Internacional
Os ativistas antiaborto da base eleitoral de Trump
Um dos grupos mais importantes para as presidenciais americanas, os evangélicos brancos são 15% da população, mas em 2016 responderam por mais de 25% dos votos, e a esmagadora maioria vota em republicanos
Sexta-feira, 9h30, universitários se reúnem à margem de uma estrada movimentada em Indianápolis, no estado americano de Indiana. Nesta manhã ensolarada, cada um leva um grande cartaz para protestar em frente à sede local da Planned Parenthood, rede de clínicas que oferece serviços de aborto.
Eles tentam convencer as mulheres a não abortarem. Seus cartazes exibem mensagens como “Vamos amar pequenas vidas” e “Pró-vida é pró-mulher”. Um cartaz especialmente chocante mostra a imagem de um feto abortado.
“O aborto é um dos maiores genocídios da história humana. Acho que todos deveriam querer parar com isso”, diz Christine Manring, de 21 anos. Ela diz, com um sorriso, que tem feito manifestações em frente a clínicas de aborto desde que era “desse tamaninho”, fazendo um gesto com a mão. Ela afirma que é uma tradição familiar para ela e seus nove irmãos. Seus pais costumavam levá-los a protestos aproximadamente uma vez por mês. Manring também distribui panfletos desde os 14 anos.
Quando ela começou a estudar enfermagem na Universidade de Indiana e, se juntou ao Students for Life (estudantes pela vida), grupo antiaborto que reúne alunos do ensino secundário e universitários. E hoje ela continua mais empolgada do que nunca pela causa.
Evangélicos são cruciais para Trump
Christine Manring e muitos de seus colegas manifestantes são evangélicos, um subconjunto de cristãos protestantes que nos EUA sustentam pontos de vista políticos extremamente conservadores. Os evangélicos brancos representam cerca de 15% da população, mas votam em grande número. De acordo com as pesquisas de boca de urna do consórcio de empresas de mídia americanas National Election Pool, eles representaram mais de um quarto de todos os eleitores nas eleições presidenciais dos EUA de 2016 – e a esmagadora maioria deles votou nos republicanos.
Donald Trump, que está no terceiro casamento e já falou publicamente sobre apalpar mulheres, pode não parecer o tipo de figura que se alinha com os valores evangélicos.
Mas Trump é o que muitos de seus apoiadores chamam de o presidente “mais pró-vida” de todos os tempos, e para um grande número de evangélicos que consistem em “eleitores de reivindicação única”, isso é o que importa. Eles gostam do fato de Trump ter sido o primeiro presidente a discursar pessoalmente na passeata anual antiaborto March for Life (marcha pela vida), em janeiro passado.
A maioria dos evangélicos americanos acredita que a Bíblia deve ser interpretada literalmente, e 63% leem as Escrituras pelo menos uma vez por semana, de acordo com o Pew Research Center. Eles acreditam que a vida humana começa na fecundação e, citando um dos Dez Mandamentos (“Não matarás”), rejeitam categoricamente o aborto. É por isso que, para a maioria dos evangélicos, apoiar um candidato que não seja estritamente antiaborto está fora de questão.
“Há muitas coisas sobre Donald Trump de que não gosto e com as quais não concordo”, admite Manring. Mas ela ainda planeja votar nele este ano por causa de sua posição sobre o aborto – e o presidente conta com o apoio de pessoas como ela.
“O voto evangélico é fundamental para a reeleição de Donald Trump”, diz Laura Wilson, professora assistente de ciência política na Universidade de Indianápolis. “Os cristãos conservadores são uma parte essencial de sua base e se concentram no aborto.”
Pence é bônus adicional
Para os conservadores em Indiana, o vice-presidente de Trump, Mike Pence, é um bônus adicional. Pence, ele próprio um evangélico, nasceu e foi criado em Columbus, Indiana, e foi governador do estado de 2013 a 2016. Durante seu tempo como governador, assinou vários projetos de lei com o objetivo de restringir o aborto.
