Judiciário
STF: municípios e estados podem requisitar leitos sem autorização da União
Plenário negou pedido para fixar regras para requisição de bens privados pelo poder público durante a pandemia
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (2/9), que estados e municípios podem requisitar equipamentos, insumos de saúde e leitos privados sem a necessidade de autorização do Ministério da Saúde. Por unanimidade, o plenário manteve a validade de dispositivos da Lei 13.979/2020, que prevêem medidas de combate à pandemia da Covid-19 e autorizam a requisição de bens de instituições de saúde particulares durante a pandemia.
Em seus votos, os ministros destacaram que o Sistema Único de Saúde (SUS), desde sua criação, é descentralizado, e que os entes federativos têm independência para adotar medidas de saúde dentro de suas competências. Por isso, os ministros entenderam que condicionar a requisição de bens de saúde por municípios e estados a um aval do Ministério da Saúde seria uma afronta ao pacto federativo, além de não atender ao caráter emergencial das requisições.
O plenário julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6362, na qual a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) alega que há casos em que os mesmos insumos ou aparelhos são requisitados por governadores e prefeitos, causando conflitos.
Por isso, pedia que o Ministério da Saúde coordenasse as medidas de requisições administrativas, que não poderiam ser concretizadas pelos entes antes de estudos e do consentimento do órgão federal. A entidade pedia ainda que o STF fixasse que as requisições só poderiam ser feitas com a prévia oitiva do atingido pela requisição, sempre acompanhado de motivação, que levasse em conta o princípio da proporcionalidade e a inexistência de outra alternativa menos gravosa.
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, votou por negar provimento ao pedido da CNSaúde. Ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli. O ministro Celso de Mello estava ausente.
Para Lewandowski, está-se diante de “um falso problema”
O ministro disse que “estamos vivendo todos estes meses sem que tivéssemos registrado qualquer conflito entre estados, municípios e a União no que diz respeito a conflitos entre requisição de leitos hospitalares”, e ainda que tivessem eventuais problemas, estes “foram resolvidos ao nível da Justiça local, se resumiram a questões cíveis e administrativas”.
Lewandowski destacou a independência entre os entes federativos, e lembrou que o próprio plenário do STF já fixou, em abril, que os estados e municípios têm competência para adotar medidas para combater a Covid-19.
Argumentou ainda que a própria Constituição e a Lei do SUS (Lei 8.080/1990) já fixam a possibilidade da requisição de bens de instituições privadas para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de epidemias. Assim, o ministro destacou que o Congresso Nacional não inovou ao repetir esse tipo de possibilidade durante a pandemia da Covid-19.
O relator adicionou que tramitam projetos no Senado e na Câmara que visam alterar a Lei 13.979/2020, para contemplar a necessidade de negociação entre os gestores do SUS e as entidades privadas, por meio de chamamento público, para a contratação emergencial de leitos como providência anterior à requisição compulsória, ou centralizar todas as requisições no Ministério da Saúde.
“Como se vê, a pretensão da requerente já está sendo debatida no Congresso Nacional, que é a seara adequada para contemplar aquilo que ela pretende nesta ADI, mediante alterações legislativas. Por mais esses motivos, penso que cumpre a esta Suprema Corte aguardar – exercendo a autocontenção que lhe convém nessas situações – que os representantes da soberania popular reunidos no Parlamento solucionem a questão”, afirmou.
A ministra Cármen Lúcia, ao acompanhar o relator, lembrou que a Constituição e leis de décadas atrás já possibilitam a requisição de equipamentos e leitos privados pelo poder público. “Acho até que se não tivesse essa lei, os estados poderiam fazer as requisições. Não há necessidade de qualquer interpretação, porque não há outra interpretação que a Constituição permite a não ser esta que foi questionada na presente ação”, disse.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator, mas destacou em seus fundamentos que as requisições de leitos e equipamentos de saúde devem se basear pelo princípio da proporcionalidade. Em sua visão, essa matéria carece de “procedimentalização” por parte do Poder Público, e disse que os conflitos entre os entes nesta seara estariam resolvidos “se o Ministério da Saúde estivesse cumprindo bem o seu papel”.