Educação & Cultura
Estados e municípios devem ser competentes para cuidar da infância, saúde e educação
É imprescindível proteger as crianças da violência e exploração comercial, respeitando seu direito à saúde
No próximo dia 24 de março deve ser julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) a ADI nº 5.631, ajuizada em dezembro de 2016 pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
A ADI busca, equivocadamente, sustar os efeitos da Lei nº 13.582 de setembro 2016 do estado da Bahia que determinava: “Fica proibida no estado da Bahia a publicidade, dirigida a crianças, de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio”.
Contudo, a mesma Lei nº 13.582 foi alterada por uma nova, a Lei nº 14.045 de dezembro de 2018, mudando substancialmente a redação original e determinando somente que “fica proibida, no estado da Bahia, a comunicação mercadológica dirigida às crianças nos estabelecimentos de educação básica”, abrangendo, assim, campanhas ou shows comerciais infantis realizados ilegalmente por muitas empresas em escolas públicas ou privadas, conforme abusividade já constatada por decisões judiciais no país, como o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que reconheceu a prejudicialidade para saúde de crianças dos shows de uma famosa marca de fast-food.
Assim, é claro e simples o entendimento de que a lei mudou completamente seu escopo e abrangência ao focar apenas em escolas, o que enseja a perda de objeto da ação e, inclusive, a ilegitimidade ativa da própria Abert, associação ligada à radiodifusão e, portanto, sem nexo de afinidade – elemento necessário pela lei e a própria jurisprudência do STF –, entre os seus objetivos institucionais e o conteúdo material da nova lei: as escolas.
Entretanto, as entidades empresariais envolvidas no caso defendem o prosseguimento da ação na tentativa de extrair do Supremo algo muito perigoso para os tempos pandêmicos atuais: a competência exclusiva da União para legislar e atuar em temas como esse, relativos à educação, saúde e proteção da criança.
Seria um retrocesso muito grande se a Suprema Corte desse prosseguimento a uma tese que pode irradiar para inúmeros outros casos sobre gestão escolar e da saúde comunitária, que depende muito da avaliação territorial e das demandas de cada contexto pormenorizado.
Assim, é fundamental o reconhecimento de que os estados e municípios brasileiros já são e devem continuar a ser responsáveis por suas escolas, pela saúde e proteção, inclusive de consumo, de seus cidadãos.
Nesse sentido, considerando que a publicidade infantil nas escolas impacta diretamente o desenvolvimento, saúde e educação das crianças, como afirmam os maiores especialistas sobre o tema no mundo, recomendando-se sempre sua restrição, destaca-se a importância de que todos os entes federativos continuem com a competência concorrente para legislar, como o faz de maneira exitosa e reconhecida a Lei Cidade Limpa em São Paulo, proibindo a colocação de publicidade em diversos espaços e meios, não usurpando a competência da União segundo própria jurisprudência do Supremo, como na AI 732.901/SP.
Proteger as crianças da violência e exploração comercial, respeitando seu direito à saúde e a uma educação livre de pressões consumistas com prioridade absoluta é dever de todos, conforme determinado também no artigo 227 da Constituição Federal, inclusive do próprio Supremo, deixando que municípios e estados exerçam seu legítimo e necessário papel de cuidar das crianças em primeiro lugar.