Judiciário
O Tribunal da Cidadania e a luta contra o câncer de mama
Iluminação especial marca a adesão do STJ à campanha Outubro Rosa: conscientização é a maior arma no combate ao câncer de mama
O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais comum em mulheres, perdendo apenas para tumores de pele – os mais frequentes em ambos os sexos. O diagnóstico precoce da doença é essencial para evitar mortes e outras consequências graves. Durante este mês, é realizada uma campanha mundial de conscientização: o Outubro Rosa.
No âmbito do Poder Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se destacado na promoção desse evento, com ações de conscientização e outras iniciativas, como a coleta de lenços e cabelo para perucas ou o sorteio de checapes. Em 2019, o Tribunal da Cidadania realizou a campanha Saúde sem Tabu, que reuniu o Outubro Rosa e outras campanhas preventivas.
O oncologista Paulo Marcelo Hoff afirma que, se os tumores nos seios forem identificados com menos de 1cm, há mais de 95% de chance de serem tratados com sucesso. Membro da Academia Brasileira de Medicina, Paulo Hoff – que foi diretor do Instituto Nacional do Câncer e será o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia (SBOC) de 2021 a 2023 – observou que ainda há grandes diferenças entre regiões e classes sociais na prevenção do câncer de mama.
“Ainda há tabu para esse tipo de exame, mas campanhas como o Outubro Rosa ajudam muito na conscientização”, observou. Ele elogiou o empenho do STJ na campanha, “não somente em relação à saúde de suas colaboradoras, mas principalmente pelo exemplo que é irradiado para a comunidade jurídica”.
O mastologista e ginecologista Sergio Zerbini tem a mesma opinião. “Todas as instituições devem colaborar com a prevenção. Vale lembrar que 70% dos casos no Brasil são identificados em estágios mais avançados”, alertou. Em média, há 52 mil novos casos identificados por ano no Brasil.
“Apesar da atual pandemia, é importante continuar a prevenção dessa e de outras doenças, e manter a saúde em dia. O câncer, o diabetes e a pressão alta não esperarão o fim do coronavírus”, advertiu Zerbini, que foi presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) – Regional de Brasília por dois mandatos e participou da coordenação da campanha Outubro Rosa na capital federal.
Acesso à saúde
Os dois médicos apontam que a atuação do Poder Legislativo e decisões dadas pelo Judiciário são essenciais para proteger os direitos da mulher no campo da saúde. O STJ tem dado importantes contribuições nesse sentido, ao construir uma jurisprudência que reconhece hipóteses de danos morais por falta de cobertura dos planos de saúde e o direito de acesso a medicação e tratamento adequado, entre muitos outros casos.
Um exemplo é o Recurso Especial (REsp) 1.603.764, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão. No caso, a paciente foi demitida e teve o plano de saúde coletivo cancelado durante o tratamento do câncer de mama. A empresa alegou que cumpriu os seis meses estabelecidos no artigo 30 da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998).
Porém, o ministro Salomão comentou que, antes do cancelamento, a empresa deveria ter oferecido planos alternativos nas categorias familiar ou individual. De acordo com o relator, nos termos do artigo 35-C da mesma lei, é abusivo rescindir o contrato, independentemente de o regime ser individual ou coletivo, enquanto a pessoa está submetida a tratamento de urgência ou emergência. Seguindo o voto do relator, a Quarta Turma manteve a indenização em favor da paciente, fixada no valor de R$ 10 mil pelo tribunal de origem.
Novas terapias
O doutor Zerbini salienta que o câncer de mama é tratável, e que novas terapias estão em constante desenvolvimento. “O Brasil tem grandes centros de oncologia, que se atualizam e cooperam com instituições internacionais. Daí a importância de as autoridades tornarem novas terapias disponíveis para as pacientes”, afirmou. Ele observou que novos remédios e novas aplicações para medicamentos já existentes são uma constante no tratamento de tumores.
