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Educação & Cultura

Responsabilidade civil por atos ocorridos com alunos em estabelecimentos de ensino

O artigo discute sobre a responsabilidade civil envolvendo os estabelecimentos de ensino e os danos ocorridos aos alunos, à luz da doutrina e de recente decisão do STJ

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS OCORRIDOS COM ALUNOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO

Rogério Tadeu Romano

I – A CULPA

No sistema de responsabilidade civil fundado na culpa, o dano só pode acarretar obrigação de reparos para aquele que o pratica. Cada um responde pessoalmente por seus atos. Para os partidários da doutrina objetiva, pois, o fato de reconhecerem os seus adversários que existe, ao lado da responsabilidade por fato próprio, uma responsabilidade por fato de outrem, significa a aceitação de casos de responsabilidade sem culpa. Os subjetivistas entendem que se trata de um domínio de exceção. Adiantam que a responsabilidade por fato de outrem é responsabilidade por fato próprio, porque as pessoas que respondem a esse título, terão sempre contribuído para o fato danoso. A doutrina chega a considerar um tanto abusivo falar de fato de outrem em relação aos pais, por exemplo, porque têm acentuada influência na produção do dano.

Como disse ainda Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil, volume II, 5ª edição, pág. 145)) “sem dúvida, este não tem como causa derradeira o fato do pai (vigilância insuficiente, defeito de educação etc), porque a causa imediata é o ato do filho, mas aquele não deixa por isso de ser causa eficiente do prejuízo”.

Ainda estudando a matéria sob a vigência do Código Civil anterior, Aguiar Dias ensinava: “Assim, até porque é indiscutível a filiação do Código Civil ao sistema de culpa, a questão deve ser estudada em função dos princípios subjetivos. Se, em consideração ao raciocínio de que quem é chamado a responder por ato ilícito de outem, muitas vezes permanece pessoalmente responsável, porque, de sua parte, faltou ao dever de vigilância sobre o autor do dano, ocorre que, em outros casos, essa responsabilidade representa de fato derrogação aos princípios subjetivos, razão pela qual a enumeração do art. 1521 do Código Civil só se pode entender como limitativa e não simplesmente enunciativa, o que não importa, entretanto, em restringir o conteúdo do dispositivo”.

Os irmãos Mazead (Traité general de la responsabilité, II, n.750, pág. 3) apontaram que Sourdat já havia ensinado coisa semelhante, ao explicar que a razão da responsabilidade por fato de outrem está em que a certas pessoas incumbe o dever de velar sobre o procedimento de outras, cuja inexperiência ou malicia possa causar a terceiros. É lícito, pois, afirmar, sob esse aspecto, que a responsabilidade por fato de outrem não representa derrogação do princípio da personalidade da culpa, porque o responsável é legalmente considerado em culpa, pelo menos em razão da imprudência ou negligência expressa na falta de vigilância sobre o agente do dano.

Pontes de Miranda (citado por Aguiar Dias) assinalou que não se trata, aí, de responsabilidade pela culpa de outrem, mas pela ação de outrem. Assim se trataria de responsabilidade própria, por culpa própria e não por culpa alheia.

Aguiar Dias (Da responsabilidade Civil) afirma que a certas pessoas incumbe o dever de velar sobre o procedimento de outras, cuja inexperiência ou malícia possa causar dano a terceiros.

Disse ele, que foi um dos maiores comentaristas da matéria:

– É lícito afirma, sob esse aspecto, que a responsabilidade por fato de outrem não representa derrogação ao princípio da personalidade da culpa, porque o responsável é legalmente considerado em culpa, pelo menos em razão da imprudência ou negligência expressa na falta de vigilância sobre o agente do dano.

– Responder pelo fato de outrem constitui-se pela infração do dever de vigilância. Em outras palavras não se trata de responsabilidade por fato alheio, mas por fato próprio decorrente de violação do dever de vigilância.

– Na realidade a responsabilidade por fato de outrem é responsabilidade por fato próprio por omissão, porquanto as pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para o dano por falta de cuidado ou vigilância.

Essa presunção baseia-se em três situações:

  1. Num dado da experiência, segundo o qual boa parte dos atos ilícitos praticados pelos incapazes procede de uma falta de vigilância adequada;
  2. 2. Na própria conveniência de estimular o cumprimento dos deveres que recaiam sobre aqueles a cuja guarda o incapaz esteja entregue;
  3. 3. Na necessidade de acautelar o direito de indenização do lesado contra o risco da irresponsabilidade ou da insolvabilidade do autor direto da lesão.

