Internacional
Separando fatos de ficção no debate entre Trump e Biden
Confronto entre presidente americano e oponente democrata foi marcado por interrupções, insultos pessoais e retórica confusa. Algumas afirmações ficaram longe da realidade. A DW checou os pontos mais controversos.
O presidente Donald Trump e seu rival democrata, Joe Biden, travaram o primeiro debate da atual corrida à Casa Branca nesta terça-feira (29/09). O duelo caótico foi marcado por insultos e interrupções, e o moderador Chris Wallace, jornalista da Fox News, teve dificuldades de controlar a situação.
No geral, o debate foi ralo no contexto factual e provavelmente de pouca ajuda para os eleitores indecisos. A julgar pelas reações de especialistas políticos e comentários em plataformas de mídia social, o sentimento predominante parece ser uma mistura de incredulidade e exasperação.
Confira a checagem da DW sobre alguns dos pontos mais controversos:
Covid-19 e a taxa de mortalidade
Biden afirmou que “um em cada mil afro-americanos morreu por causa do coronavírus”. “E se ele [Trump] não fizer algo rapidamente, no final do ano, um em cada 500 afro-americanos terá morrido.”
A afirmação está parcialmente correta.
Os negros, de fato, sofrem proporcionalmente mais que a parcela branca da população americana: um em cada 1.020 negros americanos morreu em razão do coronavírus, o que corresponde a 98 mortes por 100 mil pessoas, enquanto um em 2.150 americanos brancos morreu de covid-19, o que corresponde a cerca de 47 mortes por 100 mil pessoas.
Os negros americanos têm, portanto, duas vezes mais chances de morrer de covid-19 em comparação com os brancos, apesar de, em números absolutos, mais pessoas brancas morrerem devido ao coronavírus, segundo apontam os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
Entretanto, não é possível se dizer se a previsão de Biden sobre a taxa de um a cada 500 afro-americanos mortos está correta.
Fraude eleitoral
Trump disse mais uma vez que a votação por correio deixa a porta aberta para fraudes. “Há fraude. Eles encontraram nos riachos. Eles encontraram algumas (cédulas de votação) com o nome Trump outro dia em uma cesta de lixo. Elas estão sendo enviadas para todos os lugares. Eles enviaram mil cédulas duplicadas numa região democrata. Todos têm duas cédulas. Isso vai ser uma fraude como você nunca viu. (…) Veja a Virgínia Ocidental, lá um carteiro vendeu cédulas de votação.”
De fato, houve irregularidades isoladas, conforme destacado pelo serviço postal dos EUA. Uma bandeja com cédulas foi encontrada em uma vala no estado de Wisconsin. Mas não está claro quantas ou se já tinham sido preenchidas. No estado da Pensilvânia foram encontradas nove cédulas de votação no lixo, como informado pelo Departamento de Justiça dos EUA.
No estado de Virgínia Ocidental, em maio, um funcionário dos correios foi acusado – e depois admitiu – de tentativa de fraude eleitoral ao alterar solicitações para votos por correio. Em Virgínia, até mil pessoas teriam recebido cédulas duplas. Entretanto, essas pessoas não conseguiriam votar duas vezes, segundo autoridades eleitorais.
O fato é, entretanto, que Trump não forneceu qualquer evidência de irregularidades generalizadas. Não há evidências de fraude generalizada.
Economia
Segundo Trump, em decorrência da pandemia, ele “teve que fechar a maior economia da história do nosso país”. “E, a propósito, agora está sendo reconstruída”, disse.
Incorreto. A economia sob Trump não teve um desempenho tão bom quanto sob os presidentes Dwight D. Eisenhower, Lyndon B. Johnson e Bill Clinton.
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma taxa anual de 2,3% em 2019, ante 2,9% em 2018 e 2,4% em 2017. Para comparação: em 1997, 1998 e 1999, o PIB anual cresceu 4,5%, 4,5% e 4,7%, respectivamente.
Um retrospecto ainda maior mostra números ainda mais evidentes. O crescimento entre 1962 e 1966 variou de 4,4% a 6,6%. Nos anos do pós-guerra 1950 e 1951, o crescimento anual foi de 8,7% e 8%, respectivamente.
A taxa de desemprego atingiu um mínimo de 3,5% sob Trump. Em 1953, era de apenas 2,5%.
Biden, por sua vez, criticou a marca do governo Trump relativa ao desemprego, afirmando que “Trump será o primeiro (presidente) na história americana” a deixar o cargo com maior número de desempregados do que quando assumiu.
Incorreto. Se Trump perder a reeleição, ele não seria o primeiro presidente na história dos Estados Unidos a deixar o cargo com taxa de desemprego maior do que quando iniciou o mandato. Isso aconteceu no governo de Herbert Hoover, que perdeu a eleição de 1932 para Franklin D. Roosevelt, quando a Grande Depressão causou perdas massivas de empregos.
Os registros oficiais de empregos remontam a 1939. Desde então, nenhum presidente terminou seu mandato com mais desempregados do que quando começou. No entanto, os sinais são de que o registro do primeiro mandato de Trump pode mostrar que ele perdeu empregos. Isso o tornaria o primeiro a fazê-lo desde Herbert Hoover, que atuou como presidente de 1929 a 1933.
Declarações de imposto de renda
Quando questionado sobre quanto havia pagado em imposto de renda federal em 2016 e 2017, Trump disse: “Milhões de dólares, e você poderá ver.”
Recentemente o jornal The New York Times publicou uma reportagem mostrando que o presidente pagou 750 dólares em imposto de renda federal em 2016 e 2017. Como comparação, as famílias de renda média em 2016 pagaram uma média de 2,2 mil dólares em imposto de renda, de acordo com o Departamento de Orçamento do Congresso.
Dos 18 anos que o New York Times analisou com base em documentos, Trump não teria pagado o imposto de renda federal em 11 deles. O ponto aqui é que Trump provavelmente pagou outros impostos – e é a isso que se referiu em sua resposta no debate -, mas não o imposto de renda federal.
Meio ambiente
“Quero água e ar cristalinos. Quero ar lindamente limpo. Temos o carbono mais baixo. Se você olhar para nossos números, somos fenomenais”, disse Trump.
Essa declaração é ao menos enganosa. O governo de Trump não é conhecido por colocar o meio ambiente em primeiro lugar. Os EUA abandonaram o Acordo Climático de Paris em 2019. O governo de Trump redefiniu ou está prestes a redefinir cem regras ambientais. Trump diz que quer ar puro. Ele enfraqueceu algumas regulamentações da Lei do Ar Limpo.
Quando se trata da afirmação sobre o carbono, não está totalmente claro a que se refere. É verdade que os Estados Unidos reduziram suas emissões de dióxido de carbono mais do que qualquer outro país, se forem considerados os números da Agência Internacional de Energia (AIE). Mas os EUA estão longe de ter as menores emissões de CO2 per capita. Segundo o Banco Mundial ou a organização científica UCS, os EUA figuram no grupo de países com as maiores emissões per capita.
Com isso em mente, falar em algo “fenomenal” parece mais uma ousadia.