Ao julgar o REsp 1.806.691, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino garantiu o acesso a um medicamento cuja bula não previa seu uso para o tratamento de câncer de mama, mas que havia sido prescrito pelo médico com essa finalidade (uso off-label). O plano de saúde se recusou a pagar pelo medicamento, mas a paciente ganhou nas instâncias ordinárias uma ação em que pedia o custeio do tratamento e a reparação de danos morais. A operadora recorreu ao STJ.
No seu voto, o ministro Sanseverino apontou que o plano de saúde tem o direito de limitar as doenças às quais dará cobertura, mas não pode negar tratamentos prescritos por um médico para as doenças que cobrir, mesmo que sejam experimentais. Ele também ressaltou que a lista de procedimentos da ANS é exemplificativa, e não exaustiva, não podendo o plano limitar o tratamento às terapias nela constantes.
Para a Terceira Turma, “considera-se abusiva a negativa de cobertura de plano de saúde quando a doença do paciente não constar da bula do medicamento prescrito pelo médico que ministra o tratamento (uso off-label)”. O colegiado também considerou que o valor estabelecido para o dano moral, R$ 10 mil, era adequado.
Em outro caso julgado na Terceira Turma, o plano de saúde se negou a pagar pela criopreservação de óvulos de uma beneficiária, alegando que não cobria procedimentos de fertilização.
Os autos do REsp 1.815.796 relatam que uma paciente de 30 anos de idade seria submetida a procedimentos de quimioterapia para tratamento de câncer de mama, e o médico apontou haver grande possibilidade de isso levá-la à esterilidade, sendo necessário congelar os óvulos para posterior inseminação. O plano se recusou a arcar com esse procedimento e, após perder nas instâncias inferiores, entrou com o recurso no STJ. O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, adotando os fundamentos apresentados em voto-vista da ministra Nancy Andrighi, negou provimento ao recurso e determinou que o plano arcasse com a criopreservação dos óvulos até o fim do tratamento do câncer.
No seu voto, a ministra Andrighi apontou a necessidade de diminuir os efeitos colaterais dos tratamentos. Segundo ela, o princípio da bioética primum, non nocere (primeiro, não prejudicar) deveria ser levado em conta no caso. A esterilidade seria um efeito previsível do tratamento oncológico e, portanto, a empresa deveria se preparar para arcar com esses custos. A magistrada apontou ainda que os direitos reprodutivos da mulher são cobertos pelo artigo 6º da Constituição Federal.
Diagnóstico precoce
O doutor Paulo Hoff salienta a importância de disponibilizar exames para o diagnóstico precoce: “Nunca é cedo demais. Algumas sociedades médicas preconizam que os exames já comecem aos 40 anos e, após os 50, recomenda-se que todas as mulheres façam um checape anual. Exames urgentes devem ter prioridade”.
No Agravo em REsp 1.681.636, o relator, ministro Marco Buzzi, da Quarta Turma, considerou que o plano de saúde deveria indenizar uma paciente por danos morais depois de se recusar a pagar exame urgente relacionado a tratamento de câncer de mama.
A paciente solicitou o exame por apresentar metástase (alastramento do câncer para outras áreas do corpo). O plano se negou, e ela entrou na Justiça. Nas instâncias inferiores, considerou-se que o mero descumprimento de contrato não geraria dano moral. No recurso ao STJ, a paciente alegou ofensa a dispositivos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Em seu voto, mesmo reconhecendo que o mero descumprimento do contrato não enseja o dano moral, o ministro Buzzi apontou que a jurisprudência do STJ considera que, em casos de urgência e emergência, a recusa indevida de cobertura justifica a indenização – fixada, no caso, em R$ 10 mil.
