Judiciário
7 situações absurdas impostas às mulheres no Código Civil de 1916
Neste artigo analisaremos 7 das situações absurdas impostas às mulheres no Código Civil que antecedeu o atual (do ano de 2002) e compará-las com os dias de hoje, além de falarmos a respeito desse tema tão importante que é o feminismo
Primeiramente, é importante esclarecermos que o feminismo visa apenas os direitos iguais aos dos homens. É necessário ressaltar isso porque, por vezes, muitas pessoas acham que feminismo é o oposto de machismo, ou seja, que o movimento visa pregar que a mulher deve ser superior ao homem, o que está equivocado.
O que ocorre é que o feminismo visa apenas a igualdade. Quando o homem deseja ser superior, chama-se machismo. Quando a mulher deseja ser superior, chama-se femismo. Quando desejamos a igualdade, chama-se feminismo e é preciso defendê-lo.
Observação: Onde estiver escrito CC, leia-se Código Civil.
Vamos partir então para o Código Civil de 1916, que obviamente está revogado e atualmente utilizamos o de 2002.
7 situações absurdas impostas às mulheres no Código Civil de 1916:
1) As mulheres casadas eram consideradas relativamente incapazes
Por incrível que pareça, enquanto a mulher fosse casada, ela era considerada relativamente incapaz.
Vejamos o artigo 6º, inciso II do CC/16:
Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:
II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.
Atualmente, segundo dispõe o artigo 4º do CC/02, as pessoas relativamente incapazes são somente:
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV – os pródigos.
Desta forma, obviamente a mulher não mais se enquadra, até porque a Constituição Federal de 1988, que é utilizada até os dias de hoje, menciona que homens e mulheres são iguais perante a lei em direitos e obrigações (artigo 5º, inciso I).
2) As mulheres deveriam pedir autorização aos maridos para trabalharem
Embora muitos de nós já sabíamos dessa obrigação, o chocante é que realmente consta previsão a respeito no CC de 1916. Isto porque, no referido Código, havia um artigo somente para estabelecer que o marido era o chefe da sociedade conjugal. Observemos:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.
Compete-lhe:
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal.
Como se não bastasse, o artigo 242, inciso VII ainda reforça a impossibilidade de exercer a profissão sem o consentimento do marido:
Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
VII. Exercer profissão (art. 233, nº IV).
Após então a Constituição Federal de 1988, já não foi mais necessário, justamente por pregar a igualdade entre homem e mulher – apesar de sabermos que na prática o machismo ainda existe e muito.
3) As mulheres deveriam pedir autorização aos maridos para aceitarem herança
Isso mesmo, o direito de herança, que atualmente pode ser exercido por homem ou mulher, antes somente poderia ser por mulher caso o marido autorizasse. A previsão se encontra no artigo 242, inciso IV do CC de 1916:
Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.
Pois é, a situação era mais séria do que podíamos imaginar. Felizmente, no Código Civil de 2002, o livro que diz respeito às sucessões e o capítulo que diz respeito à herança, não constam mais termos como “homem” e “mulher”, mas tão somente quanto pessoas que receberão a herança. Notemos:
Ou seja, um grande avanço.
4) As mulheres somente podiam administrar os bens do casal em 3 situações
A primeira situação era quando os maridos estivessem em lugares remotos ou não sabidos. A segunda situação era quando os maridos estivessem em cárcere por mais de dois anos. A terceira era quando os maridos fossem, judicialmente, declarados interditos.
Vejamos a lei nesse sentido:
Art. 251. À mulher compete a direção e a administração do casal, quando o marido:
I. Estiver em lugar remoto, ou não sabido.
II. Estiver em cárcere por mais de dois anos.
III. For judicialmente declarado interdito.
Atualmente, a lei é bastante clara no sentido de igualdade entre cônjuges, de acordo com o artigo 1.567 do Código Civil de 2002:
Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.
Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses.
E também, quanto ao lugar remoto ou não sabido, ainda continua, mas agora com previsão a qualquer dos cônjuges:
Art. 1.570. Se qualquer dos cônjuges estiver em lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais de cento e oitenta dias, interditado judicialmente ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente, o outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe a administração dos bens.
Outra vez demonstrando a necessidade de igualdade.