Dita o Código Civil:

Art. 928 O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. (sem dispositivo no CC/1916)

Trago à colação os Enunciados da II Jornada de Direito Civil – 2002:

39 – Art. 928: a impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como consequência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas quando reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade.

40 – Art. 928: o incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente, como devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais, nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas sócio-educativas ali previstas.

“Art. 116 – Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

Parágrafo único – Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.”

41 – Art. 928: a única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil.

Dita o artigo 932 do Código Civil:

São também responsáveis pela reparação civil:

I- os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II- o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV- os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V- os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Desta forma as pessoas indicadas nos incisos I a V do art. 932 responderão, ainda quer não haja culpa de sua parte, pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Necessário trazer a ideia de culpa, que é importante para a análise do problema.

Para Demoque, a definição de culpa passa por uma distinção entre “condição objetiva” e “condição subjetiva”, indispensáveis segundo a jurisprudência: “uma ofensa ao direito e o fato de ter percebido ou podido perceber que se lesava um direito alheio” ; e conclui que na determinação do elemento objetivo “é precioso observar que o limite dos direitos não é coisa simples”. (Demoque apud Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 1997, pg.66 ).

E, nessa mesma linha de raciocínio, Savatier a define como sendo “a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar; a qual pressupõe um dever violado (elemento objetivo); e a imputabilidade do agente (elemento subjetivo). Esta abrange a possibilidade daquele de conhecer e de observar o dever”. (Savatier apud Maria Helena Diniz, Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, volume III, 1999, pg. 40 ).

A culpa pode ser: in committendo ou in faciendo, in omittendo, in eligendo, in vlilando in custodiendo . Tem-se a culpa in committendo ou in faciendo quando o agente pratica um ato positivo, isto é, com imprudência. Mas se ele cometer uma abstenção, ou seja, for negligente, a culpa será in omittendo , como p. ex.:

Já a culpa in eligendo advém da má escolha daquele em quem se confia a prática de um ato ou o adimplemento da obrigação, como p. ex.: admitir ou manter a seu serviço empregado não habilitado legalmente ou sem aptidões requeridas. Esta modalidade está prevista no art. 1521, inc. III do CC e na Súmula 341 do STF. A culpa in vigilando é aquela que decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito o responsável deve pagar, como p. ex.: a ausência de fiscalização do patrão, quer relativamente aos seus empregados, quer à coisa. É a hipótese de empresa de transportes que permite a saída de ônibus sem freios, o qual origina acidentes. É o que se observa no art. 1521, incs. I e II do CC.

E, por fim, a culpa in custodiendo é aquela que advém da falta de cautela ou atenção em relação a uma pessoa, animal ou objeto, sob os cuidados do agente. Tal modalidade possui presunção iuris tantum de culpa. No direito brasileiro, em regra, presumem-se culpados os representantes legais por seus representados; o patrão pelos danos causados por seus empregados; os donos ou detentores de animais pelos prejuízos causados por esses a terceiros; o proprietário do edifício ou construção pelos danos resultantes da ruína, consoante os art. 15211527 e 1528 do CC.

II – RESPONSABILIDADES DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO

O art. 932, IV, estatue que a hospedagem para fins de educação faça com que o hospedeiro responda pelos atos do educando. Sob esta ótica não se deve restringir somente aos estabelecimentos que albergam os alunos sobre a forma de internato ou semi-internato, hoje quase inexistente no país.

Se alguém sofre prejuízo físico ou moral decorrente da atividade no interior do estabelecimento ou em razão dele, este é responsável.

Esta responsabilidade também terá o mesmo alcance no tocante a clubes esportivos com relação a participantes de eventos dentro e fora do estabelecimento a que estão ligados.

A ideia da vigilância é mais ampla do que a de educação, devendo entender-se que estas pessoas respondem pelos atos dos alunos e aprendizes durante o tempo em que sobre eles exercem vigilância e autoridade. Os danos por que respondem são, ordinariamente, os sofridos por terceiros, o que não quer dizer que os danos sofridos pelo próprio aluno ou aprendiz não possa acarretar a responsabilidade do mestre ou diretor do estabelecimento

A responsabilidade dos educadores é da seguinte forma, a escola é responsável pelos atos praticados pelos alunos menores, pois é deles o dever de vigiar, se um dano for causado por um aluno a um terceiro, a escola não se exime da culpa, ela será sim responsável, podendo a escola ajuizar ação regressiva contra o próprio aluno que praticou o ato, não podendo entrar com uma ação contra os pais, pois os mesmos não têm a responsabilidade, pois, o filho se encontra dentro da escola. Se o dano for sofrido pelo aluno, poderá se ingressar com uma ação contra a escola, devendo a vitima ser representada pelos pais.