A reconstrução da mama com prótese, quando foi necessário extirpá-la por causa do câncer, também tem sido um motivo de contendas judiciais. “A implantação da prótese mamária não é só um procedimento estético. É essencial para o bem-estar e a autoestima da mulher”, ressaltou o mastologista Sergio Zerbini. O STJ tem considerado abusivas as cláusulas que excluem o implante mamário da cobertura de planos de saúde após intervenção cirúrgica de retirada da mama, como mostrado no REsp 1.190.880, relatado pela ministra Nancy Andrighi.
Na ocasião, uma paciente prestes a ser operada foi informada de que não receberia a prótese por conta do plano. Para garantir o procedimento, foi obrigada a dar um cheque sem fundos. Posteriormente, ela entrou com ação para obrigar a operadora a arcar com a despesa e ainda pediu indenização por danos morais. Não tendo seu direito reconhecido, recorreu ao STJ. A ministra considerou que a situação agravou o estado psicológico da paciente; portanto, ficou configurado o dano moral. Em seu voto, ela comentou: “Maior tormento que a dor da doença é o martírio de ser privado da sua cura”. A magistrada estabeleceu a indenização em R$ 15 mil.
A questão dos danos morais também esteve em discussão no Agravo em REsp 1.344.232, relatado pela ministra Assusete Magalhães. No caso, o Estado do Paraná se recusou a pagar reconstrução mamária da paciente, que ganhou indenização nas instâncias inferiores. No recurso ao STJ, o poder público estadual tentou rever a data de início da correção da indenização.
Em seu voto, a ministra não deu provimento ao recurso com base na Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal, aplicada por analogia no STJ. E se baseou na Súmula 54 do STJ, que determina que os juros devem correr da data do evento danoso em relações extracontratuais – como o caso tratado na ação. A magistrada também considerou que a matéria dizia respeito ao direito fundamental à vida e à saúde, sendo dever do Estado a sua preservação.
Cirurgia desnecessária
Mesmo com todos os exames e o acompanhamento médico, a decisão de retirada da mama deve ser tomada com extremo cuidado. No REsp 1.653.134, é relatada a situação de uma paciente que, após ter o seio removido, descobriu que o procedimento era desnecessário.
O exame inicial apontou que ela teria câncer, mas a biópsia posterior à operação indicou ausência de malignidade. A mulher entrou com ação de indenização contra o hospital, o laboratório e o médico patologista, mas uma perícia constatou que o diagnóstico preciso no caso era extremamente difícil, devido à complexidade do quadro, razão pela qual o pedido foi negado.
A paciente interpôs recurso no STJ, o qual foi provido pela Terceira Turma. O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, apontou que há possibilidade de variação na interpretação médica, mas isso não justifica o erro, que estaria caracterizado como falha de serviço – prevista no artigo 14 do CDC. Quanto ao médico, as instâncias ordinárias concluíram que não houve culpa, e rever esse entendimento no STJ exigiria o reexame de provas, vedado pela Súmula 7.
Porém, o ministro entendeu haver uma relação de subordinação entre o laboratório e o hospital. “Considerando que a responsabilidade das pessoas jurídicas prestadoras de serviços médico-hospitalares é objetiva, não há como afastar a responsabilidade solidária do hospital pela má prestação do serviço realizado pelo laboratório a ele subordinado”, declarou Bellizze.
Segundo o relator, diante da complexidade do exame e da possibilidade de obtenção de resultados variados, cabia ao laboratório prestar as informações necessárias à paciente, “dando-lhe ciência do risco de incorreção no diagnóstico e sugerindo-lhe a necessidade de realização de exames complementares”.
Cuidados essenciais
O médico Paulo Hoff lista alguns cuidados essenciais para as mulheres se prevenirem contra o câncer de mama. “A primeira providência é a mulher se familiarizar com seu corpo e procurar o médico se notar qualquer alteração significativa”, apontou.
Ele lembra que pequenas alterações podem ocorrer no ciclo menstrual, mas são benignas e tendem a sumir com o tempo. Outra recomendação é realizar exames periódicos, especialmente após os 50 anos, e sempre informar ao médico o histórico de câncer de mama e de outros tumores.
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