5) As mulheres somente exerciam seu poder na falta ou impedimento do homem
O artigo 380 do CC de 1916 é bastante claro ao afirmar que:
Art. 380. Durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido, como chefe da família (art. 233), e, na falta ou impedimento seu, a mulher.
Ou seja, primeiro o marido mandava e exercia o pátrio poder, mas somente em casos de impossibilidade deste fazer, é que as mulheres poderiam.
Atualmente, não mais. As mulheres agora, de acordo com a lei vigente, possuem os mesmos direitos e obrigações que os homens e são livres para exercerem seu poder.
Na prática, muitas delas ainda continuam a crer que o homem é o chefe da casa e muitos homens concordam com isso e acham um absurdo não ser. Não estou aqui para generalizar qualquer situação, muito pelo contrário, cada pessoa é dona de si e livre para ter o tipo de relacionamento que desejar e eu só desejo felicidade para cada uma delas. A questão da igualdade e da liberdade é fundamental.
6) Em regra, as mulheres somente poderiam ajuizar ações judiciais com permissão dos maridos
Segundo o artigo 242, inciso VI, as mulheres não podiam, sem permissão dos maridos, litigarem em juízo civil ou comercial, com exceção dos casos previstos nos artigos 248 e 251 do CC/16, que são:
a) Exercer o direito que lhe competir sobre as pessoas dos filhos de leito anterior;
b) desobrigar ou reinvindicar os imóveis do casal que o marido tenha gravado ou alienado sem sua outorga ou suprimento do juiz;
c) anular as fianças ou doações feitas pelo marido com infração do disposto em lei;
d) reinvindicar os bens comuns móveis ou imóveis doados, ou transferidos pelo marido à concubina;
e) dispor dos bens adquiridos na conformidade do número anterior, e de quaisquer outros que possuam livres da administração do marido, não sendo imóveis;
f) promover os meios asseguratórios e as ações, que contra o marido lhe competirem, em razão do dote, ou de outros bens dela sujeitos à administração marital;
g) propor a ação anulatória do casamento;
h) propor a ação de desquite; pedir alimentos, quando lhe couberem;
i) fazer testamento ou disposições de última vontade.
j) nos casos do item 4 deste artigo.
Nos dias atuais, sabemos que não mais é assim, visto que tanto o homem quanto a mulher podem ajuizar ações, tanto é que são inúmeros os processos ajuizados por mulheres e há também inúmeras advogadas. <3
7) Para o recebimento da pensão alimentícia, a mulher precisava ser pobre e inocente
Acredito ser este um dos pontos mais absurdos dos que vimos até agora, porque comprovar a pobreza até que faz sentido, pois os alimentos nesse caso são a ela, e não aos filhos. Mas a inocência, não há qualquer razão de demonstrar. Claro que aqui não estamos falando de inocente ou culpado em um processo judicial, mas no outro sentido da palavra.
Podemos analisar:
Art. 320. No desquite judicial, sendo a mulher inocente e pobre, prestar-lhe-á o marido a pensão alimentícia, que o juiz fixar.
A pensão alimentícia, que inclusive temos nos dias de hoje com previsão na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002 e na Lei de Alimentos, era também utilizada em 1916, porém, a mulher devia comprovar a sua inocência, o que não podemos negar que era totalmente machista.
Vejamos a previsão legal dos alimentos atualmente, no Código Civil de 2002:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
E na Lei de Alimentos:
Art. 2º. O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe.
Bom, encerramos por aqui. Claro que há outras situações absurdas ocorridas no CC de 1916 e deixo o link de acesso ao mencionado Código aqui para você dar uma lida se tiver interesse e comentar aqui embaixo qual outro ponto você acha um absurdo.
Os direitos das mulheres foram ganhando força a cada tempo e nossa luta ainda ainda tem que continuar.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 05/09/2020.
BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 05/09/2020.
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm. Acesso em 05/09/2020.
BRASIL. Lei de Alimentos. Lei nº 5478/68. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5478.htm. Acesso em 05/09/2020.
Bianca Ragasini – Bacharel em Direito pela Universidade de Taubaté. Pós Graduanda em Direito Público com ênfase em Gestão Pública pela Faculdade Damásio. Parceira do Iuris Petições. Membro da Comissão da Jovem Advocacia da 36ª Subseção – OAB SJCampos. Cursando Libras pela USP. Áreas de interesse: Direito Civil, Direito de Família e Direito Público.