Internacional
Trump indica Amy Coney Barrett para vaga na Suprema Corte
Presidente americano acelera processo para concluir aprovação de juíza ultraconservadora antes de eleição
O presidente Donald Trump indicou neste sábado (26) a juíza ultraconservadora Amy Coney Barrett para a Suprema Corte dos EUA, consolidando um dos movimentos mais importantes da corrida à Casa Branca.
Juíza da corte de apelações de Chicago, Barrett precisa agora ser aprovada pelo Senado americano, o que deve acontecer sem grandes dificuldades, uma vez que a Casa tem maioria republicana.
Com o anúncio a menos de 40 dias da eleição e às vésperas do primeiro debate entre os candidatos à Presidência -na terça-feira, dia 29-, Trump tenta redesenhar a disputa em que seu adversário, o democrata Joe Biden, tem vantagem de pelo menos sete pontos percentuais nas pesquisas nacionais.
Formada pela Universidade Notre Dame, a magistrada ganhou proeminência nacional por ter trabalhado como assistente de Antonin Scalia, juiz conservador da Suprema Corte que morreu em fevereiro de 2016, a 269 dias da eleição que escolheria o sucessor de Barack Obama.
Descrita como uma magistrada que interpreta a lei estritamente com base nas palavras com as quais elas foram escritas, evita entender o propósito legislativo e é pouco aberta a interpretações das regras.
A nomeação é vista como uma vitória para cristão conservadores, uma vez que suas posições estão em consonância com esses grupos em temas como aborto, acesso a armas e imigração.
Caso a indicação seja confirmada, Barrett, aos 48 anos, será a mais jovem integrante da atual composição da corte e a quinta mulher a fazer parte do tribunal. Católica, ela é mãe de sete filhos, de idades entre 8 e 19 anos, incluindo dois adotados do Haiti e uma criança com síndrome de Down.
Barrett foi indicada para substituir a juíza progressista Ruth Bader Ginsburg, que morreu no dia 18 em decorrência de um câncer, abrindo uma batalha política entre democratas e republicanos por sua cadeira.
O presidente escolheu um nome alinhado a suas posições conservadoras como um aceno à sua base, bastante sensível à composição do tribunal. O gesto também ajuda a desviar parte da atenção pública sobre sua má condução da pandemia e, o mais importante para Trump- pode impactar em uma possível judicialização das eleições de novembro.
Se o Senado seguir o roteiro previsto e aprovar o nome de Barrett, Trump terá a chance de estabelecer uma ampla maioria conservadora (6 a 3) na Suprema Corte e jogar com a ideia de que, assim, o tribunal poderá reverter precedentes históricos sobre temas como aborto e posse de armas, reformulando a bússola político-ideológica do país, pautas que mobilizam seu eleitorado.
Isso não significa que o cálculo de Trump está correto. De acordo com o jornal americano The New York Times, diversas pessoas próximas ao processo disseram que o presidente não deu ouvidos aos conselhos de que deveria indicar a juíza Barbara Lagoa, da Flórida, em vez de Barrett.
Ela já havia sido confirmada em uma votação bipartidária no Senado para o atual cargo que ocupa, no tribunal de apelações de Atlanta, e poderia ser um atrativo aos eleitores latinos que o republicano precisa.
Lagoa é filha de exilados cubanos críticos ao regime castrista, um dos principais nichos eleitorais do presidente na Flórida.
Trump esperou o encerramento das cerimônias fúnebres de RBG para fazer a nomeação. A juíza foi velada durante a semana na Suprema Corte e no Congresso americano, em Washington, tornando-se a primeira mulher da história do país a ter um funeral com honras de Estado no Capitólio.
O presidente pressiona agora para que a votação no Senado aconteça o mais rapidamente possível. Duas senadoras republicanas mais moderadas, do Alasca e do Maine, haviam demonstrado contrariedade em correr com a indicação antes de 3 de novembro, mas não foram suficientes para mudar a rota e o apetite eleitoral do presidente.
O Partido Republicano tem 53 das 100 cadeiras do Senado (45 são democratas, e 2, independentes), mas que votam com a oposição. Dessa forma, eram necessários ao menos quatro dissidentes republicanos para barrar a indicação de Trump, o que não deve acontecer.
