes que já foram tratados por sua mãe no hospital, carregando um legado de cuidado e atenção a essas pessoas. Lúcia, que teve mais de 40 anos de atuação na área da saúde, conta com um sorriso orgulhoso os passos da filha que atualmente segue escrevendo a história que a própria mãe começou.
Desafios atrelados a MPS
Embora não tenham cura, alguns tipos de mucopolissacaridoses podem ser tratados com reposição enzimática. Pessoas com MPS têm a produção de enzimas afetada por erros inatos do metabolismo, o que pode causar macrocefalia, alterações faciais, aumento do tamanho da língua, dificuldade visual e auditiva, má-formação dos dentes, excesso de pele, entre outros problemas. Além disso, a doença pode acarretar comorbidades secundárias, como infecções recorrentes das vias aéreas que afetam os ouvidos, dificuldade para respirar, comprometimento no ganho de estatura, mudanças nas feições, alterações cardíacas, problemas para caminhar, surdez e opacidade das córneas. Em alguns tipos de MPS, podem ocorrer comprometimentos neurológicos que levam a atrasos no desenvolvimento infantil.3
Como essas doenças afetam diversas funções do organismo, o tratamento dos pacientes exige um atendimento multidisciplinar. Isso inclui fisioterapeutas, cardiologistas, ortopedistas e outros profissionais, e enfermeiros, que desempenham um papel crucial na administração da terapia, adesão e manutenção do tratamento e até mesmo no manejo de intervenções ao longo do tratamento.
O cuidado que motiva o tratamento
No hospital foi criado um ambiente específico para o atendimento da doença, que ficou conhecido como “salinha”. Lúcia conta que tudo se iniciou com três pacientes e hoje 38 pessoas recebem terapia ali. Ela, seus companheiros de profissão e o grupo criaram um vínculo muito forte que perdura até os dias de hoje. “Eles nos receberam como alguém da família e nós também os acolhemos da mesma forma. Na salinha nós fazíamos festas nos aniversários e celebrávamos datas comemorativas, tentávamos oferecer sempre nosso melhor e isso fortaleceu ainda mais nossa relação com cada um deles”, relata Lúcia.
A enfermeira relata que seu trabalho sempre foi além da sala de atendimento, os pais e familiares dos pacientes também faziam parte de sua forma de atender, era com ela que dividiam suas dores e alegrias, buscavam nela um apoio e compreensão que as vezes não recebiam de outras pessoas.
Lúcia destaca ainda que os profissionais de saúde ajudam muito mais do que apenas no aspecto do atendimento médico. “Quem vai ali para receber o tratamento sabe que pode contar com os enfermeiros e os outros membros da equipe. Sabe que nós podemos ajudar de várias maneiras, não só com a medicação. Criamos uma relação muito boa, dizemos que somos a família MPS porque mantemos um laço importante e duradouro”, complementa. Para a profissional, o que garante que esses pacientes, mesmo após anos, continuem frequentando a salinha e aderindo 100% ao tratamento ofertado pelo hospital é o trabalho dedicado dos profissionais de saúde que atuam lá.
Lúcia lembra que além do suporte emocional oferecidos pela sua equipe, eles fazem o acompanhamento adequado e personalizado de cada um. Enfermeiros também sabem lidar com quaisquer intercorrências causadas pela doença, e acima de tudo possuem todo o histórico dos pacientes, podendo oferecer auxílio direto aos familiares sobre os cuidados necessários. “As pessoas não têm dimensão do que a nossa função toca, eu dediquei anos da minha profissão cuidando dos pacientes com MPS, ajudando na logística para que recebessem a terapia enzimática, fizemos parte do estudo clínico que tornou possível o tratamento da MPS tipo IV e me tornei alguém que marcou suas trajetórias, isso é o que mais importa para mim”, conclui.
Referências
1 Meikle PJ, Hopwood JJ, Clague AE, Carey WF. Prevalence of lysosomal storage disorders. JAMA. 1999. Jan 20.;281(3);249-54. Doi: 10.1001/jama.281.3.249. PMID: 9918480
2 National MPS Society. Disponível em: Link
3 Clarke L, Ellaway C, Foster HE, et al. Understanding the Early Presentation of Mucopolysaccharidoses Disorders: Results of a Systematic Literature Review and Physician Survey. Journal of Inborn Errors of Metabolism and Screening. January 2018. doi:10.1177/2326409818800346