Judiciário
STF julga constitucionalidade da prisão temporária, amplamente utilizada na Lava Jato
Já votaram Cármen Lúcia, relatora, e Gilmar Mendes, com divergência.
O plenário do STF iniciou o julgamento de duas ações que tratam da validade constitucional da lei 7.960/89, que diz respeito ao instituto da prisão temporária. Ambas estão em julgamento no plenário virtual da Corte.
De acordo com a lei, a prisão temporária é decretada na fase de inquérito e pode ser prorrogada, se demonstrada a necessidade, por decisão judicial fundamentada.
O instrumento foi amplamente utilizado no decorrer da operação Lava Jato e foi alvo de controvérsias. Entre elas, o fato de que o então juiz Sergio Moro decretou prisão temporária de ofício, sem pedido do MPF – fato reconhecido no STJ.
Cabimento da prisão temporária
A relatora, ministra Cármen Lúcia, julgo as ações parcialmente procedentes, admitindo a prisão temporária desde que presentes cumulativamente as hipóteses previstas na norma.
No voto, Cármen explica que a prisão temporária é espécie de prisão cautelar e “provoca polêmica”. Para a relatora, se a prisão preventiva é medida excepcional, “a temporária é de ser excepcionalíssima”.
S. Exa. cita que a prisão temporária não é prevista apenas na legislação brasileira, sendo adotada com particularidades em Portugal, Itália, Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra. E esclarece que não havendo direito fundamental absoluto, as leis devem se harmonizar os valores constitucionais, principalmente quando se cogita de restringir o direito fundamental à liberdade.
Nessa linha, prossegue a ministra assentando que a previsão legal da prisão temporária não contraria a CF: “Cabível apenas na fase investigativa, tem requisitos estritos e está em sintonia com os princípios constitucionais das custódias cautelares.”
“É na fundamentação, em cada caso, que se pode ter a demonstração de atendimento aos pressupostos exigidos pela Lei n. 7.960 /1989, indicadores do caráter excepcional de medida cautelar tão gravosa e em fase pré-processual: (i) quando imprescindível para as investigações, II) quando o indiciado não tiver residência fixa ou não esclarecer sua identidade; iii) quando houver fundadas razões, por meio de qualquer prova, de o indiciado ter envolvimento nos crimes listados na Lei 7.960/1989 ou na Lei de Crimes Hediondos.”
Assim, conclui Cármen Lúcia, a prisão temporária é cabível quando caracterizadas conjuntamente as hipóteses dos incs. I e III ou I, II e III, não sendo admissível a prisão temporária pela aplicação isolada dos requisitos legais.
“Se não se comprovarem tais circunstâncias não se pode dar a prisão temporária, sempre havendo a possibilidade de comprovação de ser caso de prisão preventiva, segundo os requisitos legais. De resto, há de se observar não ser incomum se ter a conversão de prisão temporária em preventiva.”
Por fim, a ministra menciona no voto que há inconstitucionalidade de providência policial ou administrativa de qualquer natureza que exponha o preso, “seja qual for a circunstância, à divulgação pública, descumprindo o seu direito de jamais servir à sanha de curiosos ou à vaidade dos agentes efetivadores da prisão de apresentar outro ser humano como troféu“.
- Veja o voto da relatora.
Interpretação ampla
Em voto parcialmente divergente, o ministro Gilmar Mendes assenta interpretação mais ampla nos critérios para o cabimento da prisão temporária.
“Somente a leitura dos dispositivos da legislação específica (Lei 7.960/1989) não é suficiente para assentar uma sistemática legítima à prisão temporária. Deve-se realizar uma filtragem constitucional e também considerar os princípios gerais assentados no CPP sobre medidas cautelares pessoais.”
Ao discorrer acerca da vedação à prisão para averiguações e o respeito ao direito de não produzir prova contra si mesmo, Gilmar diz que “somente se pode impor uma restrição à liberdade de um imputado, durante o processo, se houver a devida verificação de elementos concretos que justifiquem motivos cautelares“.
Dessa forma, Gilmar entende que a decretação da prisão temporária está autorizada somente quando, cumulativamente:
1) for imprescindível para as investigações do inquérito policial (art. 1º, I, Lei 7.960/1989) (periculum libertatis), a partir de elementos concretos, e não meras conjecturas, sendo proibida a sua utilização como prisão para averiguações ou em violação ao direito à não autoincriminação;
2) houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes previstos no art. 1º, III, Lei 7.960/1989 (fumus comissi delicti), vedada a analogia ou a interpretação extensiva do rol previsto no dispositivo;
3) for justificada em fatos novos ou contemporâneos que fundamentem a medida (art. 312, §2º, CPP)
4) a medida for adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado (art. 282, II, CPP), respeitados os limites previstos no art. 313 do CPP;
5) não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas, previstas nos arts. 319 e 320 do CPP (art. 282, §6º, CPP).
- Veja o voto de Gilmar Mendes.
O julgamento no plenário virtual se estende até sexta-feira, 20, caso não ocorra pedido de vista ou de destaque por algum dos ministros.