Não são apenas os evangélicos que se opõem firmemente ao aborto. Mary Carmen Zakrajsek juntou-se a Manring no protesto do lado de fora da clínica Planned Parenthood segurando uma placa em inglês e espanhol que diz “Ore para acabar com o aborto”. Ela é uma católica devota e presidente do grupo Students for Life da Marian University, uma universidade católica particular de Indianápolis.
Zakrajsek, estudante de ciências políticas, chama o aborto de “procedimento violento e intrusivo” e “assassinato de um ser humano inocente antes de seu nascimento”.
Estudos têm mostrado que quando o aborto é proibido, há um risco maior para a saúde das mulheres, que são, então, obrigadas a se submeter ao procedimento em um ambiente não estéril ou sem alguém treinado para a operação. Mas essa informação não influencia Zakrajsek, que acredita que o aborto deve ser ilegal de qualquer maneira.
“Só porque as pessoas procuram algo quando é ilegal, não significa que devemos manter isso legal”, diz. “Só porque algumas pessoas usam opioides, não significa que eu deva fornecer agulhas e espaços seguros para isso.”
Manring concorda, acrescentando que o aborto deve ser tornado ilegal a todo custo. “Sim, as mulheres vão se ferir mais com os abortos ilegais, mas haverá menos abortos em geral”, argumenta, sem citar dados que embasem a declaração.
O objetivo principal dos membros do Students for Life que se reuniram em frente à Planned Parenthood esta manhã é evitar que as mulheres interrompam a gravidez.
Manring e a coordenadora estadual da organização para Indiana, Emily Stumpo, concordam que a clínica é um lugar difícil para eles falarem com as mulheres. Os ativistas não têm permissão para ir além do acostamento, e o prédio e o estacionamento da clínica ficam longe da estrada.
A certa altura da manhã, uma motorista para e abaixa a janela para ouvir o que Manring tem a dizer.
“Ela estava só pegando uma amiga e não tinha certeza do motivo pelo qual a amiga estava ali”, afirma Manring após a breve conversa. Por segurança, ela dá à mulher um punhado de panfletos. Um deles mostra os estágios de desenvolvimento de um bebê, junto com fotos de “crianças vivas hoje porque seus pais mudaram de ideia sobre o aborto!”. Outro fala sobre um programa espiritual de “recuperação do aborto” para mulheres que decidem prosseguir com o procedimento. “Também nos preocupamos com as mulheres depois de fazerem abortos”, diz Manring.
Ela diz que protestar é mais fácil em outros locais, como em uma clínica Planned Parenthood em Detroit, onde seu irmão também é um membro ativo do movimento antiaborto. Lá, ativistas realizam o que chamam de “aconselhamento na calçada”, abordando mulheres que desejam entrar na clínica depois de elas estacionarem seus carros na rua. Os ativistas conseguem acompanhar as mulheres desde seus carros até a porta da clínica, conversando com elas e compartilhando suas informações.
É exatamente para situações como essa que a Planned Parenthood introduziu “acompanhantes”. Esses voluntários acompanham as mulheres de seus carros até a clínica em um dia difícil para muitas dessas clientes, por isso as ativistas são impedidas de falar com as mulheres e são obrigadas a deixá-las em paz. Para se certificar de que uma mulher que visita a clínica os reconhecerá, os acompanhantes da Planned Parenthood usam coletes rosa.
Mas, como Manring e Stumpo deixam claro, ativistas antiaborto experientes encontraram uma maneira de contornar essa tática, com “conselheiros de calçada” que também usam coletes rosa. Dessa forma, esperam conseguir alcançar as mulheres em seu trajeto até a clínica e convencê-las a não interromper a gravidez.
“As pessoas dizem que se uma mulher escolhe o aborto, é uma escolha dela, é o melhor para ela”, diz Manring. “Mas acho que é mentira. Acho que está prejudicando as mulheres.”