Judiciário
“Lei da vacina obrigatória é uma lei morta”, disse Rui Barbosa contra vacina de doença mortal do século XX
Anos mais tarde, a Águia de Haia reconsiderou sua opinião quanto à vacinação, elogiando Oswaldo Cruz na batalha contra a varíola.
Era 14 de novembro de 1904 quando o jornal Gazeta de Notícias estampou um cenário desolador da cidade do Rio de Janeiro: tiros, gritos, interrupção de trânsito, bondes queimados, estabelecimentos fechados e deteriorados construíam a narrativa da “mais terrível das revoltas populares da República”. A causa de tamanho descontentamento foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola – doença que matou mais de 300 milhões de pessoas no século XX.
Dentre aqueles que não queriam colocar dentro do corpo o vírus da própria doença, estava ninguém mais, ninguém menos que a Águia de Haia, o intelectual Rui Barbosa. Para o estudioso, a vacina não era inofensiva. Pelo contrário, ele considerava “veneno” a introdução no sangue, de um vírus, “em cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutora da moléstia, ou da morte”.
“A lei da vacina obrigatória é uma lei morta. (…) Contrário era e continuo a ser à obrigação legal da vacina. (…) Assim como o direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme.”
A vacina já era fabricada na Europa e o diretor-Geral de Saúde Pública da época, Oswaldo Cruz, tentou implementar a novidade no Brasil. Longe de ser pacífica, a tentativa ficou conhecida como a “Revolta da Vacina”. Também pudera: com a publicação da lei 1.261/04, foi criada a “Liga Contra a Vacinação Obrigatória”, formada por agentes sanitários. Eles entravam nas casas dos populares e vacinavam à força todos os moradores. A população, é claro, reagiu.
De acordo com a Fiocruz, a vacinação compulsória rendeu um saldo caótico. Foram 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos em menos de duas semanas de conflitos. O presidente da época, Rodrigues Alves, viu-se obrigado revogar a vacinação obrigatória. No entanto, quem quisesse trabalhar, estudar ou casar precisava se vacinar.
De criticado para herói
Com o tempo, o número de mortes pela varíola diminuiu drasticamente. As pessoas, por iniciativa própria, passaram a procurar os postos de saúde.
Três anos mais tarde, o diretor-Geral de Saúde Pública Oswaldo Cruz foi condecorado na Alemanha com o prêmio mais importante de higiene e saúde pública da época. Além da varíola, o cientista também enfrentou a direção do combate a outras doenças, como a peste bubônica e a febre amarela.
A imprensa, e até mesmo Rui Barbosa, que antes eram críticos ferrenhos aos métodos sanitários do cientista, o consideravam herói. Em 1917, durante uma conferência de homenagem à memória de Oswaldo Cruz, Rui Barbosa elogiou o cientista dizendo que ele não cedeu aos destemperos do obscurantismo popular e da oposição.
Veja a íntegra da lei que tornou a vacinação obrigatória.
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LEI Nº 1.261, DE 31 DE OUTUBRO DE 1904
Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:
Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a lei seguinte:
Art. 1º A vaccinação e revaccinação contra a variola são obrigatorias em toda a Republica.
Art. 2º Fica o Governo autorizado a regulamental-a sob as seguintes bases:
a) A vaccinação será praticada até o sexto mez de idade, excepto nos casos provados de molestia, em que poderá ser feita mais tarde;
b) A revaccinação terá logar sete annos após a vaccinação e será repetida por septennios;
c) As pessoas que tiverem mais de seis mezes de idade serão vaccinadas, excepto si provarem de modo cabal terem soffrido esta operação com proveito dentro dos ultimos seis annos;
d) Todos os officiaes e soldados das classes armadas da Republica deverão ser vaccinados e revaccinados, ficando os commandantes responsaveis pelo cumprimento desta;
e) O Governo lançara mão, afim de que sejam fielmente cumpridas as disposições desta lei, da medida estabelecida na primeira parte da lettra f do § 3º do art. 1º do decreto n. 1151, de 5 de janeiro de 1904;
f) Todos os serviços que se relacionem com a presente lei serão postos em pratica no Districto Federal e fiscalizados pelo Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, por intermedio da Directoria Geral de Saude Publica.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.
Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1904, 16º da Republica.
FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES ALVES.
J. J. Seabra.
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