Internacional
Ex-porta-voz da ONU na Ucrânia, brasileiro fala dos horrores da guerra
Saviano Abreu, que deixou Kyiv no fim de 2024, lembra que os ucranianos precisam de paz e ajuda humanitária para sobreviver; em vídeo, ele fala dos bombardeios dos quais escapou e como garantiu que a informação saísse para o mundo
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A Ucrânia completa três anos em guerra, nesta segunda-feira. Desde a invasão da Rússia ao país, na madrugada de 24 de fevereiro de 2022, mais de 12,6 mil pessoas foram mortas e 29,392 ficaram feridas.
As Nações Unidas lembram que 84% desses casos ocorreram em territórios controlados pelo governo da Ucrânia e 16% nas partes ocupadas pela Rússia.
Escolas destruídas e crianças sem futuro
Três anos depois, a situação humanitária é grave. Segundo as Nações Unidas, 12,7 milhões de pessoas ou 36% da população ucraniana precisam de ajuda humanitária, somente este ano, para sobreviver.
O brasileiro Saviano Abreu trabalhou como porta-voz do Escritório de Assistência Humanitária da ONU, Ocha, na Ucrânia, onde ele também serviu como porta-voz da organização. Nesta declaração à ONU News, ele conta que jamais vai esquecer do olhar das crianças e pessoas idosas com quem se encontrou.
“Muitas das pessoas, que eu conheci, das mulheres, das pessoas idosas com que eu conversei naquelas localidades. Com certeza, já não estão aqui, porque a cada dia ainda pessoas estão morrendo. Quase 13 mil pessoas já morreram, mas de 30 mil foram feridas por causa dos bombardeios.
Me dá dor, tristeza, raiva em pensar nos olhos daquelas crianças tão brincalhonas, tão curiosas conversando com a gente, tentando conversar com a gente, que elas não têm a garantia de uma educação, de um futuro. Quase 4 mil escolas na Ucrânia foram destruídas ou danificadas.”
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Uma menina de dois anos ficou gravemente ferida quando um foguete atingiu sua casa em Lviv, na Ucrânia
Bombardeios constantes e o desafio da notícia
Saviano Abreu fala da aflição e do medo de viver sob risco de bombardeios a qualquer instante e conta como fazia para garantir que a informação sobre o que acontecia no país chegasse ao mundo pelos canais de comunicação da ONU.
“Daquela aflição, da preocupação de estar escrevendo um comunicado porque teve um bombardeio em que várias pessoas morreram ou foram feridas, e de ter que mandar (o comunicado), usando uma lanterna com medo de que o computador vai desligar, o telefone vai desligar, por causa das várias crises energéticas que tivemos no país. Não vivo mais naquela tensão das viagens perto da frente de batalha com medo daqueles bombardeios que a gente via tão perto da gente. Mas muito longe de ter um sentimento de alívio por estar agora vendo isso, pelo menos um pouco dentro da distância. O meu sentimento, destes três anos, é muito mais de dor, de tristeza e de raiva.”
US$ 2,6 bilhões para socorrer 6 milhões de ucranianos
O ex-porta-voz da ONU na Ucrânia ressalta que os ucranianos precisam de paz e que o mundo não deve se esquecer do país. Ele disse que a ajuda humanitária é mais crucial que nunca. Na semana passada, o coordenador humanitário na Ucrânia, Matthias Schmale, disse que serão precisos US$ 2,6 bilhões este ano para socorrer 6 milhões de ucranianos.
Mais de 10 milhões de pessoas continuam vivendo fora de suas casas por causa da violência e 3,7 milhões se tornaram deslocados internos.
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Um adulto e duas crianças passam por um prédio destruído em Borodianka, Ucrânia
Assista ao vídeo e leia a íntegra do depoimento do ex-porta-voz da ONU na Ucrânia, Saviano Abreu:
“Não podemos esquecer da Ucrânia”
“Olá, meu nome é Saviano Abreu. Até muito pouco tempo, eu era porta-voz da ONU e também fui porta-voz do Escritório Humanitário da ONU, Ocha, na Ucrânia. Agora, estamos marcando, infelizmente, estes terríveis três anos da escalada da guerra na Ucrânia. Foi exatamente há quase três anos. E cheguei ao país, em março do ano passado. Hoje, eu vejo esse dia tão triste para milhões de pessoas, numa situação em que eu não tenho mais que sofrer com os bombardeios diários, de viver naquela tensão, naquele medo dos bombardeios, de passar horas intermináveis nos refúgios subterrâneos. Daquela aflição, da preocupação de estar escrevendo um comunicado porque teve um bombardeio em que várias pessoas morreram ou foram feridas, e de ter que mandar (o comunicado), usando uma lanterna com medo de que o computador vai desligar, o telefone vai desligar, por causa das várias crises energéticas que tivemos no país. Não vivo mais naquela tensão das viagens perto da frente de batalha com medo daqueles bombardeios que a gente via tão perto da gente. Mas muito longe de ter um sentimento de alívio por estar agora vendo isso, pelo menos um pouco dentro da distância. O meu sentimento, destes três anos, é muito mais de dor, de tristeza e de raiva. De raiva por saber que os bombardeios, aqueles que eu vi com os meus olhos, ainda acontecem todos os dias. Aquelas cidades povoadas que eu visitei na zona de Zaporizhzhia, de Kherson, de Donetsk, de Kharkiv, aqueles povoados, muitos deles já não existem.
Muitas das pessoas, que eu conheci, das mulheres, das pessoas idosas com que eu conversei naquelas localidades. Com certeza, já não estão aqui, porque a cada dia ainda pessoas estão morrendo. Quase 13 mil pessoas já morreram, mas de 30 mil foram feridas por causa dos bombardeios.
Me dá dor, tristeza, raiva em pensar nos olhos daquelas crianças tão brincalhonas, tão curiosas conversando com a gente, tentando conversar com a gente, que elas não têm a garantia de uma educação, de um futuro. Quase 4 mil escolas na Ucrânia foram destruídas ou danificadas. Me dá dor, me dá tristeza, me dá raiva saber que muita gente que está sofrendo esses bombardeios, que estão sendo machucadas diariamente, não têm nem sequer uma atenção médica adequada porque mais de 2 mil ataques a hospitais, aos sistemas de saúde aconteceram desde que a guerra começou. E ainda me dá mais dor, mais tristeza e mais raiva saber que perigam agora, muitos comboios humanitários dos quais eu participei, muitas dessas ajudas as quais eu fui com meus colegas levar para as zonas perto da frente de batalha, hoje corre risco de não acontecer por causa dos cortes na ajuda humanitária que estão acontecendo. Infelizmente, quase 13 milhões de pessoas ainda precisam de ajuda humanitária. O que eles mais precisam é paz. Uma paz baseada no direito internacional, na Carta da ONU, mas enquanto isso não aconteça, a ajuda humanitária é mais necessária do que nunca. Não podemos esquecer da Ucrânia.”