Judiciário
Desigualdade de gênero no financiamento eleitoral das capitais do Nordeste
Maioria das capitais respeita cota de gênero, mas não a distribuição proporcional de recursos para candidatas mulheres
Segundo o Censo de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil conta com 104,5 milhões de mulheres, representando 51,5% da população. Apesar de serem maioria no país, essa representatividade não se reflete na política. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, entre as eleições de 2016 e 2022, as mulheres ocuparam apenas 15% das vagas entre os representantes eleitos.
Nas eleições municipais de 2024, ainda em andamento, o cenário não mudou muito. O percentual de candidatas é de 34%, praticamente o mesmo das eleições municipais de 2020, o que pode ser visto como um avanço. No entanto, o número de homens candidatos continua significativamente maior. Quando olhamos para as capitais dos nove estados do Nordeste, essa disparidade de gênero se torna ainda mais evidente, tanto em termos de número de candidaturas quanto no financiamento das campanhas.
Apesar desse cenário desigual, algumas capitais estão desafiando as estatísticas e mostram que é possível alcançar uma eleição mais equitativa em termos de gênero.
Fundo Eleitoral e Lei das Eleições
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o financiamento de campanhas políticas por empresas. A partir de 2017, o financiamento eleitoral passou a ser predominantemente público, por meio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como Fundo Eleitoral, e do Fundo Partidário, oficialmente chamado Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos. Além desses recursos públicos, as campanhas também podem ser financiadas por doações de pessoas físicas e recursos próprios dos candidatos.
Segundo a Agência Câmara de Notícias, o Fundo Eleitoral aprovado para as eleições de 2024 pelos senadores foi de R$ 4,9 bilhões. A distribuição desses valores aos partidos, realizada pelo TSE, segue critérios internos, mas precisa respeitar alguns parâmetros legais, como os estipulados pela Emenda Constitucional 117. Promulgada em abril de 2022, essa emenda determina que 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário sejam destinados a candidaturas femininas.
A Emenda Constitucional também estabelece que a distribuição dos recursos deve ser proporcional ao número de mulheres candidatas em cada partido. Além disso, exige que 5% do Fundo Partidário seja aplicado em ações que incentivem a participação feminina na política.
A Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) também reforça essa meta, estipulando uma cota de gênero, que obriga que ao menos 30% das candidaturas em eleições proporcionais sejam de um sexo, com limite de 70% para o outro. Essas medidas visam garantir maior igualdade de representatividade política, fortalecendo a democracia.
A seguir, utilizamos os dados do painel Siga o Dinheiro, criado pela Base dos Dados para analisar as disparidades no financiamento eleitoral de candidaturas femininas e masculinas nas capitais nordestinas.
É importante ressaltar que a declaração de receitas ao TSE continua ocorrendo. Candidatos e partidos que não vão disputar o 2º turno, têm até 5 de novembro para enviar seus dados à Justiça Eleitoral. Os dados analisados foram extraídos no dia 11 de outubro.
Salvador–BA
Em Salvador, a cota de gênero foi respeitada de maneira geral, mas não se pode dizer o mesmo sobre o financiamento eleitoral, que teve uma parcela considerável repassada a candidaturas masculinas, totalizando 75,85% da receita.
O PCB, por exemplo, apresentou duas candidatas para o pleito, uma concorrendo ao cargo de vereadora e a outra a vice-prefeita, mas não registrou repasse de verba pública para nenhuma delas até o momento. Nenhum repasse de verba aconteceu também para as candidaturas femininas de PMB e PSTU.
Dentre os mais baixos financiamentos, o que mais chamou atenção foi o do PRD: apenas R$ 1.000 foram investidos em 14 candidaturas do gênero feminino. Por outro lado, o UP foi a única legenda com maior número de mulheres e, junto de Avante, Cidadania, PSD e Solidariedade, integra o pequeno grupo de partidos que investiram bem mais em campanhas femininas.
Recife–PE
No Recife, de maneira geral, a cota de gênero também foi respeitada, com 34,58% candidatas do gênero feminino. Já no financiamento de campanhas, a distribuição não obedeceu os 30% exigidos. Candidaturas femininas contabilizam apenas 22,24% dos pouco mais de R$ 57,5 milhões registrados até o momento.
Alguns destaques chamam a atenção na capital pernambucana: o partido Cidadania, embora tenha mais candidatos do gênero masculino, investiu muito mais nas suas três candidaturas femininas, um percentual que chegou a quase 84% do total investido pelo partido. Outros partidos que investiram bastante em candidatas mulheres foram: PC do B, PSOL, PSTU, PT, PV, Solidariedade e UP. O Republicanos e o PP fizeram um repasse mais modesto, mas ainda acima do mínimo proposto em lei.
Já com o Mobiliza o cenário foi totalmente oposto. Mesmo com 11 candidatas concorrendo às eleições municipais, apenas 3,71% dos R$ 13.490,00 declarados foram investidos em campanhas femininas. Essa discrepância também pode ser vista no repasse feito por PL, PRD e PSD. Em relação à cota de gênero, somente o PCO desrespeitou o mínimo estabelecido por lei, com apenas 25% de candidaturas femininas.
Fortaleza (CE)
Em Fortaleza, metade dos 26 partidos financiaram candidaturas femininas com porcentagens acima dos 30% da receita total, conforme os valores registrados até o momento.
Dentre esses partidos, se destaca o PSDB, com um percentual próximo dos 65%, o mais expressivo para a capital. Na outra ponta está o Novo, com um investimento de apenas 4,47% – muito aquém do mínimo determinado pela Emenda Constitucional 117. Além dele, PDT, PT, PV, União Brasil e PL também não alcançaram os 30% previstos por lei. É preciso destacar o Solidariedade, que mesmo com uma candidata a vice-prefeita não declarou verba pública para sua campanha.