Exclui – se, pois, a responsabilidade dos estabelecimentos de ensino superior, em que há missão de instruir, e não de vigiar, e o aluno não se encontra, normalmente, sob a vigilância do professor ou do educandário. (Aguiar dias, Da responsabilidade, cit., 4 ed., n.194; Mazeaud e Mazeaud, Responsabilité civile, cit., v I, n.804; Demogue, Traité, cit., t 5, n.852, apud Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade. Cit., p107.)

Sob o tema já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Processo:

REsp 331809 SP 2001/0084234-2

Relator (a):

Ministro ARI PARGENDLER

Julgamento:

06/04/2006

Órgão Julgador:

T3 – TERCEIRA TURMA

Publicação:

DJ 02/05/2006 p. 300

Ementa

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FATO DE OUTREM.

Se o dano é sofrido pelo próprio aluno nas dependências da instituição de ensino a apuração da responsabilidade civil do educando será feita com base no artigo 159 do Código Civil de 1916, pois a hipótese não é de responsabilidade por fato de outrem (art. 1.521, inciso VI). Recurso especial conhecido e provido em parte.

Ensinou-nos Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade Civil, 5ª edição, 1994, pág. 98) que “no tocante aos estabelecimentos de ensino, há peculiaridades a observar. Em primeiro lugar, o fato de que o Código, ao se referir ao educandário que alberga o educando, tem em vista o regime de internato, sob o fundamento de que, ao recebe-lo, o estabelecimento recebe a transferência da guarda e vigilância, sendo portanto responsável por culpa in vigilando, se o aluno pratica algum ato lesivo ao terceiro. “

É certo que, no direito francês, o Código estabelece a responsabilidade dos professores e mestres de ofício, pelos educandos e aprendizes. Entende-se que ali haveria uma delegação do pátrio poder, como disse Sourdat (Traité Général de la Responsabilité, volume II, n. 873).

Mas o mesmo não se pode dizer, como lembrou Caio Mário da Silva Pereira (obra citada) do aluno em regime de externato. A responsabilidade é restrito ao período em que o educando está sob a vigilância do educador, como disse Serpa Lopes (Curso de Direito Civil, volume V, n. 284), compreendendo o que ocorre no interior do colégio ou durante a estada do aluno no estabelecimento inclusive no recreio, como ensinou Pontes de Mirada, ou em veículo de transporte fornecido pelo educandário. O mais que ocorra fora do alcance da vigilância do estabelecimento estará sujeito ao princípio geral da incidência da culpa.

É sabido que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (ADCOAS, 1986, n. 106.239) reconheceu a responsabilidade do estabelecimento de ensino por dano sofrido durante a recreação.

Há ainda a questão que pode surgir se o educandário tem ação de perdas e danos contra o aluno ou os seus pais, por atos ilícitos que haja praticado. Considera, então, Caio Mário da Silva Pereira (obra citada) esta questão delicada, pois que, se o estabelecimento tem o dever de vigilância e responde pelos atos do educando, dificilmente se pode compreender que tenha ação regressiva, para se ressarcir do dano causado ao estabelecimento, a outro aluno ou terceiro. Aliás, Sourdat (obra citada, n. 880 e 881) distingue: se o aluno estava em condições de discernir, há ação contra ele; mas, contra o pai, a situação é diferente, porque confiado o menor ao estabelecimento, assume este a vigilância.

III – REsp 1.539.635.

Noticiou o site de notícias do STJ, em 7 de fevereiro de 2022, que “a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão de segundo grau que havia condenado uma escola a pagar indenização pelos danos decorrentes de briga entre alunos. Para o colegiado, a responsabilidade objetiva da instituição de ensino somente poderia ser reconhecida se fosse demonstrado nexo de causalidade entre eventual omissão de seus agentes e os danos sofridos pelo estudante que ajuizou a ação indenizatória.

