Internacional
O que está por trás do declínio da AfD na Alemanha?
Em 2017, legenda de extrema direita se tornou fenômeno eleitoral ao adotar causa anti-imigração. No último ano, no entanto, partido foi tomado por brigas, escândalos e começa a perder votos até em seus redutos no leste
O noticiário alemão deu amplo destaque nesta semana para um pesquisa do instituto Kantar que apontou que, em apenas um ano, o populista de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) caiu da primeira para a terceira posição na preferência do eleitorado do leste do país.
A região sempre foi um reduto da AfD. Em comparação com outubro de 2019, o apoio à AfD nos estados do leste caiu de 24% para 18%, e o partido aparece agora atrás da conservadora União Democrática-Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, e do partido Die Linke (A Esquerda).
Esse recuo na parte oriental da Alemanha – formada por cinco dos 16 estados do país, que fizeram parte da antiga Alemanha Oriental (RDA) – é “certamente substancial”, apontou o cientista político Hajo Funke à DW.
Nacionalmente, o partido vem aparecendo seguidamente abaixo de 10% nas intenções de voto em diferentes pesquisas para a eleição de 2021, abaixo dos 12,6% conquistados no pleito de 2017.
Agitação e violência
Existem várias razões para esse declínio, diz Funke. Em primeiro lugar, ele aponta que vários acontecimentos violentos associados à extrema direita que ganharam amplo destaque em 2019 afetaram o cenário político.
Entre esses acontecimentos estão o assassinato do político conservador e pró-migrantes Walter Lübcke em junho de 2019 – um membro da cena de extrema direita confessou o crime. Em outubro do mesmo ano, foi a vez de um terrorista de extrema direita atacar um sinagoga em Halle, no leste. Em fevereiro de 2020, outro extremista matou dez pessoas, a maioria de ascendência estrangeira, em Hanau.
“Desde então, tem havido uma ampla discussão na Alemanha sobre uma conexão entre a agitação praticada pela AfD e outros ativistas de extrema direita com a violência racista e antissemita”, disse Funke.
Lutas internas e fissuras
Outro fator importante na perda de apoio da AfD são as disputas internas que tomaram partido. Elas vêm se desenrolando publicamente nos últimos meses paralelamente a uma onda de escândalos que evidenciaram as ligações da legenda com neonazistas e outros extremistas.
Ao longo dos seus seis anos de existência, a AfD foi palco de múltiplos escândalos envolvendo a presença de negacionistas do Holocausto, racistas e outros extremistas em suas fileiras. Mais recentemente, em maio, Andreas Kalbitz, ex-líder estadual da AfD no estado oriental de Brandemburgo, foi expulso do partido por causa de antigas ligações com um movimento juvenil neonazista. Em setembro, um ex-porta-voz do partido, Christian Lüth, foi desligado formalmente dos quadros da legenda após sugerir que imigrantes tinham que ser mortos “com tiros ou gás”.
Em uma tentativa de afastar a imagem da AfD dos escândalos, o co-líder da legenda, Jörg Meuthen, após semanas de hesitação, finalmente expulsou algumas figuras importantes que vinham promovendo abertamente ideologias extremistas.
O fosso entre os direitistas “moderados” (para os padrões da AfD) e os extremistas do partido vem aumentando. Diante desse quadro, os últimos eurocéticos, que constituíram a base fundadora do partido, estão agora deixando a legenda. Fundada em 2013 como uma legenda originalmente de oposição à presença da Alemanha na União Europeia, AfD se metamorfoseou a partir de 2015 em um partido dedicado à causa anti-imigração, virando ainda mais à direita.
“A AfD é agora caracterizada por combates internos, onde todos estão contra os outros”, disse o co-fundador da AfD, Konrad Adam, à emissora pública ZDF esta semana. “Não creio que o partido tenha um futuro assim”, disse. Ele planeja deixar a legenda em janeiro de 2021.
Segundo o cientista político Funke, a trajetória da AfD não é surpreendente e segue um padrão. Ele aponta que esse tipo de desdobramento também ocorreu com partido anti-imigração Republikaner nos anos 90, e o ultranacionalista NPD nos anos 1960, que hoje é descrito como organização neonazista.
“Sempre que partidos à direita da CDU no espectro político se radicalizam e se voltam para o extremismo, como é o caso agora da AfD, eles começam a perder apoio”, aponta.
E para onde estão indo os apoiadores desiludidos da AfD?
Uwe Kamann foi eleito para o Parlamento alemão pela AfD em 2017. Em dezembro de 2018, ele deixou a legenda e sua bancada, optando em seguir como deputado do grupo independente do parlamento.
“Eu testemunhei como o partido se voltou mais e mais para a direita e como não foi mais possível parar essa tendência”, disse Kamann.
As últimas pesquisas indicam que os eleitores da AfD também estão se voltando para a CDU ou para o partido A Esquerda, que por quase uma década foi principal canal de “voto de protesto” contra o antigo establishment na parte oriental do país até que a AfD surgisse.
Kamann, no entanto, teme que os eleitores desencantados da AfD não migrem para outros partidos, mas decidam não votar. Os populistas de extrema direita recrutaram grande parte de sua base eleitoral do campo não eleitoral.
A solução, diz Kamann, é outro partido para preencher o que ele vê como “a lacuna liberal-conservadora” no espectro político da Alemanha.
