Internacional
Coronavírus coloca saúde da Espanha de joelhos
O sistema de saúde espanhol é considerado um dos melhores do mundo, mas não tem conseguido lidar com a pandemia. Classe política não parece ter aprendido com o cenário de março, e médicos consideram entrar em greve
Madri, com seus 6,6 milhões de habitantes, é novamente um epicentro europeu da pandemia de coronavírus. A cirurgiã Ángela Hernández, vice-presidente do sindicato AMYTS, que representa médicos e agentes de saúde, sabe exatamente o porquê: “Faltam equipes médicas em todos os lugares.”
“Só no dia 22 de setembro, cerca de 3 mil pessoas foram internadas nos hospitais de Madri. Cerca de 400, em unidades de terapia intensiva. Estamos no limite”, conta a médica.
A nova crise escancara deficiências persistentes. Testes para detectar o vírus não são oferecidos em aeroportos do país. Eles são feitos apenas em unidades de atenção básica – e apenas em casos suspeitos. Tudo isso porque não há laboratórios suficientes.
A frustração entre os madrilenos é grande, até porque eles realmente estão aderindo às regras de distanciamento de forma disciplinada, incluindo a exigência de máscara.
“É compreensível que ninguém esperasse a pandemia em março. Mas o fato de os políticos não terem aprendido nada é decepcionante”, diz Hernández, que é mãe de três filhos. Ela não se cansa de reclamar de como os profissionais de saúde são mal remunerados na maioria das 17 regiões autônomas da Espanha.
O cálculo da capacidade excedente
Esse cenário também ocorre porque os cidadãos não contribuem muito em termos financeiros. Pelas regras do país, todos os habitantes têm de pagar pelo sistema de saúde público, mas os valores são pequenos em comparação com a Alemanha, por exemplo.
Para os autônomos, a contribuição ronda os 300 euros mensais (R$ 1.900), mas o valor também cobre a aposentadoria. “O sistema de saúde espanhol é rigorosamente calculado e projetado para que doenças graves sejam rapidamente identificadas e tratadas. Não sobram recursos para prevenção e reabilitação”, afirma o especialista em saúde Alberto Giménez, chefe da Fundação Economia e Saúde em Madri.
Além disso, na Espanha, e especialmente em Madri, a população se concentra em um espaço limitado. “Muitas pessoas dividem apartamentos pequenos com outras porque os aluguéis são caros. É assim que elas acabam se infectando”, diz Hernández, explicando o atual alto número de infecções em áreas da classe trabalhadora, como Carabanchel, um distrito no sul da capital espanhola.
A isso se soma o fato de o encaminhamento para um especialista ser feito por meio de postos de saúde. Eles atuam como filtros para que os hospitais não fiquem sobrecarregados. Por serem considerados atualmente uma fonte primária de infecção, esses postos diminuíram a oferta de consultas presenciais, o que por sua vez tem feito com que muitas doenças não sejam diagnosticadas. “Há uma longa lista de operações que ainda estão pendentes”, relata Hernández. Os danos colaterais da pandemia serão, portanto, particularmente altos na Espanha nos próximos meses.
Espanha x Alemanha
Considerando a baixa capacidade de aprendizado entre a classe política espanhola, fica a impressão de que os aplausos diários entre março e abril para médicos e enfermeiros que partiam das pessoas em isolamento não tiveram nenhum efeito. “Todos nós temos que pagar mais para que isso funcione também na pandemia”, diz Hernández.
A Alemanha tem uma clara vantagem durante a pandemia, porque o país tem excesso de capacidade hospitalar e um sistema comparativamente ineficiente. O que era um problema antes da pandemia, agora é uma vantagem. A Alemanha tem cerca de 34 leitos de UTI por 100 mil habitantes, enquanto a Espanha tem pouco menos de dez. Enquanto no norte da Europa os hospitais são menores e mais bem distribuídos entre os habitantes, na Espanha eles estão concentrados nas grandes cidades – e falta oferta nas zonas rurais.
Ainda assim, o sistema espanhol funcionava melhor do que o alemão antes da pandemia. A Espanha tem a segunda maior expectativa de vida do mundo, depois do Japão. Madri e Barcelona também são polos de pesquisa médica. O país tem vários hospitais internacionais de primeira linha. E tudo isso a um custo não muito elevado.
Progresso digital, mas não em toda a rede
No entanto, a pandemia na Espanha explicitou que não há nenhuma autoridade como o departamento de saúde alemão que possa assumir o controle administrativo em todas as cidades durante uma emergência.
Muito já foi feito em termos de digitalização e coleta de dados. As receitas médicas são carregadas automaticamente no cartão de saúde, as consultas médicas são feitas online e existe até um arquivo digital de pacientes em Madri. Mas ainda há muitos problemas.
“É incompreensível que não tenhamos um sistema para rastrear e controlar os infectados”, queixa-se a enfermeira Rosa Gómez Honrato, da Plataforma de Centros de Saúde de Madri, que se dedica à atenção primária.
Durante o verão europeu, o governo de Madri queria contratar pessoas de forma voluntária para assumir as tarefas de um departamento de saúde. Mas acabou tendo que deslocar militares para essa tarefa.
“A ordem é economizar. Na prática, porém, somos nós no posto de saúde que temos que registrar os dados, sem nenhuma lógica, e depois contatar todos”, reclama a enfermeira. “Perdemos muito tempo quando nos deparamos com 15 sobrenomes chineses e todos precisam ser escritos corretamente.”
A sobrecarregada equipe médica madrilenha considera entrar em greve por causa desse cenário. “Sabemos que não é o momento certo, mas como não vimos qualquer melhoria desde março, este é nosso único instrumento”, diz Hernández. Também estão sendo movidas ações judiciais contra os governos regional e central devido à má gestão na crise de saúde.