No entanto, a relatora, ministra Isabel Gallotti, observou que a condenação da instituição pela corte de segundo grau foi baseada apenas no artigo 932, inciso IV, do Código Civil, o qual impõe a responsabilidade objetiva de estabelecimentos de hospedagem – inclusive educacionais – pelos danos causados a terceiros por seus hóspedes. Para a relatora, o dispositivo não se aplica ao caso, pois a escola não foi caracterizada no processo como um colégio interno, onde os alunos ficassem albergados.

A briga envolveu dois estudantes de 17 anos, e um deles sofreu lesões no rosto e fratura no maxilar. O juiz de primeiro grau entendeu que houve legítima defesa, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou o outro aluno envolvido na briga e a instituição de ensino, de forma solidária, ao pagamento de R$ 500 por danos materiais e de R$ 6 mil por danos morais.”

A ministra Isabel Gallotti lembrou que, para a jurisprudência do STJ, apoiada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), “os estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao aluno no período em que estiver sob sua vigilância e autoridade, dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos”. Essa responsabilidade, porém, exige a caracterização de defeito na prestação do serviço, o que se daria pelo reconhecimento do nexo causal entre a omissão dos funcionários e o dano sofrido pelo aluno.

“A lesão ao autor decorreu de ato súbito de colega, não se depreendendo dos fatos levados em consideração pelo acórdão recorrido nenhuma ação ou omissão da instituição de ensino caracterizadora de defeito na prestação de serviço que tenha nexo de causalidade com o dano, de forma a ensejar a responsabilidade objetiva do colégio com base no artigo 14 do CDC“, declarou a ministra.

Segundo ela, mesmo que o artigo 932IV, do Código Civil fosse aplicável ao caso em julgamento, seria preciso demonstrar a existência do nexo de causalidade, mas o TJMG não afirmou em seu acórdão que teria havido omissão da escola na preservação da segurança dos alunos.

O art. 932IV, do CC 2002, dispõe que “são também responsáveis pela reparação civil”, dentre outros, “os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”. (Grifo acrescentado.) “Na interpretação da lei, o que se interpreta é o seu texto, e não o que teria pretendido dizer o legislador.”

(STF, RE 92259, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 16/05/1980, DJ 12-08-1980 P. 5789.) O “significado [da lei] deve ser determinado unicamente pelos termos” respectivos, “ignorando qualquer indicação de que os legisladores não pretendiam dizer o que dizem as palavras.” (DWORKIN, Ronald. O império do direito: tradução Jefferson Luiz Camargo; revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. – 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 111.) Hotéis ou hospedarias são “estabelecimentos onde” normalmente se alberga por dinheiro. Assim, o legislador não precisava utilizar essa expressão (“onde se albergue por dinheiro”) para se referir aos hotéis e às hospedarias. Essa expressão é necessária para firmar a responsabilidade civil das “casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação”. Nesse contexto, a responsabilidade das “casas ou estabelecimentos” mencionados pelo legislador somente se estabelece se se tratarem de “casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação”.

A ministra Isabel Galloti lembrou que “a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 130.764/PR, Relator o eminente Ministro MOREIRA ALVES (julgado em 12/05/1992, Primeira Turma, DJ 07-08-1992, P. 11782, RTJ 143/270), proclamou que, em nosso sistema jurídico, a teoria adotada, quanto ao nexo de causalidade, é a teoria do dano direto e imediato, como resulta do disposto no Art. 1.060 do CC 1916, e, atualmente, do Art. 403 do CC 2002. Em seu voto, salientou o eminente Relator:

A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no § 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.

[…]

Ora, em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada (cfe. WILSON DE MELO DA SILVA, Responsabilidade sem culpa, nºs 78 e 79, os. 128 e segs., Editora Saraiva, São Paulo, 1974). Essa teoria, como bem demonstra AGOSTINHO ALVIM (Da inexecução das obrigações, 5ª ed., nº 226, pág. 370, Editora Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí, dizer AGOSTINHO ALVIM (l.c.): “os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis.” (STF, RE 130.764/PR, supra)”.

O art. 14 do CDC dispõe que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação do serviço, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Observo, nesse passo, o que foi dito no RE 109.615/RJ, relator ministro Celso de Mello:

“O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno

. – A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos.”

Dessa forma, a responsabilidade civil do estabelecimento de ensino somente se daria se houvesse a prova de causalidade. Como entendeu-se, para o caso, que ela não houve, o estabelecimento educacional processado foi eximido de responsabilidade.

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