Embora a conservadora CDU tenha se tornado menos conservadora durante os 16 anos de Merkel à frente do governo, o Partido Liberal-democrata (FDP, na sigla em alemão), uma legenda amigável ao liberalismo econômico, não conseguiu conquistar os liberais conservadores e segue patinando nas pesquisas e corre o risco de nao ultrapassar a cláusula de barreia nas nas próximas eleições federais . Kamann no início deste ano decidiu se juntar ao partido Reformadores Liberal-Conservadores (LKR), estabelecido em julho de 2015 a partir de uma dissidência da AfD.
O caso especial da Alemanha Oriental
Embora o AfD tenha se tornado “muito à direita” para alguns eleitores, o apoio não está diminuindo de maneira homogênea em toda a Alemanha Oriental, onde o sul é tradicionalmente especialmente conservador.
Na Saxônia, o estado mais ao sul do leste alemão, a AfD ainda conta com 26% das intenções de votos – uma queda de apenas 1,5 ponto percentual desde a eleição estadual de 2019. O quadro é diferente no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, onde a AfD caiu para 15% nas pesquisas – ante os 20,8% obtidos nas eleições estaduais de 2016.
O apetite pelo conservadorismo de direita no extremo sul do leste pode ser rastreado desde 1815, diz Michael Lühmann, cientista político e membro do Instituto Göttingen para pesquisas sobre democracia.
“Se você olhar para as fronteiras da Saxônia em 1815, ela era maior do que o atual estado da Saxônia. Esse antigo território corresponde hoje aos redutos da AfD nas últimas eleições federais da Alemanha – ou seja, partes da Saxônia, um pouco da Saxônia-Anhalt e um pouco da Turíngia “, diz.
Dois séculos depois, Lühmann sugere que ainda resta um forte sentido de identidade saxônica. Ele vê uma correlação: “Há o perigo de que um forte senso de identidade possa isolar um grupo e excluir outros. E esse parece ser o caso na Saxônia – a ideia do ‘excepcionalismo saxão’ prevalece.”
Olhando para as eleições de 1990 na ex-Alemanha Oriental (RDA) – o primeiro pleito livre na região, que ocorreu apenas seis meses antes da reunificação – os mapas eleitorais mostram que a conservadora União Social Alemã (DSU) – à época um braço da União Social-Cristã (CSU), da Baviera, por sua vez um “partido-irmão” da CDU de Merkel – ganhou 15% dos votos nas regiões mais ao sul da RDA, em comparação com apenas 2% nas regiões costeiras do nordeste. Nos anos seguintes, a DSU perdeu relevância e se voltou mais à direita.
Desde a reunificação, três décadas atrás, a Saxônia também é o único estado alemão oriental que nunca passou por uma mudança de governo. A conservadora CDU segue governando o estado desde 1990 e sua bancada no parlamento local é a mais direitista do país entre os diretórios estaduais dos democratas-cristãos.
Nas três décadas desde a reunificação, a CDU na Saxônia foi repetidamente criticada por ignorar e menosprezar incidentes envolvendo neonazistas e membros da cena de extrema direita. O ex-governador da Saxônia, Stanislaw Tillich, chegou até mesmo a flertar com o movimento xenófobo ao proclamar em 2017: “O povo quer que a Alemanha continue sendo Alemanha”, embora apenas 5% da população do estado não seja de origem alemã. Seu sucessor, Michael Kretschmer, chegou a apoiar a decisão do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, de erguer uma cerca de arame nas fronteiras do país.
Segundo o analista político Lühmann, qualquer queda no apoio ao AfD na Saxônia “provavelmente fará com que a CDU da Saxônia tente fisgar eleitores próximos da extrema direita”.
Sem novas ideias
Ao longo de sua existência, a AfD cresceu explorando alguns tópicos. Em 2015, depois de patinarem dois anos nas pesquisas, os populistas da sigla decolaram nas intenções de voto ao adotarem uma postura fortemente anti-imigração em meio à onda de refugiados sírios. Mais recentemente, no entanto, as tentativas da AfD de capitalizar com a insatisfação provocada pelas medidas contra o coronavírus não parecem ter gerado frutos.
Com a aproximação das eleições nacionais de 2021, analistas apontam que AfD precisará encontrar uma nova causa para agitar os eleitores.
Nos últimos meses, a AfD não apresentou sugestões para combater a pandemia. Em vez disso, se associou aos protestos organizados por “céticos” do coronavírus, que contam com a participação de neonazistas, propagadores de teorias da conspiração, hippies adeptos de crenças esotéricas, entre outros. No entanto, apesar do destaque que esse movimento ganhou, foi a chanceler Merkel, de centro-direita, que viu sua popularidade crescer. Na Alemanha, como em outros países, uma liderança forte em tempos de pandemia impulsiona os partidos no poder.
A AfD também alinhou-se com os céticos da questão da mudança climática, que buscam proteger a indústria automobilística da Alemanha fazendo campanha contra a proibição dos veículos a diesel. Mas essa retórica tem pouco apelo na maior parte do eleitorado, especialmente depois que o tópico da mudança climática ficou em segundo plano em tempos de pandemia.
“Se os outros partidos forem espertos, eles devem deixar que a AfD penda ainda mais para a extrema direita ”, afirma o analisa Lühmann. “Isso irá provocar danos irreversíveis para a AfD, no leste, no oeste, em todo o país”.