Diferentemente do que fez em 2016, o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, já disse que vai trabalhar para aprovar a indicação de Trump o quanto antes.
Quando o juiz Scalia morreu, os republicanos, liderados por McConnell, seguraram a indicação de Obama por oito meses, sob argumento de que a prerrogativa seria de quem fosse eleito em novembro. Agora, porém, não seguem o precedente.
Alguns analistas afirmam que, mesmo que Barrett seja aprovada às pressas (o tempo médio do processo é de 70 dias), não significa que a Suprema Corte dará uma decisão favorável a Trump em caso de judicialização da disputa à Casa Branca.
A avaliação é que o presidente do tribunal, John Roberts, por exemplo, e mesmo outros juízes conservadores, preocupa-se com a reputação da corte e não quer que ela seja vista como partidária.
Os dois lados do xadrez político americano tentam fazer projeções para depois de novembro, e os democratas ventilam a hipótese, inclusive, de ampliar o número de juízes da Suprema Corte caso Biden seja eleito e o partido também conquiste a maioria no Senado.
A Constituição americana não estabelece o total de cadeiras da Suprema Corte e, dessa forma, um ato do Congresso assinado pelo presidente seria suficiente para mudar a atual configuração de nove juízes.
Na história dos EUA, somente uma eleição presidencial foi definida por decisão do tribunal: em 2000, entre o republicano George W. Bush, que saiu vencedor, e o democrata Al Gore.
O placar do julgamento foi 5 a 4, todos os cinco juízes conservadores votaram a favor do resultado que beneficiava Bush, enquanto os quatro progressistas votaram a favor de Gore.
Além de Barrett, Trump já indicou outros dois nomes à Suprema Corte: os conservadores Neil Gorsuch, em 2017, e Brett Kavanaugh, em 2018. Assim, em um mandato, o republicano pode ter sido o responsável pela mudança de um terço da composição da instância máxima da Justiça americana.
HISTÓRICO DE AMY CONEY BARRETT EM TEMAS SENSÍVEIS ABORTO
Em três oportunidades, Barrett emitiu opiniões contrárias a decisões mais progressistas sobre aborto feitas por turmas das quais ela não fazia parte no tribunal de apelações de Chicago. As decisões bloqueavam leis que reforçavam a necessidade de notificar pais de adolescentes que procuravam abortos, baniam abortos feitos em função de deficiência e exigiam que clínicas de aborto cremassem ou enterrassem fetos.
ARMAS
No tribunal de apelação de Chicago, Barrett foi a única a votar contra uma decisão que proibia um homem condenado por fraude nos correios de possuir uma arma. Segundo ela, pessoas podem ser proibidas de ter armas por serem perigosas, mas não simplesmente por terem cometido crimes, apresentando uma posição mais abrangente da 2ª Emenda da Constituição americana.
IMIGRAÇÃO
No tribunal de apelação de Chicago, a juíza foi a única a votar contra a decisão que barrava temporariamente uma medida de Trump prejudicial a imigrantes tentando obter o green card. A política tornaria qualquer candidato ao documento inelegível para o status permanente, caso buscasse qualquer assistência pública durante o processo, por ser um custo aos cofres públicos.
OBAMACARE
Em um artigo de 2017 sobre um livro que tratava da decisão da Suprema Corte sobre o Obamacare, Barrett criticou a posição do presidente da corte, John Roberts, que manteve a lei, em 2012. Se confirmada sua indicação até poucos dias após a eleição, um de seus primeiros casos será sobre o mais recente pedido, feito pelo governo Trump, da revogação do programa de saúde criado por Obama.
PENA DE MORTE
Em artigo de 1998, Barrett sugeriu que juízes católicos deveriam se recusar a participar de alguns casos de pena de morte que pudessem ser conflituosos com suas crenças religiosas. Em 2017, na sabatina para assumir o cargo no tribunal de apelações de Chicago, a juíza afirmou que poderia se recusar a dar a ordem de execução. Apesar disso, já votou a favor de algumas penas de morte em seu cargo atual e assistiu o juiz Antonin Scalia em decisões nas quais ele votou a favor da pena capital.